01/10/2010 - 0:00
Hoje e ontem: funcionária da Monsanto em Ankeny observa equipamento que classifica os grãos; no detalhe, a máquina de alteração genética usada de 1980 a 2005
O mundo da biotecnologia tem muitos mistérios. Gary Barton, funcionário aposentado da Monsanto que hoje atua como guia nas unidades da empresa em St. Louis, no Estado americano de Missouri, não se cansa de responder às perguntas dos visitantes. Como surgiu a soja transgênica? Como se faz para selecionar e identificar os melhores grãos de milho após milhares e milhares de cruzamentos genéticos? Como se altera o DNA de uma planta? Novas indagações vão surgindo ao longo do caminho nos corredores de um edifício de tijolos marrons e telhado de vidro no distrito de Chesterfield, onde centenas de novas mudas brotam todos os dias e – quem sabe – trarão em seu código genético as respostas para os dilemas da agricultura do século 21. Como produzir mais e gastar menos para alimentar uma população de seis bilhões de pessoas que, em 2050, chegará a nove bilhões? “As pesquisas nunca param. Investimos mais de US$ 1 bilhão por ano para fazer sementes mais resistentes e produtivas”, diz Barton. É verdade. Os grãos da agricultura do futuro já estão sendo desenvolvidos nos laboratórios e estufas da Monsanto.
Jesus Madrazo: a meta da empresa é reduzir em um terço o consumo de água nas lavouras de grãos até 2030
O atual desafio da empresa que revolucionou a agricultura moderna ao criar o herbicida mais usado do mundo, o glifosato, é lançar grãos com novas características. A Monsanto precisa oferecer mais ao agricultor do que as atuais sementes modificadas de soja, milho, canola e algodão resistentes ao veneno que ela mesma criou no passado para matar ervas daninhas. Precisa ir além da resistência a insetos também oferecida no milho e no algodão. Cada vez mais voltada para a biotecnologia, a companhia busca soluções que permitam aos agricultores aumentarem ainda mais a produtividade e reduzir o consumo de insumos e água nas plantações. “Não temos escolha. Os agricultores precisam produzir mais, usando menos recursos naturais. Somos parceiros deles nesse desafio”, diz Michael Doane, diretor de Sustentabilidade da Monsanto. E quais serão as futuras inovações?
A resistência à seca é uma das áreas de pesquisa em franco desenvolvimento. As plantas tolerantes ao estresse hídrico, que podem ser cultivadas com menor consumo de água, já estão saindo do forno, ou melhor, das estufas. Um milho geneticamente modificado já apresenta essa característica. Nesse projeto, em parceria com a Basf, a Monsanto conseguiu criar plantas maiores e com maior produtividade em ambientes com pouca água. Países africanos e regiões secas, como o Nordeste brasileiro, poderão usar essas sementes no futuro para viabilizar a produção agrícola. Além do milho, a soja e o algodão fazem parte dos planos da empresa americana de reduzir em um terço o consumo de água nas plantações até 2030, no máximo. “Nosso objetivo é dobrar o rendimento dessas culturas”, afirma Jesus Madrazo, diretor dos negócios internacionais da Monsanto. Para aumentar a produtividade, os cientistas estão desenvolvendo plantas com maior capacidade para absorver o nitrogênio, um dos principais nutrientes do solo.
As experiências genéticas também envolvem a estratégica canade- açúcar – matéria-prima básica, no Brasil, para a produção do etanol, um dos combustíveis que irá substituir o petróleo no futuro – e o trigo. Conforme a resistência aos transgênicos vai caindo mundo afora, a Monsanto prepara o lançamento de produtos com maior valor agregado, que possam ser usados pela indústria alimentícia para conquistar consumidores mais exigentes. Um deles é o óleo de soja enriquecido com ômega 3, substância que faz bem ao coração e atualmente é mais encontrado no óleo de peixe. Também vêm aí soja e milho com menor teor de gordura saturada, ideais para a utilização em produtos como salgadinhos e cereais para o café da manhã. No futuro, os grãos poderão até ser usados para a vacinação da população.
Gary Barton: o guia da Monsanto em frente a um quadro com a evolução do milho ao longo dos séculos
Não molhe: mudas de soja são rigorosamente testadas com restrição hídrica numa estufa de Chesterfield, em St. Louis
Etanol: a cana-de-açúcar, matéria-prima do etanol no Brasil, já está sofrendo alteração genética nos EUA
Cada semente desse tipo leva dez anos, em média, para chegar ao consumidor. Nesse processo, a empresa chega a inventar equipamentos para a seleção das melhores sementes dentre milhões de grãos produzidos anualmente a partir de vários cruzamentos genéticos e da manipulação do DNA, feita com a troca de genes. Para identificar aqueles que trazem as características procuradas, os cientistas analisam semente por semente no Centro de Melhoramento Molecular Aplicado, um grande laboratório em Ankeny, no Estado de Iowa. Parece cena de ficção científica, mas é realidade. O milho ou a soja são colocados numa máquina sofisticada que tira um pedacinho de cada grão (sem danificá-lo para o cultivo posterior) e o armazena em bandejas com códigos de barras. O material retirado tem seu DNA analisado e, uma vez encontrada a semente procurada, ela é resgatada da bandeja e segue para a reprodução. Imagine fazer isso com milhões de grãos e no menor tempo possível – é o que se faz por ali. Depois do desenvolvimento, vem o longo processo de testes de rendimento em várias regiões diferentes e aprovação pelas autoridades dos países.
O Brasil é o primeiro país para quem a Monsanto desenvolveu um produto específico. Em 2012, a empresa irá lançar uma nova soja transgênica, com resistência à lagarta, tolerante ao glifosato e com maior índice de produtividade. Em agosto passado, a Comissão Técnica Nacional de Biosseguranca (CTNBio) aprovou a semente. O foco no mercado brasileiro é total. “O Brasil é o mercado que mais cresce para nós”, diz Jesus Madrazo. A empresa lançou aqui a segunda geração do milho transgênico, da Dekalb, que permite a redução da área de refúgio para 5% da plantação e garante o controle de três pragas: lagarta-docartucho, lagarta-da-espiga e broca- do-colmo.
Como a Monsanto identifica as melhores sementes entre milhões de opções
1 Cada sabugo de milho tem até 800 sementes, com formatos diferentes. Para analisar o DNA de cada uma e selecionar as melhores para a reprodução, os engenheiros desenvolveram uma máquina que identifica e colhe material de cada grão sem prejudicar o plantio posterior
2 Milagres nas estufas. Depois de fazer os cruzamentos dos melhores grãos e alterar os genes para mudar características, a Monsanto testa as sementes em estufas próprias e no campo, em várias regiões. Milho e soja com resistência à seca e a outro herbicida além do glifosato, o Dicamba, começam a virar realidade. A segunda geração da soja transgênica, cuja patente expira em 2014, deve trazer maior rendimento para os agricultores, com mais grãos por favo. No caso do Brasil, as plantas terão resistência à lagarta da soja
Muitas novidades devem sair dos laboratórios e dos campos da Monsanto nos próximos anos, para compensar o fim da patente da soja transgênica Round Up Ready, em 2014. Uma delas é a semente de soja resistente a dois herbicidas, o glifosato e o Dicamba (marca da Basf), permitindo a alternância dos tratamentos. Há outros segredos guardados a sete chaves nas principais instalações da empresa. Na sede social, no distrito de Creve Coeur, em St. Louis, um dos mistérios que mais encanta o guia Gary Barton não tem nada a ver com biotecnologia. É uma pintura a óleo, de 1935, retratando uma paisagem rural da França. “Você sabe quem pintou este quadro?”, pergunta ele, com um sorriso nos lábios. “Winston Churchill”, revela. O britânico, que ajudou os aliados a vencer as pragas nazista e fascista na Segunda Guerra Mundial, também dava suas pinceladas. Hoje, seu trabalho artístico decora um portentoso ambiente de quem, a seu modo, também está fazendo história.