22/02/2022 - 21:19
A Polícia Federal abriu a Operação Dragão nesta terça-feira, 22, para aprofundar a investigação sobre a compra sem licitação de 1.280 respiradores pelo governo de São Paulo. A suspeita é de direcionamento e superfaturamento na aquisição.
Os agentes cumpriram sete mandados de busca e apreensão na capital paulista, em Porto Feliz, no interior de São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília. As ordens foram expedidas pela 10.ª Vara Criminal Federal de São Paulo.
Nesta fase ostensiva a Operação Dragão não mira servidores públicos. Ela foi deflagrada contra pessoas físicas (intermediários e representantes comerciais) e uma pessoa jurídica que não foi localizada pela PF no endereço.
O inquérito gira em torno dos motivos que levaram o governo paulista a escolher a empresa contratada e do preço pago pelos equipamentos. O Estadão apurou que todos os envolvidos na contratação direta serão intimados a depor nos próximos dias, inclusive o então secretário de Saúde José Henrique Germann e os empresários Basile George Pantazis, Fabiano Kempfer e Paulo Victor Wittacker de Moraes.
A investigação é conduzida pelos delegados Paula Fontanelle e Adalto Machado, da Delegacia de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro da Polícia Federal em São Paulo. Embora a compra não tenha envolvido recursos federais, a PF entrou no caso diante da suspeita de lavagem internacional de ativos. A empresa contratada tem sede na Flórida.
“Essa empresa só existe no papel”, afirma o delegado. Segundo ele, a empresa americana ‘não tem representação no Brasil, existe só uma homônima, só no papel.’
Segundo a investigação, o que foi pago pelo governo paulista ‘foi efetivamente entregue’. “O inquérito investiga por que foi contratada essa empresa, a preços tão altos, sob qual critério, e por que o contratante (Estado de São Paulo) não fechou negócio diretamente com o fabricante”, destacou Adalto Machado. ‘Há aqui indícios de direcionamento.”
O material foi contratado em abril de 2020 para tratar pacientes com covid-19. Na época, já estava em vigor a lei que, diante da emergência da crise sanitária, autorizou agentes públicos a comprarem bens e insumos para o enfrentamento da pandemia sem necessidade de licitação.
“‘Mas não era um cheque em branco para contratar a qualquer preço”, acrescenta o delegado.
O contrato previa, inicialmente, a aquisição de três mil aparelhos. A gestão João Doria (PSDB) antecipou o depósito de US$ 44 milhões – aproximadamente R$ 242,2 milhões. Após o atraso na entrega dos primeiros lotes contratados, o governo repactuou a compra para receber apenas as 1.280 unidades pelas quais já havia pago.
A aquisição dos ventiladores, fabricados na China, foi intermediada pela Hichens Harrison & Co., empresa americana com sócios brasileiros. O empresário Basile George Pantazis, que alega ter atuado como representante comercial da empresa, chegou a ser ouvido na CPI das Quarteirizações instalada na Assembleia Legislativa de São Paulo. Aos deputados, o executivo disse que o pagamento antecipado foi uma exigência da fabricante e que o material não foi entregue no prazo por embargos do governo chinês.
“A gente trabalhou de uma forma frenética para trazer esses ventiladores para o Brasil. Foi uma operação de guerra”, afirmou em depoimento prestado em outubro de 2020. “Demorou mais do que deveria, mas vieram todas as máquinas. O último dólar que São Paulo pagou eu entreguei.”
O empresário disse que as tratativas foram iniciadas com o ex-presidente da Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade (Invest SP), Wilson Mello, e com o secretário de Orçamento e Gestão, Nelson Baeta, em abril de 2020. Ele ainda afirmou que, naquele momento, os preços cobrados pela Hichens para os modelos ofertados eram os melhores do mercado.
O inquérito da PF, por sua vez, apontou indícios de sobrepreço na ordem R$ 63,3 milhões. O cálculo foi feito por peritos criminais federais por meio da comparação com outras contratações feitas no mesmo período.
A contratação ainda é investigada pelo Tribunal de Contas do Estado, a partir de representação enviada pelo ex-senador Major Olímpio, morto em março do ano passado por complicações da covid-19. Além dos preços supostamente incompatíveis com o mercado, o órgão também apura a falta de garantias no contrato e as ligações entre responsáveis pelo negócio e integrantes do governo.
COM A PALAVRA, A SECRETARIA DE SAÚDE DE SÃO PAULO
“A Secretaria da Saúde está à disposição para prestar qualquer esclarecimento e irá colaborar com as investigações. Contudo, o Governo do Estado condena a espetacularização da ação. A compra dos respiradores foi essencial no início da pandemia e fundamental para salvar vidas, em um momento de inércia do Governo Federal, que não distribuiu equipamentos aos estados, e alta procura no mercado internacional. A administração estadual não poderia ficar de braços cruzados diante de uma necessidade tão urgente. Essa decisão acertada evitou que São Paulo tivesse as tristes cenas que aconteceriam depois em Manaus, com a falta de fornecimento de oxigênio.
Os respiradores adquiridos pela Secretaria de Estado da Saúde contribuíram para a ampliação da rede pública de Saúde, que contou com um total com 4 mil novos equipamentos no SUS que ajudaram a salvar vidas. Os aparelhos foram adquiridos com recursos do tesouro estadual e a aquisição cumpriu as exigências legais e os decretos estadual e nacional de calamidade pública, prevendo multa em situação de descumprimento e até devolução do recurso.
Os 1.280 respiradores da repactuação do contrato com Hichens Harrison foram entregues, mesmo após a Secretaria ter iniciado os trâmites para a rescisão do contrato devido a descumprimento de prazo. A empresa conseguiu liminar na Justiça para assim proceder. A aquisição cumpriu as exigências legais e aos decretos estadual e nacional de calamidade pública e todos os esclarecimentos têm sido devidamente prestados aos órgãos de controle.”
COM A PALAVRA, O ADVOGADO DANIEL GERBER, QUE REPRESENTA O EMPRESÁRIO BASILE PANTAZIS
“Todo o procedimento na aquisição dos respiradores por parte do Governo do Estado de São Paulo e em relação ao seu cliente foi exaustivamente analisado pelo Ministério Público Estadual e pela Corregedoria do Estado de São Paulo. A conclusão foi pela completa regularidade da aquisição dos equipamentos.”
COM A PALAVRA, A HICHENS
Procurada pela reportagem, a empresa informou que não vai comentar a operação.