Pela janela de sua casa de madeira, na pequena comunidade do Remanso, Jair Cabral Silveira viu uma horda de garimpeiros avançar com suas balsas sobre as águas do Rio Madeira. Correu para o terreiro para tentar entender o que acontecia. Em seus 74 anos, o ribeirinho acostumara-se à rotina das balsas clandestinas que cortam o rio amazônico para dragar seu leito em busca de ouro. Mas daquela forma, agrupadas em filas de um lado a outro do rio, não.

Espanto maior ainda estava por vir, quando a pequena comunidade, onde vivem cerca de 50 indígenas do povo Mura, no município de Autazes, viu cinco dias depois a paisagem transformada em rota de helicópteros, navios da Marinha, lanchas velozes e uma balsa gigantesca da Polícia Federal. Era a caça ao garimpo que havia começado, uma resposta que as autoridades se viram forçadas a dar, depois de toda a repercussão causada pela audácia dos garimpeiros.

Na manhã do sábado, começou a operação que, em dois dias, queimaria e afundaria nas águas do Rio Madeira 131 dragas do garimpo ilegal. “Nunca teve isso aqui no Madeira. Então, o povo ficou muito assustado. O que aconteceu aqui foi uma humilhação para o garimpeiro. Ele é trabalhador, vive na balsa com a família dele”, avalia Silveira.

As palavras do ribeirinho são repetidas pelos povoados que margeiam a calha do rio. A poucos quilômetros dali, na Vila do Rosarinho, Maria Barros Vieira conta que, na manhã do domingo o posto flutuante de sua comunidade, que é usado como estação por quem chega com barcos, virou alojamento improvisado. “Tinha mulher, criança de colo. O povo estava sem ter o que comer nem lugar para dormir. Passaram a noite ali no flutuante. No outro dia, arrumaram umas doações. Depois, deram um jeito de ir embora.”

A PF afirma que, em cada uma das abordagens, deu algum tempo para que os garimpeiros, seus familiares e ajudantes retirassem seus pertences das embarcações, para então destruir a balsa, um tipo de ação que foi informada ao Ministério Público Federal e que está prevista nas próprias leis ambientais, em situações como essa. Entre as cidades de Autazes, Nova Olinda do Norte e Borba, porém, predomina o entendimento de que os garimpeiros foram injustiçados.

“A gente sabe que tem gente que aluga balsa de outro para fazer o serviço, que freta o barco para empurrar as balsas, mas também tem gente que é dona da draga, que depende daquilo ali para viver, então é uma coisa difícil de aceitar, ver sua balsa afundando, sem ter como fazer nada”, diz Maria.

Em Borba, município mais ao Norte do rio e do qual a Operação Uiara chegou a se aproximar, houve um ato dos garimpeiros na orla, no domingo, contra a destruição dos equipamentos. Ao menos 15 balsas estavam atracadas na frente do acesso da cidade. O movimento foi pacífico, mas o clima é tenso nas populações locais. Em Humaitá, mais ao sul, a prefeitura chegou a falar em indenizar garimpeiros.

RIO SUJO

Esqueça os riscos de contaminação pelo mercúrio usado por garimpeiros na separação do ouro de outros elementos químicos, quando o metal passa pelo processo de filtragem na dragagem do rio. O que agora preocupa os moradores locais é a suposta contaminação da água pelas 131 máquinas e balsas que foram queimadas e afundaram nas águas do Madeira.

Apesar de tudo queimar rápido, os moradores afirmam que a água fica ruim para consumo “O rio fica sujo com esse diesel espalhado, essas máquinas, as coisas todas que eles afundaram. Queimaram balsas demais. Daqui de casa, a gente só via a fumaça subindo na beira do rio”, diz Maria.

Ao receberem mais informações sobre os riscos de contaminação pelo mercúrio, que pode comprometer o consumo de peixes da região, além da própria água, a reação geral é marcada por certa desconfiança. “Eles não jogam o mercúrio no rio. Isso é conversa. Aquilo é muito caro. Eles vão reutilizando, porque também sabem que aquilo polui tudo”, diz o ribeirinho Silveira.

A última etapa da operação da PF pretende dizer se os ribeirinhos e garimpeiros estão livres de altas doses de mercúrio no corpo ou se o material cancerígeno “é uma coisa que falam só para não deixar o povo trabalhar”, como diz Maria.

Na segunda-feira, peritos da PF visitaram as vilas que presenciaram a cidade flutuante formada por mais de 300 balsas. Foram colhidas e catalogadas amostras da água do rio e de plantas das margens. Depois, os agentes foram às casas dos ribeirinhos e cortaram pequenos tufos de cabelo de oito moradores. Cada amostra foi catalogada com os dados deles e lacrada em um saco.

“Faremos essa perícia em toda a calha do Rio Madeira, de Humaitá até a foz. As pessoas precisam entender que o preço disso tudo pode sair muito caro, no futuro, comprometendo não só o meio ambiente, mas a saúde da população”, diz o superintendente da PF no Amazonas, Leandro Almada.

Os fios dos ribeirinhos e indígenas da orla do rio foram enviados ao Setor Técnico da Superintendência da PF no Amazonas, que os analisará. Segundo os peritos, o trabalho será feito com uma tecnologia inédita no País. Os cabelos brancos de Silveira estão entre os colhidos. “Pode cortar, fica à vontade”, disse ele. “Só preciso de um pouquinho, não vou cortar muito, não”, respondeu o agente. Jair agradeceu. “Acho bom fazerem isso”. Sorriu. O olhar desconfiado.

PF

As operações contra o garimpo ilegal lideradas pela PF no Rio Madeira foram concluídas pós três dias de incursões dentro do rio. A retomada de ações, no entanto, é medida já planejada pela superintendência da PF no Estado – e pode ser antecipada se houver novas aglomerações de balsas.

Na semana passada, na região de Audazes, centenas de garimpeiros se dispersaram rio acima para fugir da PF, abandonando as balsas. Alguns garimpeiros afundaram as balsas nas margens, para que não fossem queimadas ou encontradas pelos agentes. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.