A té poucos meses atrás, a regulamentação da venda de terras para estrangeiros estava no topo da lista de prioridades do governo. 27

A decisão de afrouxar as regras para esse tipo de investimento externo chegou a ter votação prevista para o final do mês de março na Câmara dos Deputados, mas foi atropelada por temas fora da pauta política imediata, como a Operação Carne Fraca, e por reformas que têm exigido da gestão de Michel Temer um esforço gigantesco de negociações, como a trabalhista e a previdenciária. Nos próximos 60 dias, porém, o assunto “venda de terra para estrangeiros”, deve deixar novamente os bastidores para voltar ao centro das discussões entre políticos e representes do setor. O que torna o assunto urgente é uma provável injeção de capital ao agronegócio, mais do que bem vinda em um momento de crise. O tema, no governo de Dilma Rousseff, era considerado fora de questão. Já no governo Temer, ganhou destaque. “Este é o terceiro tema prioritário para o setor, depois das reformas trabalhista e previdenciária”, afirma Nilson Leitão, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), um batalhão formado por 220 parlamentares alinhados com o Palácio do Planalto. “Vamos abrir as porteiras do Brasil para o investimento externo”, De acordo com Leitão, a medida pode gerar até R$ 20 bilhões em investimentos iniciais e cerca de R$ 80 bilhões no longo prazo.

Mas, o que parece unanimidade no setor ainda, é um caldeirão em fervura. Isso porque, embora haja consenso amplo na base do governo sobre a necessidade da regulamentação da venda de terras a estrangeiros, há divergências sobre o modelo a ser adotado para a abertura desse mercado. Sem contar com a oposição a Temer, que, evidentemente, é contra a mudança. Até o fechamento dessa edição da DINHEIRO RURAL, havia dois projetos em Brasília. O PL 4.059/12, que tramitava em caráter de urgência na Câmara dos Deputados, de autoria da Comissão de Agricultura da Casa, prevê a liberação da aquisição de terras por estrangeiros, sem limite de área, desde que não ultrapasse 25% do total de um município. O texto também restringe a compra por fundos soberanos, ONGs com sede no exterior e arrendamento por tempo indeterminado. Em um segundo texto, o deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), inicialmente pretendia estabelecer um limite de 100 mil hectares para a compra e outros 100 mil hectares para arrendamento. Mas uma nova versão do projeto sem restrições de área à venda de terras aos estrangeiros deve ser apresentada. Cardoso Júnior foi escolhido para ser o relator do projeto de lei pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no final do ano passado. “A intenção é unificar os dois textos para criar um novo”, afirma Leitão.

A definição de limites, ou a ausência deles, colocou até a base aliada em lados opostos. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, é a favor da regulamentação da venda de terras para estrangeiros, mas com ressalvas. Ele defendia a limitação da venda de terras destinadas a culturas anuais, como a soja e o milho. “Minha posição continua sendo essa, mas foi vencida”, diz ele. “E se um fundo de investimento comprar uma área expressiva e resolver não plantar porque o preço de Chicago está ruim? O que acontece? Um desastre para a economia”, afirma Maggi. Nesta questão, o ministro que já foi chamado de “o rei da soja” tem o apoio da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), que promete pressionar contra a permissão da venda de terras em áreas de grãos. A base governista deve enfrentar posições ainda mais acirradas, como a da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura (Contag), alinhada com grupos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. A entidade é contrária à regulamentação da venda de grandes áreas porque isso poderia encarecer as terras no País, colocando para escanteio a agricultura familiar, responsável por 70% da produção dos alimentos consumidos no Brasil. “Se essa abertura acontecer a possibilidade de uma reforma agrária termina”, diz Alberto Ercílio Broch, presidente da Contag. “Essa porteira aberta aos estrangeiros ampliará ainda mais a concentração da posse de terras no Brasil.”

ESTRADA O acesso irrestrito de estrangeiros às terras brasileiras foi fechado em 2010, quando um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) determinou que as empresas com capital social de maioria estrangeiro deveriam respeitar as regras previstas na lei 5.709, de 1971. Entre elas estava o limite de aquisição de no máximo 25% da área de um município e até 50 Módulos de Exploração Indefinida (MEI), no caso de pessoa física, ou 100 MEI no caso de pessoa jurídica. O MEI varia de cinco a 100 hectares, de acordo com o município. Ou seja, na prática sempre foi possível a estrangeiros comprar terras. Mas a regra inibe grandes investimentos.

MAIS VALORIZADAS:  em parte do Centro-Oeste, mais no Sudeste e no Sul, as grandes extensões de boas terras produtivas já estão tomadas. As que forem à venda podem valer muito
MAIS VALORIZADAS: em parte do Centro-Oeste, mais no Sudeste e no Sul, as grandes extensões de boas terras produtivas já estão tomadas. As que forem à venda podem valer muito (Crédito:TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO)

O Brasil possui atualmente 2,8 milhões de hectares em posse de estrangeiros, de acordo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Essas terras equivalem a 1% da área agricultável brasileira, o mesmo tamanho do Estado de Alagoas, de países minúsculos como o Haiti ou quase uma Bélgica. “O que existe de fato não é uma restrição à venda de terra aos estrangeiros, mas à entrada de recurso que vêm de fora”, afirma André Guillaumon, diretor presidente da BrasilAgro. “Mas capital é sempre bem vindo”. Na BrasilAgro, 40,6% do capital é da argentina Cresud e o restante está na B3 (antiga Bovespa). São 141,4 mil hectares no Centro-Oeste e Norte para a produção de grãos. No ano passado, a receita foi de R$ 147,1 milhões e lucro líquido, de R$ 10,6 milhões.

matopiba:  na região de cerca de 73,1 milhões de hectares ainda é possível comprar extensas áreas de terra ainda com vegetação nativa ou de pastagens em áreas degradadas
Matopiba: na região de cerca de 73,1 milhões de hectares ainda é possível comprar extensas áreas de terra ainda com vegetação nativa ou de pastagens em áreas degradadas (Crédito:TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO)

Para Marcelo Vieira, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), a abertura do mercado pode mexer com o preço das terras no País. “A regulamentação pode valorizar o nosso patrimônio”, diz Vieira. “Também ficaremos mais competitivos com a difusão de novas tecnologias trazidas pelos investidores, o que nos dará um ganho de produtividade significativo.” Osmar Bergamaschi, diretor da Acqua Capital, fundo de investimento voltado exclusivamente para o agronegócio, que tem em seu portfólio empresas como Comfrio, Yes, Aquafeed, Grand Cru e Geneseas (leia mais na pág. 40), afirma que a regulamentação da venda de terras deve atrair dois tipos de investidores. O primeiro é formado por governos interessados em garantir a

blairo maggi:   o ministro da Agricultura diz que  a venda de grandes áreas de terras a estrangeiros pode  ser aberta, mas  com ressalvas
Blairo Maggi: o ministro da Agricultura diz que a venda de grandes áreas de terras a estrangeiros podeser aberta, mas
com ressalvas (Crédito:SERGIO DUTTI)

soberania alimentar em seus países, caso o novo texto não barre os fundos soberanos. “Outros países devem seguir o exemplo do governo da China, país que tem 9,4 mil hectares no Brasil, entre eles a Índia e outras nações da Ásia e do Oriente Médio”, afirma Bergamaschi. O segundo grupo é composto por grandes empresas do setor, como os fundos de investimento, as tradings e as companhias já consolidadas, em busca de maior participação no mercado. Hoje, o preço médio de um hectare em Piracibaca, por exemplo, chega a R$ 31.6 mil. “No Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste os preços são inacessíveis para grandes áreas”, diz Bergamaschi. Mas o executivo calcula que haja até 30 milhões de hectares para investimento no Estado do Pará e no Matopiba, uma área de 73,1 milhões de hectares na confluência dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. No Maranhão, por exemplo, o preço médio de um hectare no oeste é de R$ 4,4 mil. “Disponíveis no mundo, não há tantas áreas com o potencial produtivo como no Brasil ”, diz ele. “Na África, por exemplo, até existe solo fértil, mas sem a tecnologia que a agropecuária brasileira tem.”

28