08/10/2018 - 11:00
O zootecnista Renan Cesar Lima e Silva conta, com orgulho, a sua trajetória no campo. Ele tem 28 anos e trabalha desde os 15 em uma das fazendas do grupo Viacava, que pertence ao pecuarista Carlos Viacava, um dos maiores criadores de nelore mocho do País. Silva passou toda a infância na propriedade em que cresceu e onde está até hoje, a fazenda Campina, em Caiuá, município paulista na divisa com o Estado de Mato Grosso do Sul. Algum dinheiro ele começou a ganhar em 2015, fazendo de tudo um pouco. “Eu nasci na fazenda e, por conta da expansão da propriedade, comecei a acompanhar como os serviços eram feitos”, diz ele. “E, conforme fui crescendo, passei a exercer funções.” Silva é filho de um gerente de pecuária e de uma doméstica que já moravam na propriedade em 1986, ano em que ela foi comprada por Viacava. Quando terminou o ensino médio, mesmo trabalhando no campo, Silva não deixou escapar a oportunidade de cursar uma faculdade, o que ainda lhe rende bons frutos. “Posso dizer que consegui um ágio de 250% no salário, quando completei a graduação”, afirma o zootecnista. Hoje, Silva cuida do rebanho da fazenda de 3,8 mil hectares, de onde saem 800 touros por ano. A propriedade também vem se tornando modelo na integração da pecuária com a lavoura. Na safra 2017/2018 foram colhidas 52 mil sacas de soja e produzidas sete mil toneladas de silagem de milho.
Silva não está sozinho nesse universo rural. O zootecnista faz parte de uma elite de profissionais capacitados e que vem crescendo, como mostram os primeiros dados do Censo Agropecuário 2017, apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, de Piracicaba (SP), que vem estratificando parte desses dados do IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) aponta que há no País 180,4 mil profissionais que possuem algum título de ensino superior completo e que atuam no que o setor do agronegócio denomina “dentro da porteira”, ou seja, diretamente em atividades primárias no campo. Esse grupo de diplomados ainda é pequeno: representa 2,1% dos postos de trabalho nas propriedades, comparado à população rural ativa de 8,4 milhões de pessoas nesse segmento. Mas já foi pior. Em 2012, quando o Cepea iniciou este tipo de acompanhamento, havia 54,7 mil diplomados a menos que nos dias atuais. “Historicamente, o segmento primário emprega mão de obra pouco qualificada. Mas vemos uma evolução gradativa, mesmo que lenta”, diz Leandro Gilio, pesquisador de Centro de Macroeconomia do Cepea. “O desenvolvimento da tecnologia está diretamente relacionado com esse movimento”. Não por acaso, 79,8 mil trabalhadores, 0,9%, possuem ensino superior incompleto ou equivalente e também é um grupo em ascensão. O movimento pela qualificação dentro da porteira é reflexo do Produto Interno Bruto (PIB) do setor, que também avança. Do total de R$ 1,4 trilhão do PIB Agro, o segmento primário movimentou no ano passado R$ 365,6 bilhões, valor 12,6% acima de 2012. Felipe Brasil, coordenador do IBMEC Agro, diz que a necessidade dentro da porteira não é apenas por profissionais das ciências agrárias. “Há necessidade de profissionais qualificados em gestão, administração, contabilidade, legislação e direito”, diz ele. “É para sustentar essa cadeia de negócio, que é cada vez mais competitiva.”
Mas ainda hoje, o maior número de profissionais dentro da porteira ainda é dos sem instrução e com ensino médio e fundamental entre incompleto ou completo. São 8,1 milhões de pessoas. A boa notícia é que o grupo dos sem instrução caiu 41% desde 2012. Embora grande, já que o analfabetismo é uma afronta social nos dias atuais, hoje eles são 1,2 milhão de profissionais. “Algumas culturas, como a cana-de-açúcar, apresentaram mudança no processo produtivo. As queimadas foram proibidas, o que inviabilizou o corte. Necessariamente, houve uma necessidade de mecanização. E, também, por conta do crescimento de culturas mais tecnificadas, como é o caso da soja”, afirma Gilio. Isso explica parte do êxodo de trabalhadores do campo: ou eles se qualificam, podendo ir para outros segmentos do agronegócio, como a agroindústria, por exemplo, ou saem da atividade. Há cinco anos, o setor primário empregava 9,9 milhões de pessoas, 1,8 milhão a mais. “Há uma tendência de maior mecanização e quanto a isso não há mais retorno.” Para José Carlos Marchesan, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), entidade com maior inserção em equipamentos e que no ano passado movimentou R$ 13,9 bilhões, no cenário atual o incremento da tecnologia obriga os setores do agronegócio a garimpar por mão-de-obra. “Aquele operador que manueava um equipamento há uma década, ou mesmo cinco anos atrás, já não é o mesmo de hoje”, diz Marchesan. “Grande parte delas já tem GPS e agricultura de precisão. O momento é outro, com máquinas inteligentes.”
A tecnologia tem um preço e vem provocando um rearranjo na estrutura de trabalho. Isso não ocorre apenas no agronegócio, mas em todas as atividades, como na indústria automobilística, na construção civil ou no setor bancário. De modo geral, nos últimos cinco anos, a queda de mão de obra no agronegócio caiu de 19,6 milhões de postos de trabalho, para 18,2 milhões de postos. Foi puxada, justamente, pelo segmento primário. Nos demais segmentos, chamados de antes da porteira – onde estão os insumos, como rações, fertilizantes, medicamentos e agroquímicos – mais os segmentos pós-porteira, onde estão a indústria e os serviços, o cenário e outro. No agrosserviço há mais vagas, setor em que é necessário mão de obra qualificada para o manuseio de máquinas agrícolas ou drones, para a administração e comércio. Desde 2012 foram adicionados 320 mil postos de trabalho, totalizando 5,7 milhões de profissionais. A ocupação no setor cresceu 5,9%. É nesse semento, também, onde estão os mais escolarizados. Do total de 1,8 milhão de profissionais com curso superior, 1,2 milhão estão nos serviços.
No segmento de insumos, embora seja o setor que menos ocupa mão de obra no agronegócio, com 218,9 mil profissionais, em porcentual foi o que mais avançou: 28% desde 2012. “A perda de postos não foi tão grande, já que houve elevação na parte de insumos, na agroindústria e no agrosserviços”, diz Gilio. “Há uma transição sobre onde aumentaram ou diminuíram as ocupações.” Para Brasil, do IBMEC Agro, o fato é que a modernização no campo exige uma equipe muito mais treinada para lidar com os novos equipamentos e tecnologias, ao mesmo tempo em que ela fica menos exposta a crises econômicas ou à volatilidade do próprio setor. “Existem algumas áreas com mais oportunidades de trabalho e com ofertas ainda melhores que aquelas dos trabalhos menos qualificados, como novas atividades industriais, retroportuárias e urbanas”, afirma ele. “Há uma deficiência em fazer uma base de sustentação de gestão e de matemática financeira, direito agrário, legislação trabalhista e sustentabilidade ambiental.” Não à toa, Renan, do grupo Viacava, nem pensa em trocar o campo pela cidade. O que ele quer é se qualificar ainda mais para continuar sua carreira profissional entre bois, soja e milho. “Estou iniciando neste ano uma pós-graduação em Integração Lavoura-Pecuária”, diz ele. “Penso, sim, em continuar, mas quero construir uma carreira dentro da empresa e alcançar cargos mais altos”.