21/11/2020 - 11:11
Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares e membro da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Evaristo Arns, José Vicente disse que o assassinato de João Alberto na unidade do Carrefour de Porto Alegre é mais um exemplo do racismo estrutural que existe no Brasil. Na opinião dele, o problema ficou claro pelo posicionamento inicial da rede de supermercados e pela declaração do vice-presidente da república Hamilton Mourão.
“É esse racismo estrutural que precisamos compreender e que se manifesta em cima de boas intenção, de voluntarismo e em cima da negação também. As notas de repúdio sempre dizem ‘não tenho nada a ver com isso, quem tem a ver com isso é o sujeito que está lá na ponta e por isso foi demitido. Desculpa e até a próxima’.”
Para o reitor, as instituições brasileiras precisam fazer cumprir a lei. “Racismo é crime inafiançável e prescritivo. Mas quantos racistas estão atrás das grades? Nenhum. Difícil combater se a lei não for cumprida. Temos Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Federal, AGU (Advocacia-Geral da União), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)…. Todos têm que mostrar serviço. Só assim começaremos a combater o racismo.”
Na quinta-feira, 19, João Alberto, homem negro de 40 anos, foi espancado e morto por dois seguranças do Carrefour, em Porto Alegre. José Vicente pede que não só os seguranças sejam punidos.
“Colocam a culpa apenas no segurança, ou também na vítima: dizem que reagiu ou insultou os seguranças e por isso foi esmurrado até a morte. Empresas e investidores, conselho de administração, os líderes dessas empresas e órgãos que fiscalizam essas empresas. Todos têm que ser responsabilizados. A empresa de segurança tem que ir para o banco dos réus. O crime de racismo não pode ficar só no segurança. A cadeia é vertical e por isso acontece e se repete”.
O primeiro passo para acabar com esse tipo de crime, para José Vicente, é acabar com as salas de segurança. “Extingam essas salas. Que o segurança fique dentro da sala da gerência, da diretoria. Porque se for agredir uma pessoa o gerente vai junto para impedir.”
Sobre o vice-presidente, o reitor disse que a tentativa de negar o racismo é “um método de desqualificar, desconstruir e diminuir a realidade para fazer prevalecer o discurso de seu interesse. Só ele olhar pela janela que vai ver como está o País e o mundo e tirar conclusão se existe ou não. Padece de esclarecimento.”
A primeira nota divulgada pelo Carrefour lamentava o ocorrido informava que a empresa “adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos neste ato criminoso. Também romperá o contrato com a empresa que responde pelos seguranças que cometeram a agressão. O funcionário que estava no comando da loja no momento do incidente será desligado. Em respeito à vítima, a loja será fechada. Entraremos em contato com a família do senhor João Alberto para dar o suporte necessário.”
Horas depois a rede de supermercados soltou outra nota dizendo que o faturamento da sexta-feira seria revertido para projetos de combate ao racismo no país. E também que todas as lojas do grupo abririam duas horas mais tarde neste sábado “para que neste tempo possamos reforçar o cumprimento das normas de atuação exigidas pela empresa a seus funcionários e empresas terceirizadas de segurança.”
O CEO global do Carrefour, o francês Alexandre Bompard, afirmou na sesta sexta-feira que a empresa “não compactua com racismo e violência” e que pediu ao Grupo Carrefour Brasil que “seja realizada uma revisão completa das ações de treinamento dos colaboradores e de terceiros no que diz respeito à segurança, respeito à diversidade e dos valores de respeito e repúdio à intolerância”.
Em uma série de mensagens em português em sua conta no Twitter, o executivo afirmou que as imagens que mostram seguranças do Carrefour espancando até a morte João Alberto Silveira Freitas em Porto Alegre “são insuportáveis”.