O Ministério Público de São Paulo (MPSP) ajuizou uma ação civil pública na noite de quarta-feira, 24, a fim de suspender temporariamente a tramitação do projeto de lei de revisão do Plano Diretor da capital paulista, que deve ser apreciado em na Câmara Municipal na próxima quarta-feira, 31. O texto teve uma nova versão divulgada na terça-feira, 23, com uma série de alterações, como incentivos e regras para a construção de prédios sem limite de altura a até 1 quilômetro de estações de metrô e trem e uma nova norma que amplia o máximo de área construída nos “miolos” dos bairros, dentre outras.

Procurada, a Câmara disse que ainda não foi notificada sobre o ajuizamento da ação. O texto é de relatoria do vereador Rodrigo Goulart (PSD).

Na ação, o MP alega que o texto substitutivo “desconfigurou” a proposta da gestão Ricardo Nunes (MDB) até então discutida e que pontos sensíveis foram alterados “sem qualquer critério técnico”. Por isso, seria necessária a suspensão temporária em tutela de urgência até a apresentação de estudos técnicos sobre os impactos das mudanças e um maior volume de discussão pública, visto que foram marcadas apenas três audiências públicas para discutir a nova versão até a segunda votação, prevista para o dia 7 de junho.

“Se isso ocorrer (votação nos moldes previstos atualmente), o processo é viciado e o resultado será ilegítimo”, diz o pedido. “Trata-se de alterações significativas e que causarão grande impacto no funcionamento da cidade. Nem de longe, portanto, estamos diante de modificações pontuais ou superficiais no texto anterior, consolidado como fruto de debates e discussão”, acrescenta.

O pedido de liminar prevê multa diária de R$ 100 mil se for mantida a tramitação e uma penalidade no mesmo valor caso Nunes sancione o PL antes da apresentação dos estudos e uma maior discussão pública. O requerimento está concluso para a decisão do juiz, que deve ocorrer nos próximos dias. Em março, o MP já havia aberto um inquérito civil para acompanhar o processo de revisão da lei.

No texto, o MP também cita uma carta aberta divulgada na quarta-feira, 24, que aponta uma série de mudanças expressivas no Plano Diretor, assinada por urbanistas ligadas ao tema, como Nabil Bonduki (relator do Plano Diretor hoje em vigor e professor da USP), Fernando Tulio da Rocha Franco (pesquisador e ex-presidente do IAB-SP), João Sette Whitaker Ferreira (diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) e Angélica Benatti Alvim (diretora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Mackenzie), dentre outros. A carta também solicita a apresentação de estudos e a realização de ao menos 15 audiências públicas na Câmara.

“Ao aumentar, por exemplo, a área de influência dos eixos (estações de metrô e trem) para 1 km, o substitutivo não considerou a capacidade de suporte, de atendimento e de distribuição espacial (atual e desejada) das infraestruturas, dos equipamentos e dos serviços públicos dos locais atingidos por essa drástica transformação”, destacou o Ministério Público ao citar a proposta para a verticalização.

Como o Estadão mostrou, algumas das principais críticas ao novo texto do PL envolvem os chamados “eixos” de transporte, que são as quadras mais próximas da maioria das estações de metrô e trem e de corredores de ônibus. Esses locais têm uma série de incentivos públicos para a construção de edifício, tornando-os atrativos para o setor imobiliário, de modo que concentram mais da metade dos novos apartamentos lançados na cidade, especialmente quando próximos de bairros de classe média e alta, como Brooklin, Butantã e Pinheiros.

Hoje, os eixos incidem em um raio de 400 metros das estações, podendo chegar a 600 metros se a quadra for alcançada pelo perímetro de influência (isto é, se o raio abranger mesmo que um trecho pequeno, toda a área da quadra é um eixo). Na nova versão do PL, o incentivo à verticalização poderá chegar a quadras a até um quilômetro, adentrando o interior de bairros, especialmente no centro expandido. Já, no caso de corredores de ônibus, a influência que é hoje de até 150 metros (chegando a 300 metros nas quadras alcançadas pela linha) poderá aumentar para até 450 metros.

Esse tipo de zoneamento foi proposto pelo Plano Diretor em 2014 com o objetivo de aumentar a população que mora perto de meios de transporte de massa e reduzir os longos deslocamentos, porém parte dos empreendimentos tem sido destinada para locação temporária e população de maior renda, que, por vezes, não usa metrô, trem ou ônibus no dia a dia.

A nova versão do PL também incentiva mais prédios nas quadras no interior dos bairros. Nesses locais, o empreendimento poderá construir até três vezes a área do terreno em vez da permissão de duas vezes hoje em vigor, mediante o pagamento (outorga onerosa) à Prefeitura. As vizinhanças seguirão, contudo, sujeitas às regras de altura de cada zoneamento, lei que também está em revisão e terá uma nova versão enviada em breve à Câmara.

Nos “centrinhos de bairro”, onde há amplo comércio, por exemplo, o máximo hoje é de 48 metros. O limite atual foi idealizado no Plano Diretor a fim de evitar grande verticalização dos eixos e incentivar prédios mais altos perto do transporte de massa.

Para urbanistas ouvidos pelo Estadão, a nova proposta incentiva a verticalização como um todo na cidade, por ampliar a área de influência dos eixos e muda o potencial de construção nos miolos de bairro, praticamente anulando a distinção entre zonas em bairros com transporte mais desenvolvido, como os do centro expandido.

Outra mudança que chamou a atenção no novo texto do PL é a criação de um novo tipo de zoneamento: as Zonas de Concessões, que abrangerão todas as áreas públicas concedidas à iniciativa privada e com projetos de concessão em desenvolvimento.

Os especialistas também avaliam que o projeto diminui ainda mais a influência municipal no desenvolvimento urbano da cidade, com regras que preveem a aplicação de recursos originalmente municipais pelo próprio setor privado. Um exemplo é a outorga onerosa, cobrada das incorporadoras para construir acima do limite básico e destinada hoje a um fundo voltado à habitação popular e à mobilidade. Em vez de pagar efetivamente o montante ao Município, o PL permite que o setor privado pague a outorga por meio da execução de obras públicas, com valor de 90% do que deveria ser pago ao fundo.