30/08/2024 - 7:00
O papel do agronegócio nas mudanças climáticas entrou de vez na pauta do setor. Durante o Congresso Nacional do Agronegócio, que aconteceu neste mês em São Paulo, a conclusão dos debates foi que o agro precisa se portar como parte da solução em âmbito global.
O agro é o setor econômico que mais emite gases que colaboram com o efeito estufa, sendo responsável por 25% das emissões, mas a polarização política no Brasil e no mundo costuma dificultar o debate.
Em entrevista ao site Dinheiro Rural, o diretor do Comitê de Sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) Eduardo Bastos, afirmou que o agro não é vilão nem mocinho e que há espaço para a melhoria de algumas práticas de produção no país. “O Brasil não chegará à sua neutralidade climática sem o agro fazer o seu papel”, disse.
A entrevista foi dada antes dos incêndios que atingiram diversas cidades de São Paulo e Goiás. Em nota divulgada na segunda-feira, 26, a Abag afirmou que está a disposição das autoridades para colaborar com ações de prevenção e no planejamento de medidas de mitigação dos impactos do fogo em regiões de mata e em áreas de cultivo.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Qual o papel do agro brasileiro no debate sobre a mudança climática?
A nossa responsabilidade é enorme, já que o agro é o segundo maior emissor de gases do Brasil e do mundo. Metade da Emissão brasileira vem de desmatamento e 25% aproximadamente vem do agro. Em nível global esses números são parecidos. Então a gente tem uma responsabilidade enorme, o Brasil não chegará à sua neutralidade climática sem o agro fazer o seu papel. Entendemos de maneira muito clara o nosso papel.
Ao mesmo tempo, essa talvez seja a maior oportunidade que a gente tem para gerar excedentes para os outros setores, porque só o agro consegue fazer isso. Enquanto o setor de energia, transporte e saneamento você pode tomar medidas como trocar o combustível, fazer aterros ao invés de lixões para reduzir as emissões, no agro agente tem a oportunidade de capturar gases poluentes. Estamos falando de um potencial de capturar mais de um bilhão de toneladas e isso é mais do que o setor emite. Assim a gente consegue zerar e a partir disso gerar excedentes que a gente pode vender pro mercado.
Uma parcela da população enxerga o agronegócio como o vilão nesse processo de mudança climática. O que o setor está fazendo para tirar essa carga negativa?
Existe um agro ufanista que se enxerga 100% mocinho e existem alguns setores que, por uma questão política ideológica, vê o setor como 100% do vilão. Pra nós é muito claro que o agro mal feito é vilão e o bem feito é o mocinho. No Brasil existe muito mais gente fazendo bem do que fazendo mal.
Então aí nós temos duas questões: é preciso saber contar a nossa história para mudar essa narrativa, mas também é preciso entender que existem pontos para mudança, como, por exemplo, os 160 milhões de hectares de pastos degradados que o Brasil possui hoje.
A ABAG faz parte do Programa Nacional de Conversão de Pastagens do Ministério da Agricultura e estamos trabalhando muito pra que haja mais investimento barato para essa conversão. E esse é um ponto central: se o mundo quiser velocidade nessa conversão, vai ser preciso irrigar mais dinheiro, não tem segredo.
Também estamos ansiosos para ver como o governo federal vai enfrentar essa falsa dicotomia entre a agenda agrícola e a agenda ambiental, como se tivesse que escolher entre trabalhar com um lado ou com o outro. A gente tem certeza de que é possível fazer os dois. Uma boa produção significa preservar porque eu reduzo pressão sobre áreas novas. Eu reduzo pressão sobre o desmatamento. Um passo degradado emite carbono e um pasto recuperado captura.
Qual será a participação do agro na COP 29, no Azerbaijão, e na COP 30, em Belém?
A gente encara as COPs como um processo. A que vai acontecer este ano, no Azerbaijão, vai ser focada em financiamento para a transição climática. E isso nos interessa muito. Vamos com foco em buscar mecanismos de financiamento para que a gente acelere essa transição. Para recuperar um pasto degradado precisa de dinheiro. Os governos vão precisar ajudar nesse processo, porque o governo brasileiro tem outras prioridades também no orçamento. O agro brasileiro precisa de maior volume de recursos e juros menores para fazer essa transição na produção.
Na COP 30, em Belém, onde vai nascer o acordo que vai substituir o de Paris, é onde vamos mostrar a importância e a força da agricultura conservacionista e regenerativa como parte importantíssima da solução do problema climático no Brasil.
Esse é o principal problema que temos que enfrentar no Brasil e um dos principais no mundo. Superando o problema do desmatamento ilegal, esse tipo de produção é onde podemos investir. Hoje o agro brasileiro tem mais de 40 milhões de hectares de produção via processos mais conservacionistas. É uma área maior que a Alemanha.
Como o setor enxerga a polarização política no Brasil e no mundo atualmente?
Vivemos um cenário político muito desafiador. O ex-presidente Trump já saiu do acordo de Paris e, se vencer as eleições, não é novidade que os Estados Unidos vai sair novamente, isso já foi dito. E como a COP é somente uma semana depois das eleições, isso é um ponto que a gente tem que ficar muito atento. Agora, a agenda não vai mudar. Os Estados Unidos são responsáveis por 15% das emissões. Não é por conta da saída temporária dos Estados Unidos do acordo que o mundo vai acabar.
Internamente o cenário também é complicado, porque uma parte do agro entende que a agenda ambiental é de esquerda e os ambientalistas entendem que o agro é de direita. Mas se você perguntar pra um produtor gaúcho se a enchente que aconteceu no estado é de esquerda ou de direita ele não vai te dar essa resposta. O que importa é que ele teve a terra dele perdida.
Nós estamos preocupados com a junção dessa agenda. Eu digo que essa agenda não é de centro, é do alto. A gente precisa ir pra cima, olhar do alto e ajudar o país a crescer. No mínimo 25% do PIB do Brasil vem do agro, 50% das exportações do Brasil vem do agro. Isso tudo permite que o brasileiro tenha acesso a comida barata em relação a vários países do mundo.
Então, ao recuperar uma pastagem, pelo lado do meio ambiente, eu passo a capturar carbono, eu produzo mais co00m menos, eu vou reduzir o desmatamento. E pelo lado do agro significa que eu vou poder produzir e exportar mais carne, uma parte dessa pastagem recuperada pode dar espaço para outras culturas como soja, milho ou cacau. Nossa ideia como associação é falar com todos esses atores de que o Brasil ganha ao abraçar uma agenda agroambiental. E sem querer dizer que essa polarização não existe, ela existe, infelizmente, mas devemos explorar esse lado positivo que existe no Brasil e que o mundo reconhece.