22/06/2021 - 16:22
Neste ano de 2021, declarado como período Internacional das Frutas, Legumes e Verduras pela Organização das Nações Unidas (ONU), o horticultor brasileiro – que deveria estar nadando em bonança – está sofrendo com insônia diante dos problemas trazidos pela extensão da pandemia da Covid-19. A montanha-russa da insegurança econômica que impactou a renda da família brasileira e o fechamento do food service, que consome 45% da oferta das mercadorias, provocaram a perda total ou parcial da rentabilidade de 68% dos 215 produtores consultados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP no início do isolamento social. E a situação para os 336,2 mil produtores que movimentam mais de R$ 8,3 milhões (censo IBGE, 2017) em receita não deve se regularizar tão cedo.
Se, por um lado, os hábitos alimentares mudaram no início da pandemia, com aumento do consumo de alimentos in natura em razão da preocupação com a imunização, por outro, a redução da renda com o desemprego, as restrições do auxílio emergencial e a alta da inflação ao longo dos últimos meses têm retraído o gasto com frutas e hortaliças. Além disso, a alta do dólar pressionou o preço dos insumos, o que por sua vez desbalanceou as contas. “Entre 2019 e 2020 houve aumento de 25% no custo de produção”, afirmou Renato Abdo, diretor executivo do Instituto de Desenvolvimento da Horticultura do Estado de São Paulo (Aphortesp).
Como a cadeia de produção é de ciclo contínuo, a situação não deve se regularizar até 2022. Júlio Cesar Benedito, do Sítio A Boa Terra, empresa de assinatura de cestas orgânicas, sente o efeito sanfona. Após ver as vendas saltarem de 400 caixas em janeiro de 2020 para 800 em abril, a propriedade teve que ficar de olho no balanço para não amargar prejuízo. “Após o mês de junho do ano passado as vendas estabilizaram. Só que, no final de 2020 e começo deste ano, houve nova retração devido ao aumento do custo de insumos, principalmente sementes, combustível e embalagens”, afirmou.
SOLUÇÕES Para driblar as dificuldades, o agricultor aposta em inovação. De assinaturas de cestas orgânicas a novos canais de distribuição. Esse foi o caminho escolhido por Ivan Chagas Luz, pequeno produtor de Rio Claro (SP). “A falta de chuva em 2019 já antecipava um ano complicado. Quando as feiras fecharam, acabei montando um perfil no Instagram e uma lista de transmissão no WhatsApp. Foi o que me ajudou no momento mais complicado”, afirmou. Lucas Perez, de Mococa (SP), produtor orgânico de tomate, pepino e abobrinha, foi na mesma linha, mas com foco no fornecimento para os lojistas menores, o que resultou na melhora de outro problema. “As grandes redes de supermercados sempre nos deram uma margem mais baixa de lucro”, disse.
As estratégias no meio digital não se resumiram, porém, à entrega na porta da casa do cliente. Muitos aderiram a parcerias com plataformas de vendas on-line, diminuindo o número de intermediários. Ernestina de Almeida, agricultora familiar de Ibiúna (SP), decidiu se aproximar de uma foodtech após calotes de distribuidores. “A parceria foi uma alternativa segura em meio a tanta instabilidade e me trouxe retorno financeiro mais alto depois que quase perdi a colheita inteira no ano passado”, disse. E assim, algumas foodtechs que nasceram como hub de comidas congeladas viram uma oportunidade de mercado. Caso da Liv Up, que colocou no ar a seção Quitanda e Açougue, para vendas de produtos in natura. “Conquistar uma relação com o agricultor, acostumado com a inadimplência, é um trabalho intenso. Mas uma cadeia curta e integrada promove estabilidade e segurança para eles”, afirmou Pedro Martins, responsável pela área de suprimentos da Liv Up.
Fortalecer cadeias mais justas é um movimento que vem crescendo. É nessa necessidade que a startup Muda Meu Mundo atua. Criada em 2017 por Priscilla Veras, a empresa conecta o pequeno produtor ao varejo a partir de uma operação digital pensada na estrutura de rede. “A ideia principal era tornar a boa comida acessível”, afirmou. A operação, feita praticamente pelo WhatsApp, ajudou clientes a reduzirem a perda de alimentos, de 30% para 3,3%, entre a propriedade rural e as prateleiras dos supermercados. Outro objetivo da Muda Meu Mundo é regulamentar esta cadeia em que muitos não sabem nem precificar seus produtos. “É um universo muito significativo, levando-se em conta que 60% da população do Nordeste vive da agricultura”, disse Priscilla.
CRÉDITO A ajuda vem em boa hora. Mesmo com a promulgação da lei do Agro no final de 2020, o acesso ao crédito pelos produtores não está fácil. Os recursos do Plano Safra estão cada vez mais escassos e os empréstimos privados não são tão atrativos como o dinheiro equalizado pelo governo. “Com um mercado focado em análise, o auxílio subsidiado vai demorar a ser substituído pelo privado. Quem se beneficia ainda é aquele que já tem crédito na praça”, disse Gabriel Leutewiler, do escritório Santos Neto Advogados e um dos idealizadores da lei do Agro.
De acordo com o Cepea, 38% dos 195 produtores entrevistados mudaram a forma de captação de crédito, sendo que 64% buscaram fontes com terceiros e 36% usaram recursos próprios. Diante das dificuldades, empresas como a Raízs intensificaram programas sociais. “Muitos agricultores tiveram de mudar o calendário de produção e enfrentaram dificuldades na contratação de mão de obra”, disse Luís Fontes, chefe de operações da marca. O jeito foi ajudar oferecendo cestas de alimentos para mais de 2 mil famílias. Vendo a situação se agravar, a produtora Simone Silotti, de Quatinga, em Mogi das Cruzes, idealizou o projeto Faça um Bem Incrível, que arrecadou 175 toneladas de hortaliças para distribuir em 13 municípios da região. “É preciso lembrar que o índice de fome é duas vezes mais alto no campo do que na cidade”, disse. Ajudas importantes, mas que expõem contradições de um País em que é preciso alimentar quem tem vocação para alimentar o mundo.