20/06/2020 - 7:08
Para os especialistas ouvidos pelo Estadão, não só o Brasil começou o relaxamento das medidas de isolamento social no momento errado, quando a curva ainda está na ascendente, como não tomou as medidas necessárias para evitar novos surtos. “Praticamos um distanciamento brando que diminuiu a velocidade da pandemia, mas não foi suficiente para derrubar o número de casos. E agora reabrimos, o que vai elevar o número de casos e óbitos. Não fizemos a primeira onda passar e já vamos entrar na segunda”, comenta o biólogo Paulo Inácio Prado, do Instituto de Biociências da USP e membro do Observatório Covid-19 BR.
“O debate público foi tomado por uma polarização que fez o distanciamento parecer um fim em si. Ele é só um meio para passarmos com segurança à fase em que a vigilância desse conta. A analogia seria primeiro combater um grande incêndio para depois passar à fase de controlar pequenos focos”, afirma. A fase de abertura, dizem os pesquisadores, depende fortemente de um sistema de vigilância com busca ativa de casos suspeitos, isolamento dessas pessoas, testagem e rastreamento de seus contatos.
Marcia Castro, do Departamento de Saúde Global e População da Universidade Harvard, e a epidemiologista Maria Amélia Veras, que também compõem o observatório, defendem que o Brasil tem os instrumentos para fazer isso com toda a rede de atenção básica do País formada pelos agentes comunitários da saúde da família, mas não lançou mão desse recurso. “A maneira como o governo brasileiro incorporou a rede de serviços que já existia foi muito precária. Os agentes comunitários de saúde podiam estar atuando como o que está sendo chamado aqui em Boston (onde fica a Escola de Saúde de Harvard, nos EUA) de ‘detetives covid’. Essas pessoas foram contratadas para rastrear os contatos de infectados com o coronavírus”, afirma Marcia.
“Mas no Brasil já temos esses agentes. Eles moram nas comunidades, conhecem as pessoas, têm a confiança delas. Só precisariam ter treinamento sobre como lidar com a covid-19, para fazer coleta de sangue, receber equipamento de proteção”, continua a especialista. “Se isso tivesse sido feito, eles poderiam fazer busca ativa de idosos, indicar onde há casas com sem acesso à água, onde tem casas com muitos moradores e que não podem fazer isolamento. E, acima de tudo, poderiam estar rastreando os contatos, coisa que não estamos fazendo. No momento em que as cidades estão reabrindo, isso seria importante para ajudar na vigilância de novos casos. Eles teriam condições de detectar o momento em que as pessoas começam a ter os primeiros sintomas.”P