24/05/2022 - 13:00
Fonte de escândalos no governo Bolsonaro, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) pode ter suas diretrizes alteradas pelo Congresso. Um projeto de lei apresentado pelo deputado Professor Israel Batista (PSB-DF) obriga a realização de sabatinas dos indicados para compor a cúpula do órgão. Após o escrutínio no Senado, os nomes precisariam ser aprovados em votação.
“De forma a dar visibilidade a esses atores, permitir que senadores tenham consciência de onde eles vêm, quem são, permitir que a oposição faça um escrutínio sobre eles”, afirmou o parlamentar, que preside a Frente Parlamentar Mista de Educação, em entrevista ao Broadcast Político, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.
O FNDE é presidido por Marcelo Ponte, apadrinhado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Para Israel, o próximo passo é convencer os partidos da necessidade de mudanças no órgão. “É justamente sobre o Centrão que a gente pretende exercer pressão.”
O deputado defende também um mandato de quatro anos para os conselheiros do FNDE, além da realização de análise de impacto para a alocação de recursos do órgão.
Como revelou o Estadão/Broadcast, houve risco de sobrepreço de até R$ 732 milhões em uma licitação para a compra de quase 4 mil ônibus rurais escolares, além da construção de “escolas fake” ao mesmo tempo em que outras obras estavam paradas.
As reportagens mostraram ainda que um gabinete paralelo de pastores atuava na liberação de recursos a prefeituras, até mesmo com cobrança de propina em ouro. O caso levou à queda do então ministro da Educação, Milton Ribeiro.
Veja os principais trechos da entrevista:
O senhor apresentou projeto de lei que altera as regras do FNDE. Acredita que a proposta pode avançar em ano eleitoral?
Isso gera um impacto que a gente não pode prever. Colocar o projeto este ano, para que ele comece a tramitar, é muito importante, porque têm projetos que demoram anos para serem aprovados, dependem de maturação e de mobilização. Temos uma necessidade urgente de alinhar o FNDE com o que há de mais moderno em termos de transparência, de governança. Eu estou animado porque várias entidades que têm um trabalho reconhecido na área de educação estão apoiando a ideia. E, ao mesmo tempo, vejo que este é o momento de a gente apontar as falhas do FNDE e apresentar soluções.
A Frente esteve, nos últimos dias, focada na discussão do homeschooling (educação domiciliar), projeto que foi aprovado na Câmara. A partir de agora, o debate sobre o FNDE vai aumentar?
Sim. O próximo passo é ver se os líderes dos partidos são sensibilizados pelos deputados signatários. Vários deputados são coautores. Nós vamos pedir para que esses parlamentares pleiteiam com seus partidos essa tramitação. Entreguei o projeto para o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), presidente da Comissão de Educação. Ele participou da entrega, juntamente com a deputada Luísa Canziani (PSD-PR), que é mais ligada ao governo, para o ministro Victor Godoy, da Educação. Estamos formando uma articulação pluripartidária, para que o projeto não seja exclusivamente de oposição. A ideia é fortalecer o FNDE, blindá-lo dessas interferências indevidas, ainda mais num momento em que o orçamento do FNDE é cobiçado na Esplanada.
O senhor disse que o projeto foi apresentado ao ministro da Educação. Qual foi a reação dele?
Ele foi nos visitar na Câmara. Nessa ocasião, a gente entregou o projeto, na Comissão de Educação. Ele se comprometeu a estudar o projeto e a fortalecer a segurança e a blindagem do FNDE contra essas interferências. De certa forma, ele se desvinculou das ações que levaram a gente a propor esse projeto, que são as dos lobistas que agiam como intermediários entre o FNDE e algumas prefeituras.
O ministro da Educação participou de audiências públicas no Congresso para explicar as interferências no MEC. As explicações dele foram suficientes?
Eu avalio que ele tem um perfil técnico e conseguiu explicar algumas coisas, não o suficiente para retirar qualquer tipo de responsabilidade do ministério, mas para evitar que os acontecimentos se vinculassem a ele. Ele fez questão de demonstrar cabalmente que a gestão dele como secretário-executivo do Ministério estava sujeita às ordens do ministro, que fazia uma outra política. Ele teve sucesso em se desvincular dos acontecimentos, mas ele nem tentou livrar a gestão anterior.
O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tem bastante influência no FNDE. E ele é do PP, um dos principais partidos do Centrão. O senhor acha que o Centrão pode barrar o projeto?
É justamente sobre o Centrão que a gente pretende exercer pressão, porque a oposição já está do lado dessas mudanças. Então, agora, é um trabalho de muita dedicação com os partidos. O período eleitoral pode dificultar um pouco porque os parlamentares estão em seus Estados. Mas a intenção é conversar com a Dorinha, que é do União Brasil, para que ela possa fazer uma interferência dentro do partido, com a Luísa Canziani, que é do PSD, para que ela possa trabalhar no partido dela, com a deputada Ângela Amin, do PP. Obviamente, vai haver resistências.
Qual a importância de os indicados para a diretoria do FNDE passarem por sabatinas e terem de ter o nome aprovado pelo Senado?
De forma a dar visibilidade a esses atores, permitir que senadores tenham consciência de onde eles vêm, quem são, permitir que a oposição faça um escrutínio sobre eles. A oposição, obviamente, tem um caráter fiscalizador muito importante. Se houver algo gritante, algo que realmente impeça essa nomeação, que o Senado possa apontar. Uma sabatina no Senado é um acontecimento que dá visibilidade aos nomes e atrai a atenção do público.
O senhor fala que o FNDE ganhou importância crescente nos últimos anos, mas que a lei de 1968 (que criou o órgão) não foi atualizada para acompanhar. Esse cenário deixou o órgão vulnerável a uma captura pelos políticos?
A maior parte dos recursos do FNDE não está debaixo do poder discricionário dos gestores, o que é algo positivo. O problema que nós temos é que o FNDE ganhou mais importância e, obviamente, se tornou algo muito interessante para os partidos políticos, para grupos que querem dominar esse orçamento. A legislação do FNDE é antiga. A gente precisa fazer uma revisão para que o FNDE tenha mecanismos de governança mais modernos. A exemplo do que tem hoje o Cade, a Agência Nacional de Proteção de Dados, a Anatel.
O senhor propõe análise de impacto das medidas tomadas pelo FNDE. De onde surge essa necessidade e o que poderia mudar?
A gente melhoraria, certamente, a qualidade da compra pública. Há muito desperdício. Essa análise de impacto poderia evitar isso. É importante porque você consegue, por exemplo, ajustar as compras regionalmente para que essas compras públicas animem a economia da região. Você tem que aproveitar essa compra ao máximo que você puder, em termos de qualidade. Vai fazer diferença lá na ponta.
A Frente de Educação foi contra o projeto do homeschooling. Por que houve tanto apoio a essa proposta na Câmara?
A resposta para isso é complexa, mas para mim faz todo sentido. O homeschooling afeta poucas pessoas, é incapaz de mobilizar a sociedade no esforço contrário e é prioridade do governo, que tem um mecanismo de formação de coalizão muito eficiente, que são as emendas de relator. O deputado faz um cálculo. Ele pensa: “o governo tem me beneficiado como nunca antes com acesso a emendas, essa pauta afeta poucas pessoas, por que eu não vou agradar ao governo nessa pauta?”.
O homeschooling deve enfrentar mais resistência no Senado?
Sim. Eu imagino que no Senado seja mais difícil. Primeiro, porque o presidente Rodrigo Pacheco me parece menos tolerante à pauta de costumes. A pauta do Senado tem sido mais séria. Por exemplo, o Senado aprovou por unanimidade o Sistema Nacional de Educação, que era um grande pedido da sociedade civil, da bancada da educação, dos especialistas. E apesar de ter ido para a Câmara com unanimidade, até agora não foi designado um relator. Ou seja, as pautas diversionistas têm mais espaço na Câmara do que no Senado.