Um dos economistas brasileiros mais respeitados no exterior, José Alexandre Scheinkman diz que o grande destaque no cenário internacional deste início de terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva tem sido a condução da política ambiental. “Está dando muito crédito para o governo, e ele poderia usar isso em vários outros setores, inclusive para a economia em geral”, diz Scheinkman, professor da Universidade de Columbia.

Na economia, ele avalia que há muito barulho envolvendo o governo, mas vê sinais de que o governo busca o equilíbrio das contas públicas.

“A disciplina fiscal, principalmente, durante os dois últimos anos do governo Bolsonaro foi completamente abandonada. Pelo menos, há na proposta – sem detalhes, é claro – do Haddad, uma vontade de conseguir voltar a ter uma certa disciplina fiscal”, afirma.

A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Como o sr. avalia este início de governo?

Vou começar por uma coisa importante e que marca uma mudança em relação ao governo Bolsonaro: é a questão do clima. Isso é uma coisa muito importante. E, claro, muda a imagem do Brasil.

O sr. poderia detalhar o impacto dessa mudança?

O País participava da discussão de uma maneira esdrúxula. Ao mesmo tempo, o mundo entende que o Brasil tem recursos que podem ajudar a resolver o problema.

Como o Brasil pode se beneficiar dessa melhora na área ambiental?

Isso está ligado a um trabalho de pesquisa que estou fazendo. Temos ainda números preliminares, mas eles indicam que o reflorestamento do bioma da Amazônia brasileira tem uma capacidade de captura de carbono importante. O Brasil teria uma renda importante, mais do que a renda atual que tem com a exploração agrícola da Amazônia, feita principalmente por gado.

E na área econômica, quais a percepção do sr., sobretudo com esse embate entre governo e BC?

É uma coisa que não adianta. Obviamente, podemos debater qual deve ser o nível da taxa de juros. Todos os economistas podem ter uma opinião. Agora, isso não é a mesma coisa que ficar tentando duvidar da moral da equipe do Banco Central ou da sua capacidade. São duas coisas diferentes.

Esse embate tem prejudicado a economia brasileira?

Essa discussão sobre o Banco Central não é tão importante assim. Seria melhor não ter essa discussão, mas não vai ser a razão pela qual a economia brasileira vai dar certo ou não nos próximos quatro anos.

E como o sr. avalia o arcabouço fiscal?

Eu acho que o plano apresentado pelo Haddad me parece sério. Ele depende – como o próprio ministro falou – do aumento da arrecadação. Esse aumento da arrecadação pode ser feito de uma maneira que até ajude a economia brasileira ou de uma maneira que prejudique muito a economia. Essa vai ser a grande questão.

O que poderia ajudar?

Se você, por exemplo, retirasse alguns dos subsídios.

E o resto da agenda econômica do governo?

Outra coisa que estou bastante satisfeito é com a nomeação do Bernard Appy, porque o governo está empenhado em passar uma reforma tributária. O Brasil tem um sistema tributário impossível.

Parte dos economistas esperava um governo mais pragmático, como foi o primeiro mandato do Lula. De forma geral, está mais otimista ou pessimista?

Havia a personalidade do Palocci (Antônio Palocci, ex-ministro da Fazenda) no Lula 1. Era uma pessoa que falava de uma maneira clara sobre quais eram as intenções do governo. Hoje, tem mais barulho. Tem por um lado o ministro da Fazenda falando algumas coisas, mas tem a presidente do PT (Gleisi Hoffmann). Ela não é um membro do governo, mas, de uma certa maneira, fala por uma parte dos apoiadores do presidente. Isso tudo faz a coisa ficar mais complicada. As intenções do governo são menos declaradas. Mas as ações, sem a retórica, têm sido mais do lado positivo.

E como tem sido a visão internacional em relação a esse início do governo?

O grande chamariz, por boas razões diante da gravidade do problema, é na questão ambiental. Está dando muito crédito para o governo, e ele poderia usar isso bem em vários outros setores, inclusive para a economia. Há um outro ponto que se discute bastante, que é a questão da democracia. O Brasil era visto como um país em que o governo estava tentando levá-lo para uma direção bastante autoritária.

E no campo da economia?

As pessoas estão esperando para ver o que vai acontecer. Não se pode exigir em 100 dias uma definição. A disciplina fiscal, principalmente, durante os dois últimos anos do governo Bolsonaro foi completamente abandonada. Pelo menos, há na proposta – sem detalhes, é claro – do Haddad, uma vontade de conseguir voltar a ter uma certa disciplina fiscal. A outra questão é como o governo vai conseguir convencer o Congresso a passar essas medidas que ele está propondo.

O Lula enfrenta um cenário diferente hoje, em que a aprovação dele não é tão grande como era em outros mandados. Qual é força para aprovar as medidas?

O aspecto principal não é nem a aprovação do Lula, mas o poder que foi ganho do chamado Centrão na eleição. Infelizmente, o Congresso saiu pior (da eleição). As pessoas que estão mandando no Congresso têm uma agenda de prioridades que é essencialmente ganhar poder político.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.