04/08/2017 - 10:00
Depois de uma carreira de 15 anos na TAM, a maior empresa brasileira de aviação, hoje LATAM, a engenheira química Edmara Marques Rodrigues da Silva, paulista de 43 anos, com doutorado em engenharia de materiais, literalmente mudou de ares. Há 11 meses, ela deixou para trás turbinas, decolagens e trens de pouso para aterrissar em Jaboticabal, município do interior paulista, que é um mar de cana-de-açúcar. Sua missão? Reestruturar a área de suprimentos da usina de bioenergia Santa Adélia, que pertence à família Bellodi desde a década de 1940. São três unidades: a matriz, mais as dos municípios de Sud Mennucci e Pereira Barreto, também no interior de São Paulo. Na safra passada, a usina faturou R$ 860,3 milhões. “Consegui resultados expressivos para a minha carreira na TAM, mas vi que estava na hora de buscar outras oportunidades”, diz Silva. “Quando aceitei o convite, estava avaliando também outras propostas, mas a Santa Adélia me ganhou.”
A executiva representa um novo modelo de profissional que está ganhando cada vez mais importância no agronegócio: o gerente altamente qualificado. Está ficando para trás, definitivamente, o profissional identificado como o passador de recados do dono do negócio, ou aquele sujeito que era apenas a mão de obra bruta na lida no campo. Segundo Leonardo Sá, CEO da brasileira Prodap, de Belo Horizonte (MG), empresa que atua em consultoria, software de gestão e nutrição animal, antes, a imagem do bom gerente era o profissional que andava a cavalo, acompanhando a boiada. “Hoje, ele precisa analisar informações, entender sobre processos, mercado, finanças e relacionamento”, afirma Sá. Para Marcelo Botelho, gerente de agronegócios da Michael Page, empresa inglesa especializada em recrutamento de executivos de alta e média gerência, a solidez nas passagens por empresas, o tamanho das propriedades, a quantidade de pessoas sob a sua gestão, a capacidade de fazer sucessores e a experiência em introduzir novas tecnologias e processos são alguns requisitos almejados nesse novo gerente, um profissional bastante disputado e com demanda crescente. “O agronegócio tem se sofisticado e a briga pela maior produtividade também foi junto, para que, no final das contas, uma fazenda tenha retorno financeiro”, diz Botelho. Segundo o executivo, que considera o setor um meio interessante para se fazer carreira, o gestor moderno é, antes de tudo, um profissional que agrega conhecimento técnico e gestão de pessoas. Mas há poucos profissionais no mercado, preparados para uma carreira que demanda por uma visão sistêmica do agronegócio.
Não por acaso, as empresas estão buscando por gestores em outros segmentos para atuar nas fazendas. É o caso da engenheira Silva, que na TAM iniciou a carreira como trainee e era uma peça importante na engrenagem do companhia aérea. Ela conta que, entre os seus projetos, conseguiu reduzir o consumo de combustível das aeronaves em 2,5% e implantou um sistema de navegação de voo em oito meses, tempo considerado bem curto no setor. “Fiquei sete anos na gerência de planejamento e seis anos na gerência de suprimentos. Aprendi muito”, afirma ela. Na época, Silva chegou a ter uma equipe de 150 funcionários. Hoje na usina Santa Adélia ela comanda 60 pessoas, para atender as áreas agrícola, de manutenção dos equipamentos e a industrial. “Não gosto de rotina e de coisas simples. Se há problemas, pode me chamar”, garante ela. A usina produtora de açúcar, etanol e energia elétrica, que empregou uma mulher no cargo de gerente pela primeira vez, já começa a contabilizar os resultados. Silva conseguiu implementar uma nova metodologia de controle de estoques que reduziu os custos da usina em R$ 2,2 milhões no ano. Não por acaso, ela já tem planos para o futuro. Talvez faça um MBA em agronegócio, de olho em uma diretoria. “O trabalho na usina está oxigenando a minha carreira, vou ficando por aqui enquanto tiver desafios”, diz Silva. “Para quem quer crescer na carreira, o agronegócio é um ramo fértil, com muitas oportunidades.”
Foi o crescimento acelerado do agronegócio, e a recente sofisticação de sua gestão, que levou à corrida por profissionais que lidam diretamente com as equipes de campo. E de acordo com Sá, esse movimento tem levado a uma remuneração também mais polpuda. “Nas grandes fazendas, o salário de um gerente é comparado ao de grandes empresas urbanas”, diz Sá. “Além disso, há um pacote de benefícios e remuneração variável.” A faixa de renda para esse grupo de elite na gerência pode variar de R$ 12 mil até R$ 20 mil, dependendo do porte da propriedade e das atribuições. São profissionais cada vez mais demandados para projetos agrícolas e pecuários em Estados como Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, principalmente.
Mas, para Sá, a formação profissional de um gerente não é uma tarefa fácil. Isso porque os ensinamentos sobre teorias gerenciais estão fatiadas no mercado, sem que haja um lugar que ofereça uma especialização completa. Nas universidades, por exemplo, está apenas a parte técnica a engenheiros agrônomos, veterinários e zootecnistas, para ficar nas profissões correlatas
ao setor. Já as empresas de consultoria, têm como foco cursos de gestão, finanças e liderança.
O médico veterinário João Paulo Martinelli Massoneto, 35 anos, gerente geral da Agropecuária Água Preta, em Cocalinho (MT), no vale do rio Araguaia, diz que participa de até três congressos ou simpósios, por ano. Isso, mesmo depois de se especializar em nutrição de ruminantes na Esalq/USP, em Piracicaba (SP), após concluir o curso na Unesp de Jaboticabal (SP), em 2004. Para ele, é uma forma de aprendizado e de troca de experiência com profissionais de outras fazendas. “O olho do gerente tem de ser maior que o do dono”, afirma Massonetto. “Porque, às vezes, o dono deixa escapar muita coisa.” A fazenda de 38,3 mil hectares possui uma equipe de 78 funcionários e um rebanho de 28,2 mil bovinos, entre nelore comercial e de cruzamento industrial. A fazenda cria meio-sangue nelore com a raça espanhola rubia galega, para atender ao programa de carne especial do grupo Pão de Açúcar. Para agregar conhecimento, a ideia também é tornar a fazenda uma unidade de extensão em pesquisa.
Para isso, a propriedade mantém programas de estágio com algumas universidades, entre elas a Federal de Lavras (MG), mais a USP de Pirassununga e a Unesp de Jaboticabal, ambas no interior de São Paulo. “Isso traz conhecimento e novas tecnologias para toda a equipe de campo”, diz Massoneto. “E é importante para a carreira de um gestor se envolver nesses processos.”
De acordo com Botelho, da Michael Page, o gerente que deseja deixar um legado e formar uma equipe em bases sólidas deve buscar por uma formação robusta. “Cursos de gestão estratégica e MBA, por exemplo, ajudam a entender o agronegócio e o seu entorno”, diz ele. Isso porque o papel de gerente, muitas vezes, tem sido mais elástico do que as atribuições que o cargo comporta. É o caso do engenheiro civil carioca Milton Dino Frank Júnior, 57 anos. Desde o início de 2016, ele é gerente de um projeto de silvicultura nas fazendas Primavera, São José e Santa Rosa, em Peixe (TO), que pertence aos investidores Valdomiro Montes Júnior e Carlos Eduardo Mattos Barroso, donos de cartórios no interior do País. São cinco mil hectares de eucalipto, mogno africano, acácia e florestas nativas, tocado por uma equipe de 25 pessoas. Frank Júnior só não coloca dinheiro no negócio, as demais decisões, inclusive como utilizar os recursos, ficam a seu critério. “A proposta desse meu novo serviço foi irrecusável, cheguei ao topo. Sou gerente, mas tenho o status de diretor”, diz ele. Suas funções para administrar o projeto extrapolam o cargo por ele ser um profissional experiente. Frank Júnior já morou nos Estados Unidos e na França, e por oito anos foi gerente de suprimentos e de comércio exterior na Segmenta, empresa do Grupo Eurofarma, e na Equiplex, empresa farmacêutica familiar, de Aparecida de Goiânia (GO). Esse foi o único período fora do agronegócio. “Sempre tive como foco a carreira de gerente”, diz ele. Para Frank Júnior, esse sempre foi o cargo ideal.