21/09/2020 - 19:07
Em meio às discussões em torno de pontos de uma reforma tributária ideal para o país, a simplificação do atual sistema brasileiro sobre arrecadação e distribuição de tributos tem alcançado unanimidade entre os atores que discutem o assunto. Na edição desta semana do programa Brasil em Pauta – Especial Reforma Tributária, que vai ao ar hoje (21), às 22h30, na TV Brasil, o tema volta à tona permeado por diferentes argumentos.
Doutor em direito tributário pela Universidade de Münster, na Alemanha, o professor da FGV Direito Rio Gustavo Fossati explica que uma das causas para tantas disputas judiciais sobre tributação é a repartição das competência tributárias prevista na Constituição Federal. O atual modelo divide entre União, estados e municípios a responsabilidade por arrecadar e distribuir tributos como Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Impostos sobre Serviços (ISS).
“Essa repartição de competências tributárias do consumo não é comum nos países desenvolvidos e membros da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], os quais têm a tributação sobre o consumo sobre a forma de um imposto só. Só o fato de termos, no mínimo esses três impostos, ao invés de um, e cada um desses impostos sobre a competência de um ente federativo diferente, isto automaticamente já leva a disputas ou à chamada guerra fiscal”, afirma.
Como advogado, Fossati tem dezenas de processos tratando sobre o assunto. “Isto abarrota os tribunais. No âmbito dos países mais desenvolvidos, como países membros da União Europeia, essa questão já está resolvida desde 1968”, disse. Levantamentos apontam que a disputa judicial sobre tributos no país envolve montantes de cerca de R$ 1,5 trilhão por ano. “Boa parte desse valor decorre da gente ainda não ter um IVA [imposto único sobre o consumo que tem sido defendido pelo governo]. Se a gente tivesse um IVA único, de base ampla, a arrecadação seria uma só e, no momento posterior, a gente trabalharia a repartição dessa receita entre os entes federativos”, defendeu.
Autor do livro Constituição Tributária Comentada, Fossati afirma que a simplificação é caminho necessário para a redução dos litígios judiciais e consequentemente custos para empresas e governos. O especialista garante que as propostas em tramitação no Congresso Nacional – propostas de Emenda à Constituição (PEC 45 e PEC 110) e o projeto apresentado em julho pelo governo federal (PL 3887) – não ferem o pacto federativo que trata da repartição de competências e distribuição de receitas entre União, estados e municípios.
Para ele, é importante que todos os entes busquem solução nas mudanças das regras tributárias em prol de um Brasil único. “O Estado é um só formado pelo povo, pelo Estado e pela soberania. Temos um Brasil só. Seja o representante da União, dos estados ou dos municípios, ele tem que lutar por um Brasil só. Esse é um momento de esforço político de se unir”, disse. Nesse debate, Fossati não hesita em defender que municípios recebam uma fatia maior do bolo. “A vida acontece nos municípios e a Constituição Federal preceitua que os assuntos de interesse local são de competência dos municípios e a maioria das questões são assuntos locais. Quem mais vai ter que colocar a mão na massa são os municípios. Os municípios vão precisar de mais dinheiro para isto. Precisam receber uma fatia maior da receita tributária e espero que seja através da unificação dos tributos sobre o consumo em um único tributo”, afirmou.
O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi, admite que a discussão é complexa e lembra que o trabalho da entidade é defender as necessidades da gestão local, mas, reconhece: “Não podemos olhar a árvore. Temos que olhar a floresta, o Brasil. Neste momento, a gente precisa de união, entendimento e compreensão de todos. A oportunidade de colocarmos, em prática o que ministro [da Economia, Paulo] Guedes tem defendido: colocar o recurso onde tem a necessidade, onde as pessoas estão”, disse.
A simplificação é uma das premissas defendidas pela CNM para aumentar os investimentos locais e atrair investimentos estrangeiros como forma de ampliar a geração de emprego e renda para que os brasileiros. Nesta linha, Aroldi faz coro à defesa de um imposto único sobre consumo, mas com a garantia de participação dos três entes federativos. “Com um comitê paritário que possa controlar, administrar e fazer a distribuição, o compartilhamento desses impostos. Defendemos uma reforma ampla. Não dá para ter três, quatro ou seis impostos sobre o consumo como o Brasil tem hoje. Uma demanda judicial é hoje 70% do PIB nacional. Alguma coisa ou muita coisa não está funcionando”, lamentou.
Segundo ele, desde a Constituição de 1988 foram definidas competências e compartilhamento do bolo tributário. “De lá para cá, União e estados transferiram competências – que chamamos de responsabilidades – e não transferiram, na mesma proporção, os recursos necessários. Precisamos e devemos trabalhar para corrigir numa reforma tributária”, afirmou. Para o representante das mais de 5,5 mil cidades brasileiras, além da reforma tributária, é preciso investir na regulamentação de um pacto federativo adequado e em outras reformas como a administrativa. Aroldi acredita que, juntas, essas iniciativas seriam suficientes para “preparar o Brasil para o caminho do desenvolvimento, trabalhando as desigualdades regionais e sociais. Temos hoje municípios pobres em estados considerados ricos e municípios ricos em estados considerados pobres. A reforma tributária, o pacto e a reforma administrativa podem amenizar essas distorções”, completou.