28/08/2020 - 12:51
A solidariedade e a chance de aprender com a história do outro têm feito parte da vida de quem se dispôs a fazer trabalhos voluntários durante a pandemia do novo coronavírus. Enquanto alguns se organizam sozinhos para iniciar projetos de doação, outros fortaleceram a conexão que já tinham com a atividade e passaram a contribuir ainda mais. Pode até ser estranho dizer, mas é justamente em meio ao caos que mais vemos florescer a esperança, que faz parte do Dia Nacional do Voluntariado, celebrado nesta sexta-feira, 28.
A crise de saúde global que fez milhões de brasileiros perderem total ou parcialmente a renda e às vezes não terem dinheiro para comprar comida incomodou o casal Francisco e Ananely Cattosso, que moram na zona leste da capital paulista. Em 2 de abril, eles publicaram um vídeo no Instagram convidando pessoas a colaborarem com doações para montar cestas básicas que seriam entregues a algumas famílias necessitadas. “Nós nunca participamos de nenhum trabalho voluntário. Tínhamos essa vontade, mas não sabíamos por onde começar. Até que aconteceu essa situação da pandemia”, relata o técnico de enfermagem, de 36 anos.
O despertar para a ação foi saber que, após o fechamento da escola estadual onde a mãe dele é coordenadora, por causa da pandemia, muitas crianças ficaram sem a merenda e, portanto, com menos comida. Ele conta que as famílias entravam em contato com a instituição de ensino para saber se havia sobrado algum alimento. Sensibilizados, ele e a esposa resolveram fazer algo para ajudar. “Nossa ideia era conseguir 50 cestas e no final foram cerca de 250.” A entrega foi feita no dia 10 de abril no estacionamento da escola.
A ação que teve início na pandemia representa os muitos interessados em contribuir nesse momento de desordem social. Um indício de que o engajamento solidário é maior em momentos difíceis é o levantamento feito pela plataforma de voluntariado Atados. Entre 16 março e 30 de junho, o site registrou aumento de 113% nos acessos e 12% nas inscrições para trabalho voluntário em comparação ao mesmo período de 2019.
“Isso é muito um reflexo da crise de saúde pública, que gerou movimentos em muitos cantos e as pessoas foram sentindo essa necessidade de contribuir de alguma forma. Isso te tira um pouco da zona de conforto e traz sentimento de compromisso social, de identificar que estamos todos conectados e que cada um está sofrendo de alguma forma os efeitos dessa pandemia”, avalia Beatriz Carvalho, coordenadora de relacionamento com ONGs e voluntários da Atados.
Picos de engajamento como esse também foram vistos em duas ocasiões específicas do ano passado: quando o rompimento de uma barragem em Brumadinho (MG) deixou 259 mortos e 11 desaparecidos e diante das manchas de óleo que se espalharam por praias do Nordeste. “A gente fez uma ativação local, que trouxe sentimento da crise, da catástrofe, sentimento de que precisava fazer alguma coisa. A gente criou campanha pensando em como poderia apoiar com a rede de voluntários”, explica Beatriz. Embora houvesse um chamado para essas ações, a disponibilidade das pessoas em colaborar foi significativamente positivo.
Neste ano, uma das pessoas que atenderam ao chamado para colaborar com trabalhos voluntários durante a pandemia foi a estudante Yasmin Wicher Damasceno, de 23 anos, que mora em Catanduva, interior paulista. “Comecei na Atados entre março e abril em vários projetos. Atuei no Faladores, em que a gente tinha de mapear ONGs interessadas em se cadastrar na plataforma, falar com elas, entender do que precisavam. Também me inscrevi em um para enviar cartas para idosos em asilos e para profissionais que continuam trabalhando durante a pandemia, e outro em que se um vizinho seu do grupo de risco precisasse de ajuda para ir em algum lugar, você vai”, conta a jovem.
Além do envolvimento com a plataforma, ela segue com ações que já vinha fazendo há alguns anos, como recolher cartelas de medicamentos vazias e tampinhas de plástico. Ambas são monetizadas e o dinheiro é usado para fabricar cadeiras de rodas e pagar ração, vacinas e cuidados com animais resgatados em um pet shop.
O levantamento da Atados mostra que, no período analisado de 2019, 27% dos voluntários eram homens enquanto, neste ano, eles representam 45%. O incremento também foi visto na faixa etária de 18 a 24 anos: passou de 14% para 35% dos inscritos. “Eu acho que os dois aumentos são causados pelo mesmo efeito, dessa onda de solidariedade, incômodo que pessoas sentiram e se viram nesse compromisso de agir. E acho que o fato de as pessoas estarem mais em casa contribui também, principalmente o jovem, que perdeu o convívio social”, avalia Beatriz.