01/09/2009 - 0:00
1- Helena Lopes: ela diz que toda a família tem orgulho de preservar um legado histórico
2- Clarissa Lopes: filha ajuda os pais na gestão da fazenda, que cria gado, ovinos e cavalos
3- Fabíola Lopes: filha do dono da propriedade é apaixonada pela criação de cavalos
4- Pedro Lopes: dono da fazenda diz que Jango já acreditava em sustentabilidade
É no município de Santo Antonio do Leverger, na região de Rondonópolis (MT), que está guardada uma página quase desconhecida da história do Brasil e do agronegócio em particular. Não se trata de imensas lavouras ou propriedades das quais surgiram pujantes impérios agrícolas do País.
Mas sim de um pedaço de chão de dez mil hectares, cuja cobertura de árvores excede, e muito, o que determina a legislação ambiental. Nas sombras dessa vegetação vagam dez cabeças de gado num regime de criação cuja preocupação maior é preservar o valor histórico daquelas terras. Essa é a fazenda Três Marias, estância cujo proprietário era ninguém menos que João Belchior Marques Goulart, o Jango, 24º presidente do Brasil, cuja trajetória política foi interrompida pelo golpe militar de 1964. Passados 45 anos do dia em que Jango foi deposto e 33 anos de sua morte, uma foto está pendurada na parede da sede que por tantas noites o abrigou. Nela, a dedicatória: “Ao amigo Mario Lopes, do amigo Jango.”
Observando o retrato amarelado e com as lembranças na ponta da língua, Pedro Monteiro Lopes, filho do dono da dedicatória, um antigo correligionário do ex-presidente, se lembra dos tempos em que frequentava a Três Marias. “Ele ainda não havia chegado à Presidência e eu quis comprar essas terras, mas com aquele jeito gentil me disse que eu não tinha dinheiro para comprar. E que se eu tivesse, ele venderia”. Foi só depois da morte do ex-presidente que Pedro Lopes se tornou proprietário das terras que sonhava. A transação aconteceu por meio da herdeira de Jango, Denize.
Um quadro com dedicatória: Jango deixou uma lembrança aos amigos da Fazenda Três Marias, que guarda um pedaço da história rural do Brasil
A trajetória da fazenda perdida de Jango é misto de história e visão de futuro. Lá foi negociada boa parte do tratado de Itaipu entre Brasil e Paraguai. O próprio presidente paraguaio à época, Alfredo Stroessner, ficou hospedado na fazenda de Jango em 1964 – ano do golpe de Estado.
Mesmo décadas depois, embora o retrato esteja cada vez mais desbotado, a propriedade reserva parte dos ideais que outrora preservava. “A fazenda está exatamente do jeito que a comprei”, revela Lopes.
Segundo ele, a Três Marias havia se tornado um refúgio pessoal do mandatário, onde só recebia amigos e políticos importantes quando a paz se fazia necessária. “A casa é simples e representa bem a personalidade dele, sem ostentação”, diz. O que mais impressiona é a visão do ex-presidente, que, muito antes de o assunto entrar em pauta, já falava em conceitos próximos ao que se entende hoje por sustenta bilidade. “Eu me lembro que a maioria dos fazendeiros derrubava o máximo de árvores, mas o Jango dizia que não, que a beleza do local era aquela e que o gado podia conviver com a natureza”, diz.
Na fazenda, foi negociada boa parte do tratado que deu origem à usina de itaipu binacional
As alterações na propriedade foram poucas. Piquetes foram instalados para o pastejo rotacionado. Contudo, a taxa de lotação que poderia ser maior, sucumbiu à realidade da selva hostil. “Preferimos deixar assim, ainda que percamos parte do potencial das terras, mas estamos de bem com o meio ambiente e de acordo com a filosofia que o presidente João Goulart pensou para essas terras”, explica Clarissa Lopes, filha de Pedro. No Rio Grande do Sul, a família mantém outras 12 mil cabeças de gado em rebanho comercial, além de criar carneiros da raça crioula, hedford, bradford e cavalo percheron, todos para genética. Toda a família faz parte dos negócios. A esposa, Helena, e a as filhas Fabíola e Clarissa estão ligadas ao meio rural. “Somos pessoas do campo”, comenta Helena. Em Mato Grosso, é Clarissa quem observa os negócios mais de perto. Tudo acompanhado pelo pai, Pedro, que se orgulha de cuidar desse passado. “Esse é um lado pouco conhecido de Jango que gostaria que todos soubessem, um homem de hábitos muito singelos que tinha uma visão à frente de seu tempo”, diz.