Enquanto os postes da Avenida Paulista não têm fios à mostra, na Alameda Santos, paralela a ela, o cenário é oposto. O emaranhado de cabos, alguns deles entrelaçados a galhos de árvore, chama atenção de quem passa. “Virou uma aberração”, diz o administrador Luiz Eduardo d’Almeida, de 56 anos. “Houve um crescimento exponencial (do número de fios) nos últimos 15 anos”, continua.

Quem vê a situação provavelmente não imagina que os fios da via deveriam ter sido enterrados até 2018, segundo a previsão inicial de um programa da Prefeitura. A iniciativa foi lançada um ano antes pelo então prefeito João Doria (PSDB) e pretendia alcançar 65,2 km de ruas na zona central, o que inclui a Alameda Santos, e na zona sul, mais especificamente na Vila Olímpia. Até agora, porém, as obras foram concluídas em 37 vias, o que totaliza 14,7 km – pouco mais de 22% do previsto. A meta foi adiada para 2024.

Além dessas 37 vias finalizadas, conforme a gestão municipal, 16 estão em fase final de obras. Ao todo, são 24,22 km em andamento. Foram selecionadas 170 ruas para o projeto SP Sem Fios, antes chamado de Cidade Linda-Redes Aéreas. Ao final, 210 vias serão adaptadas, já que foram incluídas 40 vias que estavam no entorno das que receberam ou estão recebendo obras. “Com a retirada da fiação, 3.014 postes serão excluídos até dezembro de 2024”, afirmou.

Segundo a Prefeitura, não há ônus para os cofres da cidade. Os custos das obras ficam com outros órgãos ou empresas, como a Enel (responsável pelo fornecimento de energia elétrica), as empresas de telecomunicações e a SPTrans (por causa do trólebus). Cabe ao Departamento de Controle e Cadastro de Infraestrutura Urbana (Convias), da gestão municipal, estabelecer um acordo entre as partes para a retirada de fios e postes.

“Não é uma questão só visual. É de qualidade de vida e do produto oferecido, até o sinal de internet fica mais instável (sem o enterramento)”, disse Luiz Eduardo, que vive na região há mais de três décadas e preside a Sociedade dos Amigos e Moradores do Cerqueira César. Segundo ele, o acúmulo de fios vem piorando ano a ano, o que fez aumentar as reclamações de comerciantes e moradores.

A reportagem esteve no local. Em alguns pontos da Alameda Santos, como no cruzamento com as ruas Haddock Lobo e Augusta, os fios ficam bastante rentes às árvores. “Às vezes, passam caminhões, daqueles de fornecedores de supermercado, e os fios até balançam”, conta o segurança particular Alberto Mendes, de 50 anos. A Prefeitura divulgou, no mês passado, que as obras de enterramento estão em andamento na alameda e devem durar até 10 meses.

Responsável pela área de Planejamento da Enel SP, Marcio Jardim diz que 100% dos fios da rede de energia elétrica foram enterrados nas ruas selecionadas pelo programa. Ainda assim, a Enel retirou apenas 22% dos 3 mil postes previstos. “O poste tem de permanecer no local, porque a rede de telefonia ainda está usando”, afirma. Segundo ele, 130 empresas de telecomunicação compartilham postes com a concessionária. O orçamento destinado pela Enel para o programa, continua, é de R$ 56,9 milhões.

Conforme Jardim, levantamento da Enel indica que as empresas de telecomunicações avançaram apenas 18% na etapa 1 do programa da Prefeitura, que consiste na retirada de 52 km de fios da região central. A etapa 2, de enterramento de 4,2 km de fios na Vila Olímpia, foi concluída. Por sua vez, a retirada de 9 km fios de telecomunicações da etapa 3, das vias próximas ao Mercado Municipal, ainda não começou.

Já o presidente executivo da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), entidade que representa 70 instituições do ramo, Luiz Henrique Barbosa tem balanço diferente e diz que o avanço por parte das empresas de telecomunicação foi maior do que o levantado pela Enel. Segundo ele, o total de fios enterrados pelas empresas de telecomunicação é de 32,8 km.

Ele afirma que o programa começou com 10 clusters – nome dado aos conjuntos de ruas selecionadas – e evoluiu para 14, com inclusão de algumas vias ainda em 2017 e, mais recentemente, da região do entorno do Museu do Ipiranga (zona sul), que foi revitalizado. “Desses clusters, metade foi concluída (pelas empresas de telecomunicações)”, diz. O custo total estimado para enterrar os fios de telecomunicação é de R$ 170 milhões.

Como entraves para o avanço, o presidente da Telcomp aponta dificuldades logísticas em áreas povoadas da cidade e também a pandemia, que estagnou as obras especialmente em 2020 e 2021. Cita ainda a complexidade dos enterramentos. “A gente tem uma obra (em execução) na Alameda Santos de 6,3 km de extensão, envolvendo 26 operadoras de telecom”, exemplifica.

Barbosa afirma ainda que há outros fatores que travam a retirada de postes, como a presença de fios diversos, como de trólebus e de iluminação, e até de cabos irregulares. Conforme a Enel, só no ano passado foram retiradas 26 toneladas de fios não regularizados na cidade de São Paulo.

Segundo o arquiteto Antonio Soukef Júnior, autor do livro Avenida Paulista: A Síntese da Metrópole, enterrar fios é “uma solução bem mais cara do que manter toda a fiação e os transformadores em sistemas aéreos”. Mas, “em longo prazo, a opção de enterrar todo o cabeamento se mostra muito mais vantajosa, pois diminui o desgaste causado pela chuva, os problemas de roubo e acidentes causados por queda de árvores e postes”, explica.

Soukef Júnior destaca que, ainda nos anos 1970, a Paulista foi a primeira via a contar com essa inovação na cidade. O enterramento de fios na via acompanhou uma tendência de cidades europeias, como Paris e Barcelona.

Coordenador do curso de Engenharia Elétrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Bruno de Lima aponta que a rede subterrânea comprovadamente melhora a segurança, a confiabilidade e a disponibilidade da rede de distribuição de energia. “A estética da cidade e a conformação urbana também são afetados positivamente.” Em São Paulo, explica, ruas em regiões como Jardins, centro, Pinheiros e Paulista já têm cabeamento enterrado.

“Leis foram adotadas em São Paulo e no Rio para aumentar a extensão das redes subterrâneas de transmissão de energia e comunicação, mas o custo e as exigências das legislações em relação a padrões construtivos inviabilizam a expansão do enterramento de cabeamento”, diz ele, que destaca as controvérsias sobre quem paga a conta. “Em casos como a (Rua) Oscar Freire, comerciantes da região arcaram com parte dos custos, o que ajudou a realizar o enterramento.”

MP monitora programa

Para o promotor Silvio Marques, do Ministério Público de São Paulo, o programa da Prefeitura é “uma pequena gota no oceano”, uma vez que a cidade tem cerca de 17 mil km de ruas onde os fios devem ser enterrados. O MP-SP tem monitorado o avanço do programa.

Na região da Consolação, comerciantes relatam que houve melhorias recentes, mas ainda há fios de telecomunicação aparentes. “Há algumas semanas, tiraram boa parte dos fios que cortavam a rua. Demorou foi para começar a mexer, mas depois foi rápido”, conta a comerciante Edneusa Santana, de 66 anos, que trabalha há 30 anos quase na esquina das ruas Frei Caneca e D. Antônia de Queirós.

Perto dali, no trecho da Rua Augusta que fica nos arredores do parque de mesmo nome, os relatos são de que as obras tiveram início há alguns anos. “Começaram a mexer nisso pouco antes da pandemia”, conta Silvana Moreira, de 49 anos. Hoje atendente em uma farmácia, ela trabalha na região da Augusta há mais de 20 anos. “Melhorou um pouco desde então. Antes caía bastante”, diz ela sobre o sinal de internet.

Conforme a Enel e a TelComp, o enterramento de fios de energia elétrica e telecomunicação deve ocorrer por dutos separados, o que impede a conclusão das obras em algumas vias mesmo que tenham avançado em algumas frentes.

Bom Retiro

Considerada um importante polo comercial do Bom Retiro, no centro, a Rua José Paulino é uma das 37 vias em que, segundo a Prefeitura, o enterramento de fios foi concluído. A reportagem esteve no local e conversou com comerciantes sobre os impactos da mudança.

“Excelente, ficou parecendo a Oscar Freire do Bom Retiro”, disse o lojista Yomtov Pesso, de 70 anos. De origem judaica, ele está à frente de uma loja de roupas da família há 40 anos e afirma que o movimento no comércio “mudou da água para o vinho” desde que houve a conclusão das obras de enterramento na rua há alguns anos.

“Além da mudança estética, sentimos melhora de ânimo dos clientes”, afirma ele, que atribui a tendência também à retomada gradual da economia. Conforme Yomtov, o movimento caiu para 50% do usual durante a pior fase da pandemia, mas a clientela voltou, nos últimos meses, para 70% do que era.

“Valoriza as fachadas, as vitrines, valoriza tudo”, afirma a vendedora Katia Barranco, de 49 anos – 20 na José Paulino. “Dia desses mesmo estava falando com um vizinho que acho que tinha que ser geral, porque fica muito melhor”, relembra ela, moradora do Tucuruvi, na zona norte.

Enquanto ruas como a Aimorés, vizinha da José Paulino, também foram contempladas no programa da Prefeitura, o contraste fica visível quando se caminha por outras vias nos arredores que, embora também carregadas de lojas, não receberam melhorias.

Comerciante na Rua da Graça, Vivian dos Santos, de 46 anos, diz se incomodar com o excesso de fios à mostra. “Faria bastante diferença se enterrassem a fiação aqui também”, comenta. “Por vezes, os fios ficam até pendurados nos postes, fica uma má impressão para quem passa.”