23/01/2019 - 14:41
Passadas as eleições presidências, com a vitória do capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL) para comandar o País a partir de 1º de janeiro, é hora de arrumar a casa. No agronegócio, isso somente será possível com um olhar permanecer sobre as mudanças globais na economia, já que são as exportações que ditam o ritmo do setor. No ano passado elas somaram US$ 96 bilhões, ante US$ 36,8 bilhões há uma década. O Brasil, que tem um papel de protagonismo na segurança alimentar, saiu do processo eleitoral com sua imagem internacional arranhada. Daí a necessidade de o setor se organizar e tomar ações para reverter o quadro. Espaço é o que não falta. “Precisamos arrumar a casa para participar ativamente do que se prevê como megatendência até 2030, que é o desdobramento do poder econômico”, diz Stefan Mihailov, CEO da Trouw Nutrition Brasil, multinacional de origem holandesa da área de nutrição animal. “Analistas do setor afirmam que o grupo de economias emergentes (E7), onde estão Brasil, China, Índia, Indonésia, Rússia, Turquia e México, será economicamente mais poderoso que o G7, onde estão Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá.”
Para o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Júnior, o momento é propício para levar ao congresso uma pauta positiva. O banco, com uma carteira de R$ 21 bilhões em empréstimos e 330 mil clientes no setor rural, é a maior instituição privada de crédito agrícola. “Tenho ido muito a Brasília apresentar uma agenda para o agronegócio”, afirma Lazari. “Por exemplo: não dá mais para um País como o Brasil fazer plano para ano safra. É preciso pensar em um plano para um período mais longo.” Não é somente Lazari que tem tomado o caminho do Planalto Central. Entidades como a Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA), entre outras, têm um plano pronto para o novo governo que aborda questões vitais ao setor, como segurança jurídica e tributária. “Temos que ser um passo a frente, porque se há um setor que sabe das necessidades do País, ele se chama agronegócio”, diz Lazari. “Nesse processo de crise, qualquer outro País já teria quebrado.”
Maria Cristina Mendonça de Barros, economista da MB Associados, diz que o desafio não é pequeno para colocar em pauta uma agenda moderna, porque a imagem internacional do País foi desgastada em excesso no processo eleitoral.
A declaração de Bolsonaro de que o Brasil sairia do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas foi especialmente desastrosa. Mesmo voltando atrás nessa posição, houve protestos de ambientalistas. O Brasil comprometeu-se a cortar as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025, ficando abaixo dos níveis de 2005. E chegar a um corte de 43% até 2030. Para Maria Cristina, cabe à sociedade civil saber separar o joio do trigo e, nesse sentido, cobrar do governo uma postura adequada, a começar pelo Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty. “Para não vender um País que não seja real e até enfrentar os inimigos do agronegócio lá fora”, diz ela. “Porque, mal ou bem, somos o país que tem o melhor agronegócio sem subsídios. E lá fora estamos lidando com países com grandes subsídios.”
Trinca: os Estados Unidos (1), a China (2) e o Brasil (3) são os únicos países que possuem, ao mesmo tempo, um território extenso, uma grande população e PIB na casa do trilhão de dólares. São eles que vão determinar os rumos da política global, inclusive no agronegócio
De imediato, a definição das eleições coloca o agronegócio de olho na variação do dólar. Embora o travamento de preços através do hedge tenha crescido como ferramenta de gestão no campo, o setor é obrigado a importar insumos para as lavouras e vender a safra em épocas descasada. Entre os economistas, há uma afirmação clássica: o dólar só existe para dar humildade a essa categoria profissional. Isso porque, de modo geral, é baixa a capacidade de prever o comportamento da moeda americana. Zeina Latif, economista chefe da XP Investimentos, arrisca. Para ela, a tendência global é de aumento da cotação do dólar, ainda que no mercado interno o mercado financeiro tenha apoiado o presidente eleito. “Nitidamente, por causa da eleição presidencial, o dólar está descolado do mercado internacional”, diz ela. “Vimos isso acontecer quando começaram as discussões de impeachment. E também quando Michel Temer assumiu a presidência: o mercado financeiro dá o benefício da dúvida e acontece a queda da cotação do dólar.”
Para a XP Investimentos, em um cenário otimista, no próximo ano o dólar poderá oscilar entre R$ 3,50 e R$ 3,70. Em um cenário pessimista, a moeda ficaria entre R$ 4,50 e R$ 5,00. De acordo com a economista, passada a lua de mel do mercado financeiro com Bolsonaro, é preciso ficar atento ao comportamento da moeda. A volatilidade do dólar pode ser a diferença entre o lucro e o prejuízo nos negócios do campo.
A valorização global da moeda americana tem base no cenário econômico para os próximos anos. Há uma desaceleração do comércio mundial e da economia de forma disseminada, exceto nos Estados Unidos. “Quando o comércio mundial desacelera, machuca a China e machuca, também, as economias avançadas que são mais abertas, como a Europa e o Japão”, diz Zeina. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em suas análises, mostra sinais de desaceleração econômica para 2018 e 2019, depois de dois anos de crescimento. É por isso que, para fazer frente a essas previsões, a pauta de exportações do agronegócio precisa de previsibilidade, principalmente em logística e na adoção de tecnologias para aumentar a produtividade da agropecuária.
A China, por exemplo, não abre mão de seu plano de acesso a mercados. Isso explica a carta de felicitações enviada a Jair Bolsonaro poucas horas após a confirmação de sua vitória. Os chineses esperam do novo governo que o programa de concessões públicas no setor de infraestrutura seja retomado. Os chineses são os maiores clientes do agronegócio brasileiro, com compras no valor de US$ 26,6 bilhões no ano passado, 27,7% de toda a exportação do setor em 2017. O acesso a investimentos no Brasil faz parte da política do governo do presidente chinês Xi Jinping, desencadeada nos últimos cinco anos e chamada One Belt One Road (Um cinturão Uma rota, na tradução do inglês), ou, mais precisamente a Nova Rota da Seda. A previsão é investir US$ 5 trilhões em um conjunto de grandes obras de infraestrutura em cerca de 70 países. O valor representa três vezes o PIB do Brasil e cerca de 40 vezes o valor do Plano Marshall, atualizado, que os americanos criaram para reconstruir a Europa após a Segunda Guerra Mundial. Só para comparação, na década de 1990 os investimentos chineses no exterior não passavam de US$ 3 bilhões.
Para Tatiana Gil Gomes, economista do Banco Alfa, o diagnóstico é muito claro para que as políticas funcionem, inclusive no setor do agronegócio: é preciso desburocratização, velocidade e regras. “Nada vai ser fácil, mas a sensação é que vêm novidades boas no próximo período”, diz ela. “O que eu entendo é que esse governo vai bater cabeça. Isso não é ruim, porque quando há velocidade e capacidade de reconhecer erros, caso a direção tomada seja errada, volta-se rapidamente.” Para ela não há atitude mais adequada que essa.
A segurança alimentar, proposta ao mundo pelo Brasil, dá sustentação a esse tipo de governança. Mark Wiessing, presidente do Rabobank Brasil, especializado em crédito ao setor, diz que produzir alimento para a crescente população mundial, e com sustentabilidade, é um tema importante e ao mesmo tempo assustador. “A cada minuto há 171 pessoas a mais no mundo para serem alimentadas, das quais 169 ficam em países subdesenvolvidos e em grandes cidades”, diz ele. “Temas como produtividade, desperdício, nutrição e estabilidade das cadeias de negócio no agronegócio não podem sair de nenhuma pauta.”
No mundo, apenas três países – Brasil, China e Estados Unidos –, reúnem características de produção em larga escala. Eles possuem territórios com mais de cinco milhões de quilômetros quadrados, populações acima de 150 milhões de habitantes e PIB superior a US$ 1 trilhão.
Nos últimos 40 anos, somente o Brasil conseguiu a façanha de diminuir o preço dos alimentos para a sua população, com uma redução da ordem de 3,5% ao ano.