Um dos maiores desafios da humanidade no século XXI é conciliar o aumento de produção agrícola, necessário para alimentar a crescente população mundial, e a conservação do meio ambiente. O aumento de produtividade da agricultura, produzindo mais em menos espaço, é visto como o elemento central para viabilizar essa conciliação. Por outro lado, esta mesma estratégia pode estimular o desmatamento, uma vez que o processo leva a aumento de lucros no curto prazo.

Um artigo publicado na Science nesta quinta-feira, 28, aponta quatro caminhos e alguns exemplos que podem inspirar políticas ao redor do mundo a irem além de pensar em maior produtividade simplesmente como um meio de produzir mais alimentos, mas que também concretizem seu potencial de ajudar a liberar terras para a conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.

O pesquisador brasileiro Bernardo Strassburg, professor do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio e diretor do Instituto Internacional de Sustentabilidade (IIS), é um dos autores do estudo, em colaboração com cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Este artigo é o primeiro fruto de uma colaboração de longo prazo entre o recém lançado Centro de Ciência da Conservação e Sustentabilidade do Rio (CSRio), coordenado por Strassburg, e pesquisadores da Universidade de Cambridge.

No artigo, os pesquisadores apontam quatro caminhos para conciliar aumento da produtividade com conservação. O primeiro caminho é o Zoneamento do uso da terra, indicando áreas para conservação e áreas para expansão agrícola. O segundo é o uso de instrumentos econômicos, como pagamentos por serviços ambientais, imposto territorial e subsídios. O terceiro é a disponibilização estratégica de tecnologia, infraestrutura e conhecimento técnico. O quarto são standards e certificações.

“O ideal serial a combinação de dois ou mais destes instrumentos. Cada mecanismo será mais eficaz se for implementado em sinergia com os outros. Além disso é fundamental evitar o chamado “efeito rebote”, quando o tiro sai pela culatra. No Brasil, por exemplo, o aumento da produtividade da soja no início da década de 1990 estimulou fortemente o desmatamento na Amazônia e no Cerrado. É preciso ter uma forte governança ambiental para evitar que isso não aconteça”, disse Strassburg.

Segundo Dr. Ben Phalan do Departamento de Zoologia da Universidade de Cambridge, abrir mais espaço para a conservação da natureza é uma questão relacionada a prioridades políticas e sociais. O desafio será menor, diz ele, se os governos estiverem dispostos a fazer disso uma prioridade.

O artigo discute que no Brasil, exigir o cumprimento das regras de conservação e restauração do novo código florestal para acessar crédito agrícola, que auxilie o aumento da produtividade agrícola, pode ser um poderoso instrumento para atingir os objetivos agrícolas e ambientais em escala. “Tal exigência já é prevista em lei, mas é fundamental garantir o seu cumprimento”, ressalta Strassburg.

De acordo com a publicação, os instrumentos devem ser utilizados conforme as características de cada região. Na Costa Rica, por exemplo, depois de o governo ter feito zoneamento das florestas como inacessíveis para a expansão agrícola, a agricultura de exportação veio da mudança da criação de gado pelas plantações de abacaxi e banana.

Os instrumentos econômicos também devem ser personalizados para estimular os aumentos na produção, desencorajar a conversão de habitats de espécies e condicionar o recebimento de benefícios à conservação dos habitats. Os cientistas citam o exemplo de um programa de incentivo bem-sucedido na economia de terra implementado no Spiti Vale no Himalaia indiano.

Em troca da criação de terras reservadas para a recuperação de presas para o leopardo-da-neve, os pastores recebem pagamento e assistência técnica para reduzir as perdas nos rebanhos para os leopardos-da-neve (aumentando a criação) e para organizar seguros contra as perdas. O programa, que foi desenvolvido em colaboração com os pastores e com o governo local para garantir que seja direcionado às prioridades locais, reduziu a predação dos rebanhos por estes leopardos em dois terços nos primeiros quatro anos e acabou com a matança dos leopardos-da-neve.

Em relação à implantação de tecnologia, eles ressaltam o exemplo da província filipina de Palawan, onde a introdução da irrigação ajudou os produtores de arroz de várzea a conseguir duas colheitas por ano em vez de uma. Já em relação às normas voluntárias, sugerem que poderiam ligar o crescimento na produção com a conservação através da exigência da proteção do habitat, da definição das práticas de aumento de produtividade sustentáveis, do acompanhamento da conformidade e da recompensa do bom desempenho com o acesso ao mercado e com preço relativo.

Os fazendeiros participantes no projeto Ibis rice no norte do Camboja, por exemplo, recebem assistência técnica e um preço relativo, o que facilita adquirir tecnologia simples e mais mão-de-obra. Por sua vez, eles concordam com um plano de uso de terra local que protege os habitats.

O artigo retrata o Brasil como um exemplo de como as intervenções de política múltipla podem trabalhar em conjunto. “ Os habitats naturais são conservados através de vários instrumentos, incluindo as áreas protegidas, reservas indígenas e exigências do Código Florestal sobre as terras particulares. São oferecidos aos agricultores empréstimos subsidiados pelo governo para um aumento da produtividade em pastagens degradadas. Em parte, devido a estas iniciativas, e apesar do não cumprimento generalizado do Código Florestal, o desmatamento na Amazônia brasileira caiu acentuadamente depois de 2004, ao passo que a produção agrícola continuou a crescer”, diz um trecho do trabalho.

Segundo Strassburg, a expectativa dos cientistas ao desenvolver este artigo é de que ao descreverem algumas soluções promissoras, possam estimular a adoção de propostas diferenciadas em todo mundo. “Sabemos que aproveitar o potencial da agricultura de alta produtividade para dar espaço para a natureza em escalas que façam diferença não será simples, mas os exemplos descritos mostram que isso pode ser feito”, diz ele. Fonte: Ascom