27/03/2013 - 18:48
O governo federal tem como meta ampliar em mais 23 milhões de hectares as áreas protegidas no País até 2020. Em tese, nos biomas Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal, já existem 312 Unidades de Conservação (UCs), que ocupam cerca de 146 milhões de hectares. Isso porque boa parte dessa área preservada (pelo menos 16,9 milhões de hectares) está abandonada ou maculada por ocupações irregulares. Sem contar que o País tem ainda um passivo de reserva legal em torno de 18,4 milhões de hectares de imóveis rurais a serem regularizados. Há também nesse imbróglio a necessidade de destinar mais de R$ 2 bilhões para liquidar a fatura de milhares de indenizações a posseiros e desapropriações e a falta de infraestrutura do País para fiscalizar todas as UCs. Elas correspondem a 17% do território nacional. O esforço feito pelo governo federal, desde a aprovação do novo Código Florestal, no ano passado, para tentar cumprir suas metas e, ao mesmo tempo, agradar a gregos e troianos, é destacado por Roberto Ricardo Vizentin, presidente do Instituto Chico Mendes (ICMBio), em Brasília, órgão do Ministério do Meio Ambiente, responsável pela gestão das áreas conservadas. “Entendemos que é necessário produzir para preservar e preservar para produzir”, afirma Vizentin. “O Brasil, além de ser o grande celeiro mundial de produção agrícola, é uma reserva de biodiversidade essencial para que possamos produzir.”
Segundo ele, as UCs privadas e particulares são criadas para garantir a sobrevivência de espécies de animais e plantas e as belas paisagens naturais brasileiras, que incluem montanhas, serras, cachoeiras, canyons, rios e lagos (leia mais na página 77). “Essas áreas contribuem ainda para regular o clima”, diz. Para atingir a meta de 23 milhões de hectares adicionais, sem gerar mais passivos para o governo, uma das soluções é oferecer o sistema de compensação ao produtor rural, que precisaria diminuir sua área de produção para atender às exigências do novo código, na chamada Área de Preservação Permanente (APP). Trocando em miúdos, isso quer dizer que o agricultor poderá compensar a área a ser preservada em sua fazenda, em uma nova ou antiga UC. “O produtor poderá comprar uma área, por exemplo, dentro de um parque nacional e entregála como compensação de APP”, diz Vizentin. “A usina Belo Monte vai utilizar esse recurso e destinar R$ 100 milhões em reserva legal.”
Pelos cálculos do governo federal, ainda de acordo com o presidente do ICMBio, para atingir a meta, seria necessário transformar, por ano, mais de 2,5 milhões de hectares em UCs, uma tarefa que conta em grande parte com as APPs. A opção de compensação já funciona por meio do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar). Trata-se de um documento eletrônico formal de adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA ), no qual o agricultor se compromete a manter, recuperar ou recompor as áreas de APP. “A ideia é utilizar as UCs para gerar riqueza sustentável, por exemplo, com o turismo.”
Por outro lado, há quem diga que a criação de novas Unidades de Conservação vai impactar diretamente no aumento de preços das commodities e terras agricultáveis, além de fazer com que a produção agrícola migre para outras áreas, como a Amazônia. Essa é a posição do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), em São Paulo. Emparceria com o Latin American and Caribbean Environmental Economics Program (Laceep), o Icone realizou um estudo que avalia os impactos ambientais e econômicos da criação de novas áreas protegidas no Cerrado até 2020. O estudo considerou as áreas estabelecidas pelo Plano de Ação Para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado), do Ministério do Meio Ambiente, com prioridade para a conservação da biodiversidade alta, o que representa 20% da área total do bioma. De acordo com Leila Harfuch, pesquisadora sênior do Icone, se 10% do Cerrado se tornar área de proteção, significa 20 milhões de hectares. “E, se forem cumpridas as APPs, cada vez mais vamos ver diminuir as áreas agricultáveis.”
Ainda segundo Leila, o resultado da pesquisa, que analisou as áreas com alta prioridade para conservação, mostra que criar UCs provocará uma realocação parcial das atividades agropecuárias para outros biomas, além da implicar a redução da produção dos produtos simulados no estudo, como arroz, feijão, milho, soja, algodão, cana, pecuária e produtos derivados. A área utilizada para lavoura de primeira safra, por exemplo, seria reduzida em 2%, ou um milhão de hectares. “Com isso, a pecuária teria uma área para intensificação da produção entre 8 milhões e 20 milhões de hectares”, diz Leila. “A pecuária vai precisar de investimentos pesados, muita tecnologia, para verticalizar a produção. E ainda recuperar o pasto ruim.”
A redução da área para a criação de gado, por exemplo, terá consequências sobre os preços da carne, que devem aumentar 9% até 2020. “O produtor terá de ser mais bem remunerado, porque ele vai ter uma redução de área, precisará mudar a dieta do animal, além de investir em tecnologia.” Na região Centro-Oeste, do Cerrado, segundo o estudo baseado no cenário de 10% de UCs no local, serão 2,5 milhões de hectares em redução de pastagem. No Sudeste, mais 2,5 milhões de hectares, e no Nordeste, quase 3 milhões de hectares. “É muita coisa”, afirma Leila.
UCs: o que são e quem determina
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza foi criado na década de 1970, quando o extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), com o apoio da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, uma organização não governamental, criou o Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil. Isso acabou culminando na criação, em 2007, do ICMBio, que passou a gerir os recursos naturais dos biomas.
Existem dois tipos de áreas protegidas: as públicas e as privadas. Elas são organizadas em 12 categorias, de acordo com seus objetivos de manejo e tipos de uso. Uma delas são as Unidades de Proteção Integral, que visam a preservar a natureza, permitindo o uso indireto de seus recursos naturais. Essa categoria é subdividida em mais cinco categorias: estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, monumento natural e refúgio de vida silvestre. Das 312 UCs, 139 são de proteção integral. Já as 173 Unidades de Uso Sustentável têm o objetivo de conciliar a preservação da natureza com o uso de parte dos seus recursos naturais. Isso permite a exploração do ambiente, desde que se mantenha a biodiversidade do local, bem como os seus recursos renováveis. Nesses locais é possível, por exemplo, produzir madeira para desmatamento sustentável. Por isso, essa categoria também possui as subdivisões: área de proteção ambiental, floresta nacional, reserva de desmatamento sustentável, reserva de fauna e reserva extrativista. “Quem determina isso tudo são pesquisadores de universidades e instituições, por meio de editais”, diz Vizentin, do ICMBio.