REAÇÃO: a GM, de Mahnke, aposta no interior para manter a hegemonia da S10 no mercado de utilitários, ameaçada pela Hilux

Ao longo de décadas, as montadoras de automóveis (assim como os fabricantes de pastas de dente, de televisores ou de sandálias) acostumaram- se a limitar a propaganda de seus produtos a revistas, jornais, rádio e televisão, sobretudo quando seu público-alvo é urbano. Quando se trata de conquistar a simpatia (e os cifrões) do povo do agronegócio, porém, o trabalho dos marqueteiros de plantão muda de figura. Cada vez mais eles estão concentrando seus esforços e sua criatividade nas feiras agropecuárias, verdadeiras festas do interior que reúnem milhares de produtores rurais e suas famílias. Nesses eventos, eles e as equipes de venda literalmente sujam o pé de barro, vestem a camisa de peão e trocam prosas infindáveis com fazendeiros até conquistar seu objetivo. A intenção é casar a vontade de ter uma camionetona com a necessidade de vender. Nesse jogo de conquista vale tudo, de mimos a encontros pósfeira, na tentativa de fechar um negócio. É assim que funciona nas grandes feiras do setor no País, já que os eventos, além de servir de vitrine para a exposição de produtos, são uma grande sala de reunião, que coloca no mesmo espaço um público consumidor abonado e ávido por novidades.

CONCENTRAÇÃO: 46% das vendas da Hilux, carrochefe da Toyota, vêm das regiões agrícolas. Baixo custo de manutenção atrai os compradores

Objeto de desejo de todo produtor que se preze são as picapes. Cientes dessa paixão, marcas como GM, Nissan, Toyota, Ford e Mitsubishi participam desses encontros, e aceleram na corrida contra a concorrência com estratégias que ao final acabam muito parecidas entre si: teste drive em pistas especiais, consultores especializados e até a concessão de generosos descontos. Para Hermann Mahnke, diretor de marketing de produto da GM, a interação com o público em feiras é fundamental. “Como sinal de confiança, nossos consultores especializados nos eventos emprestam os superutilitários ao cliente potencial, e ele pode passear com o carro e tirar as suas conclusões”, afirma Mahnke. Outra ação da companhia, dona da marca Chevrolet, é apresentar preços especiais como um diferencial. “É uma proposta comercial específica para cada região do País, diferente dos preços nas lojas.”

Segundo Mahnke, ao ir ao encontro do cliente do campo, a GM busca entender suas dificuldades e anseios. Além das feiras, a Chevrolet promove clínicas, nome dado às prosaicas reuniões, para sentir o pulso e obter a opinião dos fazendeiros sobre seus modelos de veículos, incluindo sugestões de melhoria. Desse intercâmbio veio, por exemplo, uma significativa contribuição para a fabricação da nova S10, lançada oficialmente no dia 14 do mês passado e com mudanças importantes em relação às versões anteriores. O superutilitário tem capacidade de carregar até 1,3 tonelada, com motores 2.4 e 2.8, e foi produzido na fábrica de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, em São Paulo. “Eles nos ajudaram a melhorar o sistema de ar condicionado, pediram bancos de couro, além de sugerir que dotássemos a S10 com ganchos para amarrarem cordas, pois isso seria útil para a rotina de trabalho”, diz Mahnke. No caso da S10, não faltam razões para a ida às bases da GM. Líder de vendas desde 1996, a S10 vem perdendo mercado ano a ano para a Hilux, da Toyota. Em 2011, foram vendidos 42 mil superutilitários da antiga S10. Neste ano, a expectativa é chegar a 45 mil unidades, segundo as projeções de Marcos Munhoz, vicepresidente da GM do Brasil.

O problema para a GM é que a Toyota está fazendo praticamente o mesmo que ela, ao investir em funcionários especializados no agronegócio. A marca já montou pistas para teste drive nas grandes feiras agrícolas, como a Agrishow. “Levamos nossa linha de produtos e consultores especializados para atender às suas necessidades”, afirma Vladimir Centurião, gerente-geral de operações de vendas da Toyota no País. A multinacional utiliza o Banco Toyota nos eventos, com o objetivo de simular financiamentos, ou concretizar um negócio ali mesmo. O interesse da montadora vai além das feiras. Das 133 concessionárias no Brasil, 50% delas estão localizadas nos principais polos agrícolas.

De acordo com Centurião, em 2011, foram vendidas 33.251 mil unidades da Hilux, o carro-chefe da marca, sendo aproximadamente 46% em regiões agrícolas. Pesquisas realizadas pela marca japonesa no País apontam que, nas regiões do agronegócio, pequenos fazendeiros passam 70% do tempo utilizando a Hilux 4×4 como ferramenta de trabalho. “São as picapes mais básicas, com baixo custo de manutenção e menor consumo de diesel”, diz Centurião. A Hilux e o utilitário esportivo SW4 – picape média também adequada ao campo – vêm da fábrica de Zárate, na Argentina, que expandiu a capacidade de produção dos dois veículos de 70 mil para 92 mil unidades por ano, para atender o mercado latino- americano. Com a expansão no país vizinho, Centurião acredita que as vendas da Hilux vão poder encostar mais na S10, chegando a 40 mil unidades em 2012. Trata-se de um crescimento de 25% em relação a 2011, cinco vezes mais do que o crescimento projetado pela GM para seu superutilitário.

TEST DRIVE: a Nissan, de Castro, montou uma pista off road, na última Agrishow para que os clientes testassem a nova Frontier

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) aponta que a venda dos veículos comerciais leves, ou seja, picapes menores, como a Montana, da Chevrolet, e maiores, como a Hilux, supera a casa das 500 mil unidades por ano.

Não por acaso, as vendas de picapes representaram 20% dos 2,6 milhões de veículos comerciais fabricados no Brasil no ano passado, de todos os tipos. Como pano de fundo para esse resultado aparece o bom desempenho do agronegócio, cujo Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 6,12%, totalizando um valor de produção de R$ 822,9 bilhões. A exemplo do que ocorreu com a GM e com a Toyota, a Ford resolveu apostar nas feiras para estreitar seu relacionamento com os empresários do campo. Só no ano passado, foram 334 participações, entre eventos como o Show Rural Coopavel, em Cascavel (PR), o Tecnoshow Comigo, em Rio Verde (GO), a Expozebu, em Uberaba (MG), o Agrishow, em Ribeirão Preto (SP), Bahia Farmshow, em Luís Eduardo Magalhães (BA), e a Expointer, em Esteio(RS). “As feiras movimentaram 36% do volume das vendas em 2011”, afirma Luciola Almeida, gerente de marketing de produto para picapes e crossovers da Ford. Em retribuição, a Ford costuma ser generosa nesses eventos, oferecendo até 10% de desconto em cada modelo. Pedro Rezende, diretor de vendas e marketing da Ford em Santa Catarina e no Paraná, festejou os resultados da última edição da Coopavel, realizada na primeira quinzena de fevereiro. “Em uma feira como esta vendemos mais de 50 picapes”, diz Rezende. “As feiras de negócios são um ótimo lugar para receber feedback de nossos clientes.”

EM TODAS: a Ford, de Rezende, par ticipou de 334 feiras realizadas nas cinco regiões do País, em 2011

Quem também aplica descontos em feiras é a Nissan. Na última Agrishow, a empresa reduziu os preços de seus modelos em até 11% para facilitar a compra do cliente. Nas feiras agropecuárias de 2011, como a Coopavel e a Agrishow, foram vendidas de 50 a 300 unidades. Esses veículos também podem ser testados nas pistas especiais, montadas pela empresa com o intuito de atrair o consumidor. “Em 2011, na Agrishow, nós oferecemos aos visitantes a oportunidade de comprovar o desempenho da Frontier, carro-chefe da marca, em uma pista off road especialmente preparada no local do evento”, diz Tiago Castro, gerente-chefe de marketing e produto da Nissan do Brasil.

Com tantas estratégias parecidas, a Mitsubishi, outra gigante japonesa, se diferenciou ao homenagear os criadores de gado nelore. Em 2003, a montadora lançou uma série limitada da L200 Sport Nelore. “Foi uma série especial de veículos desenvolvida para os clientes criadores de gado nelore, como uma ação de marketing”, diz Fernando Matarazzo, diretorcomercial da Mitsubishi Motors. Além das feiras, a marca participa de outros eventos do setor como os Rallys da Safra e da Pecuária. “Nesses eventos, os técnicos e pesquisadores utilizam nossos veículos para percorrer os principais polos agrícolas do País”, afirma Matarazzo.