Comandante do Banco Central nos dois primeiros governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Henrique Meirelles diz que o embate criado pelo petista com a autoridade monetária traz ruídos e incertezas, o que “força o BC a ser um pouco mais duro na sua política monetária”.

Na leitura de Meirelles, Lula está numa espécie de volta ao passado. “É importante mencionar que ele foi candidato em 1989, 1994 e 1998, defendendo linhas desse tipo”, afirma o economista, que também ocupou o cargo de ministro da Fazenda na gestão de Michel Temer. A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Como o sr. analisa esse embate entre Lula e BC?

Esses ataques ao Banco Central, do ponto de vista objetivo do que gostaria o presidente (Lula), que é baixar a taxa de juros, têm o efeito contrário. Na medida em que ele ataca o Banco Central, cria ruídos e incertezas no mercado. E o que acontece? As expectativas de inflação sobem, o que força o Banco Central a ser um pouco mais duro na sua política monetária do que seria caso o presidente sinalizasse o contrário.

Essa disputa também coloca mais pressão em relação ao perfil dos próximos diretores que serão indicados para o BC?

Nós temos uma escolha à frente de dois diretores. Tem uma indicação (feita pelo) do BC, mas, de fato, o presidente da República tem a prerrogativa legal de sugerir os nomes para o Senado. Ele pode aceitar ou não essa indicação do BC. Ao Senado, depois cabe aceitar ou não as indicações do presidente. Isso cria uma incerteza grande em todos os agentes econômicos, todos os formadores de preço. Não só nos agentes financeiros, qualquer formador de preço, no pequeno empresário, médio e grande empresário. Na medida em que eles acham que a inflação vai subir, eles sobem mais os preços.

O sr. foi presidente do BC nos dois primeiros governos Lula. Qual sugestão faria para ele?

Deixa o BC trabalhar. É a melhor forma de conseguir que os juros baixem o máximo possível. Quanto mais o BC for visto como capaz de tomar as suas próprias decisões e controlar a inflação, mais caem as expectativas e mais o BC pode cortar a taxa de juros, que é o desejo de todos, inclusive do próprio Banco Central, desde que não cause inflação e seja possível dentro das projeções inflacionárias dos modelos. Em resumo, é um momento de racionalidade. Tem muitas coisas que o presidente pode fazer, áreas em que o Lula pode se dedicar que são muito importantes para o País, tipo a educação, saúde, meio ambiente – e ele está indo bem nesses aspectos.

Como o sr. vê a postura do ministro Fernando Haddad nesse embate?

Eu acho que o Fernando Haddad está fazendo o papel certo de apaziguar e tirar esse assunto de cena. O governo tem muita coisa para discutir, e discutir o BC é improdutivo.

O sr. se surpreende com uma postura do Lula pouco pragmática na área econômica?

Eu vou usar uma expressão antiga: me surpreende, mas não caí da cadeira. O Lula está numa fase diferente. Ele foi presidente duas vezes, depois teve o governo Dilma, que ele acha que foi injustiçado pelo mercado, pelas empresas. Teve uma vida pessoal difícil nesse período. O Lula acha que está num período de fazer aquilo que ele acreditava no passado. É importante mencionar que ele foi candidato em 1989, 1994 e 1998, defendendo linhas desse tipo. O Lula fez uma mudança em 2002, quando lançou a Carta aos Brasileiros, no primeiro mandato. Mas está um pouco numa volta ao passado, às campanhas que ele fez na década de 1990 e, portanto, é algo que é surpreendente considerando que ele fez um governo que deu certo, mas, por outro lado, dá para entender pela história toda o que o está influenciando a essa altura.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.