Omonomotor sobrevoa uma fazenda na região de Dourados, em Mato Grosso do Sul. A vista aérea denuncia a cena bucólica, que remonta a pelo menos duas décadas: fartura de pastos e nenhuma edificação para confinamento. Naquela fazenda boi come capim. E também os javalis e os ovinos comem capim. Frangos e leitões obviamente não pastam, mas como os outros animais são alimentados de forma natural, com ração. O dono da fazenda tem orgulho que seus animais comam o capim e, por isso, até poderia ter abatido as dezenas de cerejeiras existentes ali para que a área de pasto aumentasse. Mas não. O belíssimo bosque de quase três hectares está no mesmo lugar, intocado, transformando aquela região em algo incomum.

O Centurion II, da Cessna, pousa suavemente na pista de terra batida e pára na cabeceira da Fazenda Rubayat. Do avião desce um setentão de cabelos grisalhos e moreno do sol de uma temporada nas praias de Ibiza e Palma de Maiorca, na Espanha. Veste bermuda colorida, camisa folgada e mocassin sem meias. É Belarmino Iglesias, espanhol da Galícia cujo nome se confunde com o de seus restaurantes, o Rubayat, que vende carne de qualidade no Brasil, produzidas à moda antiga, ou seja, só capim. Simples assim, capim puro. E tanto a escolha deu certo que, hoje, quase 50 anos depois do primeiro restaurante, Iglesias tem nove casas, das quais cinco no Brasil, uma na Argentina e três na Espanha. Como outros empresários rurais que seguem essa tendência, Iglesias é um fazendeiro verde. Defende a sustentabilidade e faz seu negócio se desenvolver a partir de práticas naturais de criação.

A Fazenda Rubayat tem mais de 1.500 hectares de plantações de miho, soja e sorgo, que serão utilizados na alimentação dos ovinos, suínos, frangos e javalis

Não é pouca coisa. Seria mais fácil turbinar artificialmente a engorda do frango e do gado à base de hormônios, como a maioria dos produtores. Ainda mais para quem tem uma grande demanda, como nos seus restaurantes. O que vai à mesa dos clientes dos restaurantes Rubayat sai, invariavelmente, da fazenda de Iglesias. Todos os meses são abatidos cerca de 150 leitões, 30 ovinos, 60 javalis e 200 cabeças de gado, além de cinco mil frangos a cada 50 dias. E todos são criados com alimentação natural. “Quero oferecer a melhor carne, criada da maneira mais saudável possível, como se fazia antigamente. Por isso temos hoje plantações de milho, soja e sorgo distribuídas em uma área de 1.500 hectares justamente para alimentar nossos animais. E ainda temos plantações de vários tipos de frutas para os nossos suínos, principalmente”, diz o empresário. “E se não bastasse, ainda engordamos aqui a nossa especialidade: o frango saltador”, brinca Iglesias, referindo-se a seu frango caipira. Na verdade, trata-se da raça la belle rouge, desenvolvida por franceses e alimentada de forma incomum, como conta o empresário. “Penduramos um pé de couve, que é bom porque tem betacaroteno, para que eles sejam forçados a pular.” O resultado é notado na consistência da carne, mais tenra.

R$ 200 mil é o custo mensal da Fazenda Rubayat

Talvez o melhor exemplo de que Iglesias está no caminho certo é a população selvagem do entorno da fazenda. É comum encontrar na região uma diversidade de animais de fazer inveja ao zoológico, como onças, capivaras, cervos, lobos, araras, cotias, antas, em meio a rios não poluídos, como o Dourados e o Brilhante, e vários córregos. O cenário possivelmente já indica o sucesso da empreitada verde do fazendeiro e reflete na sua obstinação de oferecer o melhor da carne ao consumidor. Mas a obstinação tem nome e está ali mesmo, na fazenda. Chama-se kobe beef tropical, carne do bovino da raça wagyu, originária do Japão e cruzada aqui com o nelore. É a menina-dos-olhos de Iglesias. “É a melhor carne que temos, mais macia e saborosa”, diz, sem se conter na empolgação. “Faz com que o Rubayat seja conhecido no Brasil e até na Espanha por um tipo de carne incomparável.”

Cerca de 5 mil frangos são abatidos a cada 50 dias para consumo nos restaurantes

Belarmino Iglesias não fala em números de faturamento de suas casas, que hoje têm a gestão de seu filho mais velho, Belarmino Iglesias Filho, também responsável pelo processo de internacionalização do negócio. Mas certamente não é pouco e, por outro lado, sua margem de lucro é grande considerando o fato de os Iglesias serem donos de todo o processo: do nascimento da rês ao restaurante, passando pelo processo de engorda. Além disso, só a fazenda tem um custo mensal médio de R$ 150 mil a R$ 200 mil, considerados funcionários, gastos com infra- estrutura e todo o processo de criação e manutenção dos plantéis. A única parte fora do alcance da empresa é o matadouro, cujo serviço é terceirizado para grandes companhias como Friboi, Marfrig e Independência.

Os javalis, por serem mais selvagens e ariscos do que os outros animais, são criados como se estivessem no mato

A história do empresário Leontino Balbo é similar à de Iglesias nas escolhas que fez, o que também o credencia como fazendeiro verde. Na década de 1980, o modelo de desenvolvimento mundial ainda era pautado pelo petróleo e cheio de fumaça. O Brasil era completamente dependente do combustível fóssil importado e o Pró-Álcool, programa implantado na década anterior, dava mostras de que muitos motoristas ficariam a pé. Naquele tempo, era difícil imaginar que menos de 20 anos depois a discussão do mundo seria outra: alimentação saudável, combustíveis verdes e até plástico biodegradável. Prevendo esse cenário, Balbo entendeu que havia um importante nicho de mercado pela frente e decidiu investir na produção do primeiro açúcar brasileiro totalmente orgânico. Hoje o Grupo Balbo fatura R$ 300 milhões e quer mais.

Do total, cerca de 20% da receita provém de um açúcar orgânico que começou a ser fabricado justamente na esfumaçada e poluída década de 1980. E agora, quando o mundo pensa em produtos “verdes”, eles lançaram justamente o álcool orgânico. “Esse álcool é destinado para fins alimentícios e cosméticos, não para combustíveis”, comenta Leontino Balbo Jr., presidente do grupo. A idéia nasceu depois de uma pesquisa de mercado e foram necessários R$ 15 milhões para adaptar a usina, que começou a sofrer reformas em 2005. A matéria-prima vem dos mesmos 14 mil hectares que abastecem a fabricação do açúcar. “A demanda mundial do álcool orgânico é grande, já que as fabricantes de perfumes e cosméticos são alvos constantes de denúncias sobre o uso de substâncias tóxicas e prejudiciais à saúde”, resume o empresário Leontino Balbo.

A saga verde do Grupo Balbo ainda pretende ir além. Afora um projeto de R$ 150 milhões que compreende uma nova usina de açúcar e álcool, a empresa mantém uma parceria com a Usina da Pedra Serrana e pretende lançar um polímero biodegradável feito de açúcar. A idéia, que parece inovadora, já foi contemplada pela petroquímica Braskem, nascida da fusão de empresas do grupo Odebrecht com outros grupos de setor petroquímico. Em maio deste ano a empresa, que também foca no mercado verde, apresentou o chamado plástico verde, totalmente biodegradável. “Ele deve chegar ao mercado em 2009”, afirma o presidente da Braskem, José Carlos Grübisich.

Leontino Balbo Jr., da Native, investe no mercado de álcool e açúcar orgânico

Talvez não esteja longe o dia em que produtos orgânicos serão envasados em plásticos da mesma forma ecologicamente corretos. Mas, enquanto isso não acontece, os consumidores procuram colocar à mesa produtos mais saudáveis e que não agridam o meio ambiente. E quem leva a sério essa atividade pode fazer bons negócios, conforme explica o presidente da Korin, Reginaldo Morikawa. A empresa possui uma linha de 65 produtos e vai faturar R$ 30 milhões este ano. O carro-chefe é o frango livre de antibióticos promotores de crescimento. “Nosso frango não é orgânico porque a soja e o milho usados na fabricação da ração são convencionais”, diz Morikawa, que afirma não haver disponível no mercado as 500 toneladas de farelo de soja e 600 de milho orgânicos para alimentar sua criação. “Abatemos seis mil aves por dia.” Apesar da trabalheira, os negócios vão bem. Novas unidades estão previstas e, diante de um mercado cada vez mais exigente, eles acreditam que a tendência é crescer. Por mês, são exportadas 400 toneladas de frango, o equivalente a dois contêineres. “Nos Estados Unidos e na Europa, o frango livre de antibióticos é um produto muito valorizado e vamos investir nisso”, diz.

R$ 40 MILHÕES foi o faturamento em 2006 da Ipanema Coffees

Ícone do universo cafeeiro brasileiro com uma produção anual de 140 mil sacas de café e um faturamento de R$ 40 milhões em 2006, a Ipanema Coffees é um modelo a ser seguido. Ao contrário da maioria das propriedades ligadas à cafeicultura no Brasil, a fazenda tem uma gestão altamente profissionalizada. Na verdade, é uma empresa que tem como acionistas nomes como Gustavo Fernandes, da Trilux, controladora da construtora Gafisa, Armínio Fraga e o Grupo Astro-Lambari. Mas o exemplo da Ipanema não se restringe apenas à gestão empresarial. Em solo brasileiro, ela foi pioneira na implantação de processos de boas práticas agrícolas. Em 2002, conquistou o protocolo Eurep Gap, que recentemente passou a se chamar Globalgap. No mesmo ano, foi certificada pela UTZ Kapeh, que compreende tanto o aspecto social quanto ambiental. Atualmente, além dessas duas, a Ipanema faz parte do programa Rainforest Alliance, selo cujo sistema envolve a adaptação da fazenda a padrões estabelecidos pela Rede de Agricultura Sustentável (Sustainable Agriculture Network – SAN). Também tem a certificação do programa de clientes preferenciais da Starbucks, conhecida como C.A.F.E Practices. “Há pouco tempo, a Iracema, fazenda arrendada recentemente pela Ipanema, foi certificada como produtora de orgânicos pelo IBD (Instituto Biodinâmico)”, diz Edgard Bressani, diretor de comércio internacional, marketing e relações institucionais.

No caso da parceria com a americana Starbucks, para cada saca vendida, tanta a Ipanema como a rede americana revertem uma porcentagem para programas sociais, desenvolvidos pelo Instituto Ipanema. A Starbucks apóia cinco projetos, entre eles o Ciranda da Leitura. Trata-se de uma biblioteca itinerante, que roda as escolas municipais de Alfenas, cidade onde fica a fazenda-sede do grupo. Nestas visitas, os estudantes ouvem histórias e têm contato com atividades lúdicas, como peças teatrais. Para enriquecer o repertório de livros, as lojas da Starbucks no Brasil estão coletando doações, que depois serão revertidas ao Ciranda da Leitura. Outro apoio de peso é da espanhola Cia Mercantil de Café (CMC). A companhia é parceira da Ipanema na recuperação de dependentes químicos. O projeto é desenvolvido na fazenda Senhor Jesus e assiste 60 jovens e adultos por mês. E os trabalhos do Instituto Ipanema não param por aí. Há ainda ações como Cozinha Comunitária, Farmácia Comunitária, Brinquedotecas, etc. Agora, a pergunta que todos querem saber: até que ponto o selo de empresa sustentável ajuda na abertura de mercado? “Depende do cliente. O Japão só compra com certificado. Alguns clientes na Europa e nos EUA também, mas tem pessoas que não ligam”, explica Bressani. Segundo ele, no caso da Ipanema, os selos são conseqüência do tipo de gestão.

Washington Rodrigues, da Ipanema, tem toda a sua produção de café com selos ambientais

O que mais chama a atenção nos modelos criados por Korin, Ipanema, Rubayat e Balbo é que, cada uma, a seu modo, descobriu o caminho para que os negócios sigam o rumo do sucesso empresarial. As quatro dão lucro, são sustentáveis e também adotam práticas naturais na criação de gado, no manejo da agricultura e no processo de industrialização de matéria-prima para feitura de alimentos orgânicos. E assim criaram um diferencial com base na simplicidade e na excelência – tendência que agora aumenta cada vez mais com o nível de exigência do consumidor de alta renda. E, dentro de alguns anos, certamente também será realidade para o público de baixa renda.