Família Leuzinger: o biólogo Lucas, a agrônoma Marina e as filhas do casal, Letícia e Ana Emília (a caçula)

O dia ainda estava escuro e um som estranho circundava a sede da Fazenda Barranco Alto, localizada no município de Aquidauana, em Mato Grosso do Sul. Um grunhido, meio choro, meio ronco, emergia da noite densa enquanto o empresário Lucas Leuzinger apreciava o café da manhã. “Não é nada demais, apenas mais uma onça”, dizia absorto, enquanto observava a caneca fumegante. O convívio com esses animais, cuja espécie é conhecida como o maior jaguar das Américas, há tempos é bastante pacífico. Por mês, esses gulosos felinos se banqueteiam com alguns bezerros, parte de um rebanho de dez mil cabeças que ele a esposa Marina mantêm. Perder alguns animais é apenas parte de um negócio cuja lucratividade vai muito além da carne produzida. “Aqui não se mata onça, seja pintada, seja parda ou de qualquer espécie”, explica. “Elas agregam muito mais valor ao nosso negócio do que algumas reses que venham a ser devoradas”, pondera. Ele é biólogo, ela engenheira agrônoma. Juntos, eles são donos de projeto de recria totalmente orgânico em que todo manejo dos animais é acompanhado por curiosos turistas. A maioria é de estrangeiros ávidos por viver a aventura de se tornar pantaneiros por alguns dias. “As onças agregam muito valor ao nosso negócio. Assim como toda a natureza.”

A história de Lucas e Marina mais parece o enredo de um filme vespertino. Os dois se conheceram na Suíça, quando cursavam suas pós-graduações. Ela em agronomia e ele em biologia molecular. De volta ao Brasil e após o casamento, o jovem Leuzinger estava às turras com o negócio de sua família, uma mineradora cujas minas estavam à beira da exaustão. Cansado do cotidiano cercado pela violência, incômoda característica da cidade do Rio de Janeiro, ele pensava num destino diferente para a sua família. Ainda mais com o nascimento de sua filha mais velha, Letícia. “Todos os fatores se juntaram e decidimos mudar radicalmente de vida”, diz.

 

 

Almir Sater: “É um projeto muito bonito e corajoso, afinal eles largaram tudo para virar pantaneiros”

A fazenda é uma das mais antigas da região. Formada no início do século passado, passou para as mãos do pai de Marina, o pecuarista Jorge Schweizer, no início da década de 1980. Desde então, o local passou a sediar um intenso trabalho conservacionista. Schweizer fundou a Sociedade de Defesa do Pantanal (Sodepan) e, em 1992, após uma pesquisa de quase dez anos, escreveu o livro Ariranhas no Pantanal. “Nossa missão é continuar esse trabalho e expandir, visto que é possível crescer e conservar a natureza”, explica Lucas.

Embora esteja localizada dentro do município de Aquidauana, a propriedade está numa região chamada como Nhecolândia. O lugarejo é uma conhecida rota boiadeira, cantada em verso e prosa em músicas que falam do cotidiano da lida com gado no Pantanal. Uma delas é Comitiva esperança, de Almir Sater, vizinho ilustre dos Leuzinger cuja amizade se transformou em parceria. Anos atrás, Sater e sua esposa, Ana Paula, fundaram uma escola com o objetivo de dar melhor formação às crianças, mas respeitando a cultura pantaneira. Com filhos crescendo e uma agenda apertada de apresentações, Sater mudou-se para São Paulo e a escola tocada por sua esposa ficou aos cuidados de Lucas e Marina. “Eles já faziam um trabalho muito bonito na Barranco Alto, a partir do momento em que só contratavam trabalhadores que tivessem filhos, uma coisa que é rara entre os fazendeiros”, disse o violeiro à DINHEIRO RURAL.

 

As escolas pantaneiras obedecem a um sistema próprio e o ano letivo começa quando as águam baixam, o que pode acontecer em março ou abril. Há professores fixos, que dão aula do primeiro ao quinto ano. “Quando as crianças têm que ir para a cidade estudar, seus pais vão junto o que acaba esvaziando as fazendas”, explica o violeiro. Assim que lançou o projeto, ele matriculou os próprios filhos para dar o exemplo. Hoje, Lucas e Marina seguem o mesmo exemplo. Suas filhas, Letícia e Ana Emília, também estudam nas escolas pantaneiras. “É importante que os pais possam dar educação para seus filhos, sem se preocupar em se deslocar por horas”, explica Marina.

Com os pés no chão e correndo por entre as beiradas dos rios, os filhos de Marina e Lucas aprendem desde cedo importantes lições, algumas fora da escola.

Livro: nas horas vagas, Lucas Leuzinger também é fotógrafo, autor de um livro com fotos raras que ilustram esta reportagem

Produzir e preservar são exemplos que vêm de casa. A pousada possui apenas quatro quartos, o suficiente para receber grupos restritos. “Existe tecnologia para criar estruturas maiores sem agredir o meio ambiente, mas já fica difícil dar a mesma atenção”, explica Lucas. Segundo ele, existem muitas fazendas que se propõem a trazer turistas, porém, mostrar as verdadeiras belezas do Pantanal é algo mais complicado. “Pode ser que a pessoa veja uma onça, como pode ser que não”, comenta. “Por isso, é importante mostrar que a beleza dessa região está nos detalhes.” Fotógrafo, ele publicou um livro com imagens raras do Pantanal, cedidas para esta reportagem.

Os planos para a Fazenda Barranco Alto seguem no ritmo do Pantanal. Nada de adensamento ou crescimento desordenado. “Aqui a realidade é diferente. Temos um coeficiente de um boi por hectare e para um negócio ser viável são necessários pelo menos quatro mil hectares”, explica o fotógrafo- pecuarista. “Nossa área está em expansão, mas vamos fazer tudo com muito cuidado, visto que o Pantanal é frágil e, se queremos continuar aqui, temos que saber produzir em harmonia com a natureza.” Palavras de um novo pantaneiro.