No coração de bairros nobres e badalados da capital paulista não são apenas bares, restaurantes e casas noturnas que fazem sucesso. Nesses locais, a carne premium tem ganhado cada vez mais espaços de comércio, com decoração caprichada, conforto e uma enorme oferta de cortes bovinos. Pode-se comprar da tradicional picanha ao nobre t-bone steak, composto por uma parte do contra filé e outra do filé mignon, ou até mesmo a simplória paleta – “carne de segunda”, no popular – que ganha um nome para lá de pomposo, shoulder steak, quando proveniente de gado jovem. As mais recentes apostas nesse mercado são os açougues paulistas Feed, do agrônomo e pecuarista Pedro Merola, no bairro do Itaim Bibi; e o The Butcher, dos sócios Caio Bortman, Dennis Perlman e Leon Isfahani, em Pinheiros. “Nosso negócio é o estado da arte, em termos de carne”, afirma Merola. “Quero fazer com que os consumidores que entram no Feed tenham a experiência do melhor sabor e prazer em comer uma boa carne.”

Há vários outros locais na capital paulista, todos inspirados nos pioneiros Wessel, da década de 1950, e Bassi, de 1970, que por décadas reinaram sozinhos no universo da carne premium. Os açougues de luxo, que chamam a atenção pela embalagem sofisticada, são a ponta do iceberg de um negócio que vem mudando drasticamente para servir um consumidor ávido por um novo padrão de qualidade para todos os elos da cadeia bovina. Para o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Carnes Frescas do Estado de São Paulo, Manuel Henrique Faria Ramos, há uma tendência no comércio de carne que se intensificou nos últimos anos. “Não somente em áreas nobres, mas também em bairros da periferia, os açougues têm procurado oferecer o melhor corte para ganhar clientela em ambientes amplos e limpos”, diz Ramos.

“O consumidor já sabe o que quer e está exigindo qualidade na hora da compra.” As carnes pré-preparadas, já cortadas e temperadas, por exemplo, têm demanda garantida nesse novo modelo.Açougues que remetem aos velhos estabelecimentos, com balcões gastos pelo tempo, muitas vezes sujos, sem apelo visual, com poucas opções de cortes e preparos, estão ficando para trás, como peça de museu no comércio varejista de carne fresca. “Na última década, saímos de um consumo anual de carne de 18 quilos por pessoa, para 40 quilos”, afirma Ramos. “Com esse crescimento, o grau de exigência passou a ser um processo natural.” Atualmente, há cerca de 65 mil açougues no País. Segundo Ramos, não há dados de quantos foram modernizados nos últimos anos, mas é certo que estão em grandes cidades e é nelas que surgem as oportunidades de negócio. Dos 5,5 mil municípios brasileiros, 86 possuem mais de 300 mil habitantes. Neles, residem 77 milhões de consumidores, 37% da população, de acordo com o IBGE. 


“A pecuária brasileira ainda está no meio do caminho de um boi ideal” Fabiano Tito Rosa, Minerva Foods

O médico veterinário Fábio Schuler Medeiros, gerente do Programa Carne Angus Certificada, da Associação Brasileira de Angus, afirma que a tendência de melhoria dos açougues no Rio Grande do Sul tem seguido essa lógica: é da capital Porto Alegre que parte o movimento de modernização. “Eles vêm absorvendo todo o nosso conceito de produção, que não se trata somente ter na base a raça angus, mas de um conjunto de ações que leva à melhoria da carne ao consumidor”, diz Medeiros. “As casas especializadas e os programas de qualidade servem de farol.” Um exemplo de sucesso em Porto Alegre é a Zanini Carnes, do açougueiro Luís Eduardo Rossi Zanini.


“Saímos de um consumo anual de carne de 18 quilos, por pessoa, para 40 quilos” Manuel Ramos,Sindicato do Comécio Varejista de Carnes Frescas

O negócio, que existe há 47 anos, se transformou em um ponto de referência de bons produtos no bairro de Ipanema, na zona sul da capital. “Hoje, há uma abundância de carnes à disposição do consumidor e,  por isso ele pode exigir maciez, sabor e corte diferenciado”, diz Zanini. A casa, que vende 12 mil toneladas de carne por mês, há três décadas elabora cortes para atrair os clientes. “O que tiver de diferente por aí quero fazer também no meu açougue, porque sempre é tempo de aprender.”

DENTRO DA PORTEIRA  Essa nova realidade traz consequências para a cadeia da carne bovina, que se estendem até o pecuarista. Produtos de melhor qualidade, geralmente vêm de animais mais jovens e que rendem mais carne no abate. Para o zootecnista Fabiano Tito Rosa, coordenador de compra de gado da Minerva Foods, a terceira maior processadora de carne do País, com sede em Barretos (SP), o pecuarista tem feito sua parte para baixar a idade de abate e entregar no frigorífico um boi de melhor qualidade. “Mas, a pecuária brasileira ainda está no meio do caminho de um boi ideal, que seria um padrão homogêneo de gado abatido até 36 meses, pesando entre 16 e 23 arrobas”, diz Tito Rosa. “Hoje, a idade média de abate dos animais ainda é de cerca de quatro anos, apesar de haver pecuaristas que entregam animais para abate com dois anos de idade, ou menos.” 


Hora de mudar: a tendência é que todos os açougues passem a ser estabelecimentos amplos e que ofereçam os cortes de carne na medida para atender os novos consumidores

No caso de Merola, essa é a regra: para abastecer o seu açougue, ele retém os melhores animais de seu confinamento em Santa Helena de Goiás (GO). A fazenda Santa Fé engorda 60 mil bovinos por safra. No ano passado, a propriedade ficou em segundo lugar na categoria Confinamento de Produtor no prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL 2015. Além dos animais próprios, Merola também vem fazendo parcerias. Hoje, o Feed vende gado de seis pecuaristas e nos primeiros meses de funcionamento já registrava vendas de cerca de 15 toneladas mensais. Do total de carne vendida no açougue, 40% vêm da Santa Fé. “O negócio está dando certo porque, como produtor de carne, eu sempre trouxe da fazenda o que há de melhor na produção”, diz Merola.


Do campo à cidade: somente os melhores bois do confinamento de 60 mil animais da fazenda Santa Helena, no interior de Goiás, garantem os cortes premium que abastecem os refrigeradores do açougue Feed, no Itaim Bibi, em São Paulo

 De acordo com o consultor Pedro Eduardo de Felício, ex-professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade de Campinas (FEA/Unicamp), para atender as expectativas de um consumidor mais exigente é preciso que os sistemas de intensificação na criação de gado ganhem escala, entre eles o confinamento e o semiconfinamento. “Intensificar a criação permite que o animal melhore a deposição de gordura entremeada na carne, trazendo maciez aos cortes”, diz Felício. Segundo dados da Associação Nacional de Confinadores (Assocon), em 2015 foram engordados no sistema cerca de quatro milhões de bovinos, equivalente a 3% do total de 158 milhões de animais. Em relação ao semiconfinamento, de acordo com a Scot Consultoria, a suplementação no pasto não chega a 2% do rebanho, o que equivaleria a 2,9 milhões de animais, por safra. Portanto, em termos de oferta de carne, as duas categorias de engorda renderiam cerca de 2,1 milhões de toneladas anuais, levando em consideração um animal de 270 quilos de carcaça após o abate. O volume ainda é pequeno, se levado em conta o consumo interno de carne de 7,2 milhões de toneladas em 2015 e que só tende a crescer nos próximos anos.


“Intensificara criação permite que o animal melhore a deposição de gordura entremeada na carne”Pedro de Felício,consultor e ex-professor da Unicamp