Do total de 200 milhões de toneladas de grãos esperados para o ano agrícola 2014/2015, cerca de três milhões de toneladas terão um destino nobre: serão as sementes que vão garantir o plantio nas lavouras brasileiras na safra 2015/2016, cujo início ocorrerá em outubro. Apesar de representarem pouco em volume, cerca de 1,5% do total de grãos colhidos, as sementes são um dos insumos mais importantes na lavoura ao garantir boa parte da produtividade e da sanidade no campo. Esse papel, no entanto, está ameaçado. O inimigo a ser enfrentado chama-se pirataria, uma praga que atinge praticamente todos os setores da economia, e que já representa 37% das sementes utilizadas nas lavouras do País. 

Sem procedência garantida por empresas especializadas em tecnologia, as sementes piratas tornam-se atraentes pelos motivos de sempre, seja no comércio ilegal de bebidas, seja no de DVD s ou de perfumes. “O preço é um atrativo nesse mercado paralelo”, diz Gilberto Goellner, presidente do grupo Girassol Agrícola, de Rondonópolis, em Mato Grosso. De acordo com o empresário, uma saca de sementes sem procedência, por exemplo, pode custar até 40% menos, comparada às certificadas. No fim de dezembro, uma saca de semente de soja era vendida por R$ 135, na Girassol. 

No País, estão cadastradas 3,8 mil fazendas no Registro Nacional de Sementes e Mudas do Ministério da Agricultura (Mapa), para fornecer sementes às empresas especializadas. Na safra 2012/2013, cujos dados são os mais recentes levantados pela Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), o cálculo é de que foi utilizado um milhão de toneladas de sementes sem procedência. Esse volume é a diferença entre os que as sementeiras venderam (cerca de 1,7 milhão de toneladas) e o volume total estimado necessário para atender à demanda das lavouras no País, em torno de 2,75 milhões de toneladas de sementes na safra. “O risco que as lavouras correm é imenso”, diz José Américo Pierre Rodrigues, presidente da Abrasem. “Sementes sem qualidade, vendidas sem controle do governo, transmitem pragas e fungos às lavouras.”

Segundo a Abrasem, o setor movimenta anualmente no País cerca de US$ 4 bilhões, ficando atrás apenas dos mercados americano e chinês. No Brasil, a princípio, o cultivo de sementes por produtores não é um negócio ilegal. Com uma autorização do Mapa qualquer agricultor pode colher suas próprias sementes, chamadas de sementes salvas, desde que sigam algumas regras. A principal delas é que essas sementes devem ser para consumo próprio, não podendo ser vendidas no mercado. “O problema é que muitos produtores se inscrevem para salvar sementes com a intenção de vendê-las a terceiros”, diz Goellner. “Eles não pagam royalties às empresas que desenvolvem tecnologias, e ainda por cima não gastam com controle de qualidade, venda e marketing.” Atualmente, o grupo Girassol possui 45 mil hectares nos Estados de Mato Grosso, Goiás e Bahia, nos quais colhe anualmente 34 mil toneladas de sementes de soja e 400 toneladas de sementes de algodão. 

Para a bióloga Adriana Brondani, diretora executiva do Conselho de Informação sobre Biotecnologia (CIB), organização não governamental que tem como foco a difusão de informações técnicocientíficas,
a clandestinidade no setor ameaça o desenvolvimento tecnológico da cadeia de produção de sementes. “Corremos até o risco de enfrentar barreiras comerciais impostas por países importadores, em função dessa produção desconhecida”, diz Adriana. “A tendência é de que o mercado internacional não aceite produtos originados de sementes piratas”. 

Para a bióloga Adriana Brondani, diretora executiva do Conselho de Informação sobre Biotecnologia (CIB), organização não governamental que tem como foco a difusão de informações técnicocientíficas, 
a clandestinidade no setor ameaça o desenvolvimento tecnológico da cadeia de produção de sementes. “Corremos até o risco de enfrentar barreiras comerciais impostas por países importadores, em função dessa produção desconhecida”, diz Adriana. “A tendência é de que o mercado internacional não aceite produtos originados de sementes piratas”. 

No caso de variedades híbridas transgênicas de soja, milho, ou de algodão, os prejuízos provocados pela agropirataria recaem sobre as empresas que desenvolvem as tecnologias. Segundo o agrônomo Fernando Arantes, gerente de negócios de sementes da alemã Basf, o milho é um exemplo. A menor resistência do cereal transgênico a pragas tem se manifestado pelo uso de sementes inadequadas.
“Uma tecnologia que poderia durar dez anos já está comprometida com apenas quatro anos”, diz Arantes. “O milho geneticamente modificado está perdendo sua principal característica.” 

Uma das propostas da Abrasem para começar a resolver o problema das sementes piratas é promover uma revisão geral da Lei de Proteção de Cultivares do Mapa. De acordo com Rodrigues, da Abrasem, o
Ministério da Agricultura deveria ser mais rigoroso em relação ao plantio para uso próprio. “A lei dá muitas brechas para o uso de sementes piratas, e também uma maior fiscalização da produção ajudaria
a coibir a informalidade”, diz Rodrigues. “A revisão da lei seria um primeiro passo e é urgente que ela não demore.”