01/06/2017 - 14:58
Em 2011, a decisão da Lipton, marca do grupo inglês Unilever, de deixar de comprar chá preto dos produtores do município de Registro, no Vale do Ribeira, em São Paulo, desestruturou ainda mais a cadeia produtiva da região, uma das mais importantes do País. Nas décadas de 1980 e 1990, a região chegou a ter cerca de 1,5 mil produtores e 40 fabricantes de chá. Era referência no campo e em qualidade. Mas muitas plantações, algumas com mais de 50 anos, foram abandonadas por falta de um mercado estruturado e que foi engolido pela concorrência internacional. Na época áurea, com o dólar competitivo, a produção era exportada para a Inglaterra e o Canadá. No sítio Shimada, mesmo sem ter para quem vender, a obstinação de Elizabete Ume Shimada, hoje com 90 anos, impediu que a família de descendentes de japoneses acabasse com a plantação de cinco hectares de Camellia sinensis, nome científico da planta espalhada por dois trechos da pequena propriedade de dez hectares. “Eu sou ligada às lavouras de chá desde os cinco anos”, afirma a simpática e bem disposta anciã. “Ainda me lembro quando meu pai começou a plantar as primeiras mudas.”
Sem mercado, a família de Shimada sobreviveu nessa época com o plantio de fruta, principalmente a lichia. Nos últimos anos, ao lado da filha Terezinha Eiko Shimada Ferreira e dos netos, dona Shimada voltou com força ao mercado, depois que decidiu recuperar a plantação. Seu empenho tem levado os produtores da região a olhar novamente para o potencial do mercado de chá. Nos Estados Unidos, por exemplo, o chá pode ser encontrado em 80% de todos os lares. O mesmo vale para países de tradição no consumo, como China, Japão, Inglaterra e Índia.
O chá é a bebida mais popular do mundo depois da água. A produção global, atualmente de 5,3 milhões de toneladas de folhas, tem aumentado nos últimos anos e deverá continuar a crescer a uma taxa de 2% ao ano. Esse movimento vem sendo sustentado por consumidores chineses e hindus, somados aos dos países desenvolvidos, que buscam bebidas mais saudáveis que os refrigerantes. Uma pesquisa mundial da Transparency Market Reserch mostra que até 2020 esse mercado deve movimentar US$ 47,2 bilhões por ano, valor 21% acima do que movimentou até quatro anos atrás. No Brasil há poucos dados, mas estima-se que para cada 800 xícaras de café consumido, bebe-se dez de chá. Nos Estados Unidos são 546 xícaras.
Por acreditar nesse mercado, a senhora Shimada vai construindo um negócio sólido para as próximas gerações. Foi assim que ela recuperou a plantação de chá de seu sítio. “Com uma escova de dente, passamos a limpar todos os pés e a retirar o mato que cresceu entre eles”, diz a produtora. Com o campo em ordem, no final de 2014 surgiu a marca Obaatian, palavra japonesa que em português pode ser traduzida como Chá da Vovó. As folhas são processadas em uma pequena fábrica com capacidade para 600 quilos de folhas por ano e está pronta para crescer. Isso porque a colheita atual é de 200 quilos, entre os meses de agosto e maio, feita de forma artesanal, desde a coleta manual das folhas ao processo de murchamento, oxidação, secagem e moagem.
Cada quilo de chá da marca Obaatian é vendido a R$ 180, divididos em pacotes de 50 gramas, em feiras de produtos orgânicos e em 15 lojas especializadas em chás ou produtos orientais. Os R$ 36 mil anuais representam em torno de 25% da receita da propriedade, que chega a R$ 144 mil. Essa etapa do negócio fica por conta da filha. “A gente produz da mesma forma como era feito nas décadas de 1950 e 1960”, diz Ferreira. Ela também é anfitriã daqueles que visitam a propriedade para conhecer o método de produção, que já causa interesse internacional. Em 2015, Shimada foi convidada pelo Japanese Black Tea Festival e viajou para o país de seus pais para contar a história da recuperação da produção em sua propriedade.
Uma passagem contada por Shimada demonstra a ligação da família com o chá. “Meu pai, Katsumi, veio do Fukushima em 1914 para trabalhar numa lavoura de café em Brodovski, na região de Ribeirão Preto. Ele contava que estava tão acostumado à colheita de chá no Japão, que colheu todas as folhas do cafezal no primeiro dia de trabalho e manteve os grãos nas árvores”, diz.
O exemplo de Shimada animou outros produtores da região, até maiores, a manterem a tradição e buscarem novas alternativas para os chás. É o caso da família Amaya, dona de uma das últimas grandes processadoras da região. “Estamos recuperando um chazal de nove hectares que estava abandonado e vamos certificá-lo para a produção orgânica”, afirma Riogo Amaya, diretor de produção que administra a empresa junto com o irmão e dois primos. “Vamos criar um produto diferenciado para oferecer a consumidores mais exigentes”, diz Milton, seu primo que é diretor de marketing. A Amaya, nos últimos anos, reduziu a sua área de produção de 170 hectares para 50 hectares, além de deixar de comprar chá de outros agricultores para processar o produto e vender às grandes marcas, entre elas a Lipton. De setembro do ano passado a março deste ano, a Amaya produziu 60 toneladas de chá preto e dez toneladas de chá verde. Na época áurea, a marca processava 50 toneladas por dia. Nesse caso, a tradição também tem sido uma âncora para manter os chazais, cujas plantas chegam a ter 70 anos. E tentar escrever uma nova história.