19/04/2021 - 8:01
Cabo Frio (RJ) já não tinha mais leitos de UTI disponíveis quando o prefeito José Bonifácio (PDT) decidiu viajar 132 quilômetros em busca de ajuda. O destino era o município de Maricá (RJ), governado pelo petista Fabiano Horta, que naquele momento vivia uma situação bem diferente, com taxa de ocupação em 40,8%. Além dos leitos, o município da Região dos Lagos sofria com a falta de insumos importantes para o tratamento de casos de covid-19, e foi a colaboração do vizinho que ajudou a desafogar o sistema de saúde naquele momento.
A falta de medicamentos, insumos e outros itens importantes para o tratamento de casos graves de coronavírus é realidade em todo o País. E, para evitar o colapso e poupar vidas, a solução encontrada por prefeitos tem sido buscar apoio em municípios próximos, por ser mais rápido e sem burocracias.
A ajuda tem ocorrido de maneira informal e apartidária – apesar do momento de polarização no País. Os secretários de Saúde da Grande São Paulo, por exemplo, mantêm um grupo de WhatsApp para trocar informações em tempo real sobre a situação de cada lugar. O combinado para aqueles que recebem algum item emprestado é devolver assim que possível, para que não haja desabastecimento.
No caso de Cabo Frio, a cidade de Maricá cedeu uma ambulância e alguns insumos que estavam em falta, relatou a secretária de Saúde do município, Simone Costa e Silva. “Assinamos ainda um convênio para disponibilizar leitos de UTI em Maricá para os pacientes cabofrienses”, afirmou.
Bonifácio disse que a UTI é um “problema sério” na região. Sobre a ausência de medicamentos, ele afirmou que a cidade fez licitação no ano passado, mas os laboratórios vencedores se recusaram a entregar o pedido pelo preço combinado. Como ficar sem medicamento não é uma opção, Bonifácio tem recorrido à ajuda da cidade vizinha. “É quase como se fosse um almoxarifado da nossa própria Secretaria Municipal de Saúde”, brincou o prefeito.
Na Grande São Paulo não tem sido diferente. A prefeitura de Santo André afirma ter ajudado nove cidades da região, entre elas Diadema, Guarulhos e Rio Grande da Serra. A lista daquilo que foi emprestado é quase toda de itens essenciais, alguns inclusive do chamado “kit intubação”, hoje em escassez no País.
Um deles é o bloqueador neuromuscular, usado para paralisar o paciente intubado e permitir que ele fique em estado de relaxamento enquanto o respirador trabalha. Sedativos e medicamentos que controlam a pressão e reduzem o risco de formação de coágulo também estão na lista. Há ainda materiais básicos, como sabonete, lidocaína gel (anestésico tópico para aplicar em mucosa), máscaras, luva, compressa de gaze e até dipirona.
“Há uma rede de reposição entre as cidades para que não falte insumo para ninguém. Foi um formato que criamos para evitar o colapso”, disse o prefeito de Santo André, Paulo Serra (PSDB). A cidade não corre o risco de desabastecimento, e por isso, tem sido uma das que mais ajudam na região. Serra afirmou sentir falta de uma “articulação” em âmbitos institucionais superiores – os governos federal e do Estado.
Governança
A rivalidade entre PSDB e PT foi deixada de lado para ajudar a vizinha Diadema, comandada pelo prefeito José de Filippi (PT). “Eu sempre acreditei na governança coletiva, de troca e cooperação entre as cidades”, disse o petista. Filippi relatou que, quando assumiu a prefeitura, no começo do ano, todos os contratos de fornecimento de medicamentos tinham se encerrado em dezembro. “Nos primeiros 30, 40 dias de governo, esse apoio de Santo André foi fundamental para salvar vidas.”
Hoje, o município consegue até ajudar outras cidades, como Rio Grande da Serra, do prefeito Claudinho da Geladeira (Podemos). “A questão partidária é importante para cada um. Mas agora, nesse ambiente de guerra, precisamos estar de mãos dadas”, afirmou Filippi.
Na região de Campinas, o intercâmbio sempre existiu, segundo o diretor técnico do Hospital Mário Gatti, Carlos Arca, mas, na pandemia, isso se tornou mais frequente e mais urgente.
“Já pedimos emprestado e também emprestamos, por exemplo, para cidades como Paulínia.” Segundo ele, o processo tradicional de ter que pedir medicamentos é mais “moroso”, pois depende de canais competentes e de toda uma documentação. “Existem situações de vida ou morte. Se um hospital precisa de um item imediatamente, por que não vou emprestar?”, questiona. “Pela conversa informal é bem mais rápido.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.