Augusto Oliveira Júnior: o neto do fundador da empresa e vice-presidente do grupo Josapar quer ver o Tio João 100% grãos nobres reinar na mesa dos consumidores mais exigentes

N a primeira década do século passado, o português Joaquim de Oliveira desembarcou no Brasil com o sonho de prosperar e fazer fortuna. Nascido na aldeia de Almalaguês, na região de Coimbra, sua família era dona de um armazém e uma padaria. Sem negar suas raízes, assim que chegou a Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, Oliveira se tornou vendedor. Em pouco tempo, a fama de bom comerciante se espalhou e logo formou uma sociedade com o cunhado Abílio Morais em um armazém próprio. Nascia aí o embrião da empresa Joaquim Oliveira Participações, conhecida como grupo Josapar. Aos poucos, os negócios foram crescendo, até se transformar na maior rede de supermercados gaúcha, o Real, uma versão sulina do Pão de Açúcar, vendida em 1997 para o grupo Sonae. Com o dinheiro arrecadado, o grupo resolveu investir pesadamente no processamento e comercialização de arroz, atividades na qual ingressara na década de 1970. Hoje, o carrochefe da empresa é o arroz Tio João, nome sugerido por uma irmã do fundador e personificado nas embalagens por simpático português bigodudo, vestido com trajes típicos dos Pampas. A marca, líder do mercado nacional, com uma fatia de 7%, é responsável por 70% dos R$ 785 milhões faturados no ano passado pelo grupo. Além disso, a companhia processa feijão, produtos derivados de soja, sementes e fertilizantes. À frente do grupo estão os primos Luciano Adures de Oliveira e Augusto Lauro de Oliveira Júnior, respectivamente presidente e vicepresidente. Oliveira Júnior é neto do fundador Joaquim Oliveira e, pela primeira vez, abriu as portas da empresa à imprensa, ao receber a equipe de DINHEIRO RURAL.

Desde 2003 no comando do grupo que em 2012 completará 90 anos, os primos precisaram inovar. Na última década, pressionado pelo grande número de marcas concorrentes no mercado, o arroz Tio João perdeu espaço nas prateleiras. Em um primeiro momento, a empresa tentou ampliar o alcance da marca para públicos diversos. “Mas vimos que esse não era o melhor caminho”, diz Luis Augusto Krause, diretor de vendas e logística da companhia. Diante disso, os executivos tomaram uma decisão ousada. Produzir um arroz com 100% de grãos nobres. Entre 2006 e 2010, mudaram gradualmente todo o processo produtivo da Josapar, para entrar de vez no segmento de grãos premium e ali se consolidar. Antes disso, todas as variedades processadas nas unidades industriais de Itaqui e Pelotas, plantadas numa das principais regiões produtoras de arroz do Estado, eram armazenadas juntas, o que dificultava a seleção. O consumidor tinha em mãos um produto mais heterogêneo e com menor qualidade. Daí a necessidade de oferecer no mercado um arroz mais selecionado. “Com o aumento do poder aquisitivo, os brasileiros querem produtos cada vez melhores e nós desejamos suprir essa necessidade”, diz Oliveira Júnior.

 

LUIS KRAUSE: investir nas linhas de maior valor agregado foi a opção para ganhar mercado

Atender a essa demanda é um desafio e tanto. A primeira ação da companhia foi modificar a relação com os produtores. A Josapar passou a investir cerca de R$ 70 milhões ao ano no fomento à produção desses parceiros, para garantir a qualidade dos grãos. Foram selecionadas quatro variedades de arroz, com características semelhantes de produtividade, tamanho do grão e padrão de cocção (tempo médio de cozimento), que muda de acordo com a variedade. Os produtores passaram a cultivar as sementes selecionadas, recebendo orientação técnica, acompanhamento de profissionais e acesso a financiamento para a compra de sementes e fertilizantes. Os valores são pagos na safra e os produtores têm garantia de compra pela Josapar. “Com isso fidelizamos os parceiros, garantimos abastecimento o ano todo e controlamos a qualidade do que comercializamos”, afirma Oliveira Júnior.

A Josapar apostou em lançamentos, como a linha de arroz semiprontos e as variedades mundiais

Um desses parceiros é o agricultor Alfredo de Souza Martini. Ele produz em dois mil hectares, na região de Uruguaiana, próximo à fronteira com a Argentina. São colhidos, em média, 400 mil sacas de 50 quilos ao ano, algo em torno de 20 mil toneladas. Segundo Martini, 95% de sua produção é fornecida à Josapar. “Sem exageros, foi o melhor negócio que fiz.”

Em média, o preço pago ao produtor que vende grãos nobres fica entre 5% e 10% acima do valor de mercado do grão convencional. Atualmente, há aproximadamente 300 produtores plantando as variedades selecionadas para o Tio João, na vizinhança de Martini. “É a região onde as variedades nobres melhor se desenvolvem”, afirma Oliveira Júnior.

Os resultados desses investimentos começaram a aparecer nos últimos seis meses, com o lançamento da linha Tio João 100% grãos nobres. Para ganhar ainda mais espaço no segmento premium, a Josapar ampliou a linha de produtos. Nas prateleiras das grandes redes varejistas, já é possível encontrar a linha saudável, com grãos integrais, orgânicos, vitaminados e compostos com soja e cereais. A marca Tio João também conta com uma linha de semiprontos com sabores diversos e as variedades mundiais, com arroz aromatizado, arroz selvagem e o arroz preto, que será lançado em breve. No Brasil, o arroz premium custa em média 20% a mais que o convencional. “Criamos esses produtos, para que eles atendam às necessidades do consumidor moderno, de forma rápida e prática”, diz Krause. De acordo com ele, os produtos da Josapar são exportados para 36 países, em todos os continentes.

A receita de nobreza

Do campo até as prateleiras dos supermercados, o arroz Tio João passa por um processo de seleção automatizado

1 – Ainda com casca, o arroz chega em carretas e é despejado em reservatórios no subsolo. De lá, os grãos seguem para os secadores e depois para os silos, onde ficam armazenados até a data de processamento.

2 – Na fábrica, o arroz passa pelo descascador automático, mas ainda preserva o farelo em torno do grão.

3 – A etapa seguinte é a seleção. Em um corredor, várias máquinas classificam os grãos por suas tonalidades de branco.

4 – Depois, os grãos passam por uma peneira. Os que estão quebrados são separados e destinados à fabricação de farinha.

5 – Já peneirado, o arroz vai direto para a lavagem.

6 – O processo seguinte é a passagem pela secadora. A partir disso, o arroz já está pronto para ser embalado.

7 – Finalmente, os pacotes saem pela esteira, prontos para ser embalados em pallets com capacidade para 30 sacos, que são vendidos em todo o País.

 

Alfredo Martini: vende 95% da produção à Josapar

Rogério Hallal: unidade de Itaqui recebe 300 mil toneladas de arroz por safra

Diante do volume de grãos nobres produzido, a Josapar precisou investir na estrutura de sua principal unidade, em Itaqui, a 100 quilômetros de Uruguaiana. Dali sai toda a produção do arroz Tio João 100% grãos nobres, enquanto na unidade de Pelotas são produzidas as demais linhas premium e também a marca Biju, mais popular. Ao todo, foram investidos R$ 88 milhões em armazenagem, secagem dos grãos e tecnologia de processamento no ano passado. Outros R$ 5 milhões foram destinados ao marketing dos produtos. “Construímos 28 silos e ampliamos a estrutura para secagem de arroz em oito vezes”, afirma Rogério Campos Hallal, diretor industrial da fábrica de Itaqui. Hoje, a processadora recebe, em média, 300 mil toneladas por safra. Em períodos de colheita, descarregam suas cargas ali, num único dia, 200 caminhões. Ali também são processados a farinha e o farelo de arroz. A primeira é usada na fabricação de produtos para consumo humano, e o segundo, na produção de ração animal. A casca do arroz, por seu turno, é usada para gerar calor nos secadores. “Em breve, forneceremos cerca de 60% da casca para a usina de energia que está se instalando ao lado”, diz Hallal.

Mas tchê, quem é o Tio João?

Toda família brasileira tem um tio ou irmão de nome João, não é? Pois foi exatamente isso o que pensou dona Necy Oliveira, irmã de Joaquim de Oliveira, o fundador do grupo Josapar. Depois de casada, ela deixou Porto Alegre e foi morar nos Estados Unidos, onde no final dos anos 1960, os armazéns e as pequenas vendas começavam a deixar de lado a venda do arroz a granel, para vendê-lo em pacotes fechados, de cinco quilos. A novidade, até então inimaginável no Brasil, chamou a atenção de Necy, que imediatamente a repassou ao irmão.

Entusiasmado com a ideia, Joaquim decidiu investir na produção de arroz em pacotes, mas precisava de uma marca para o produto. Novamente a irmã Necy foi quem deu a dica. Nos Estados Unidos, a marca de arroz Uncle Ben era famosa. Necy, então, pensou: “Se por aqui todo mundo tem um tio Ben, no Brasil, todo mundo tem um tio João, não é?” Bingo! Nascia ai, uma das mais famosas marcas brasileiras de arroz.

 

 

O legado de Joaquim Oliveira

Em quase 90 anos de história, o grupo Josapar se transformou em referência no setor agrícola e no mercado imobiliário

Faturamento em 2010:

R$ 785 milhões

Braço Agrícola: indústria de fertilizantes, sementes e processadora de arroz

UNIDADES industriais: Itaqui e Pelotas (RS), Campo Largo (PR) e Recife (PE)

UNIDADES de distribuição: Brasília (DF), Salvador (BA), Tatuí (SP), São Luís (MA), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ) e Belém (PA)

Arroz Tio João: 70% do faturamento

Grãos nobres: investimento de R$ 88 milhões em estrutura, R$ 70 milhões em financiamento de produtores e R$ 5 milhões em marketing

Braço Imobiliário: Real Empreendimentos, possui terrenos, prédios alugados, loteamentos e shopping em Santa Maria (RS)

Lançamento 2012:shopping de Pelotas com R$ 80 milhões investidos

 

Parcerias: cerca de 300 produtores plantam as variedades nobres do arroz Tio João no Rio Grande do Sul

A aposta da Josapar no mercado premium se consolida em um momento em que a safra de arroz bate recordes de produção e, em consequência, os preços do grão despencam. Estima-se que neste ano, o Brasil colha 13,4 milhões de toneladas, 1,9 milhão a mais do que o volume obtido em 2010. Além disso, outros produtores como a Argentina e o Uruguai, além da Ásia e regiões da África, também tiveram aumento na produção, o que contribuiu para a queda nos preços. “Só no Mercosul, temos superávit de 2,9 milhões de toneladas de arroz”, explica Elcio Bento, consultor da Safras & Mercado. Enquanto a saca de 50 quilos é vendida, em média, a R$ 21,55 no Uruguai, no Brasil, ela sai a R$ 19,03. A baixa dos preços deve resultar em uma queda no faturamento da Josapar neste ano, mas, segundo Krause, não será nada além do esperado. “O consumo de arroz no Brasil está estagnado há algum tempo, mas com o maior poder aquisitivo, as pessoas buscarão produtos selecionados”, diz Krause.

Se o beneficiamento de arroz atravessa um período de preços baixos, o braço imobiliário da Josapar, por outro lado, vai muito bem. O grupo investirá cerca de R$ 80 milhões na construção do primeiro shopping de Pelotas, que deve ser inaugurado em 2012. A Josapar já mantém um empreendimento similar em Santa Maria (RS) e está investindo em loteamentos fechados no Rio Grande do Sul. O grupo detém 54% da empresa Real Empreendimentos Imobiliários, em parceria com a LGR, e continua de olho no mercado. “Temos muitos terrenos próprios, adquiridos na época em que tínhamos a rede Real de supermercados, com ótimo potencial imobiliário”, diz Oliveira Júnior. “Estamos de olho em oportunidades também em outros segmentos. Mas ainda não temos nada concreto.”