Dinheiro, no campo: a expectativa para 2015 é de um maior dinamismo nas transações comerciais, principalmente nos setores de produção de grãos, nutrição e saúde animal, insumos e serviços

Nos últimos tempos, e com uma frequência cada vez maior, ao abrir os e-mails em seu computador, a executiva Ana Malvestio, sócia e líder de agribusiness da PriceWaterhouseCoopers (PwC), uma das maiores consultorias mundiais empresariais, encontra mensagens de empreendedores de várias partes do mundo solicitando informações sobre a produção agropecuária brasileira. “Com a desvalorização do real, os nossos ativos estão bem baratos”, afirma Ana. “Isso está despertando a atenção dos investidores, principalmente dos asiáticos.” Segundo ela, cada vez mais, os estrangeiros estão sondando o mercado local, o que  pode alavancar as operações de fusão e aquisição por aqui.


“Com a desvalorização do real, nossos ativos estão bem baratos” 
Ana Malvestio,sócia e líder de agribusiness da PwC

Em 2014, o mercado brasileiro registrou 879 transações dessas modalidades, das quais 14 aconteceram no agronegócio, equivalentes a 2% do total. Dessas operações, apenas duas foram promovidas por estrangeiros. Mas, para 2015 a expectativa é de um maior dinamismo. Até o mês passado, cinco já haviam sido fechados, entre eles os que envolveram a SinAgro, sediada em Primavera do Leste (MT), e a In Vitro Brasil, de Mogi Mirim (SP). “Nossa expectativa é de que essas transações se intensifiquem até dezembro, porque o cenário está favorável”, diz Ana. Entres os vários segmentos, os mais atrativos são os de revendas de insumos e de produção de grãos, além de genética, nutrição e saúde animal.

A compra de 40% do controle do Grupo SinAgro, que atua nas áreas de produção de grãos, distribuição de insumos e prestação de serviços, foi fechada em março pela companhia indiana de agroquímicos United Phosphorus Limited (UPL), que faturou globalmente US$ 2,2 bilhões, no ano passado. De acordo com Filipe Pontoglio, sócio da FG Agro, assessoria financeira de Ribeirão Preto (SP), que participou do processo, o grupo brasileiro estava bem estabelecido, com uma estrutura societária organizada e  precisava de uma oportunidade para continuar crescendo. “Ajudamos a formatar essa aquisição, que demandou dez meses de negociações”, diz Pontoglio. O valor da transação não foi revelado. No ano passado, a SinAgro faturou
R$ 1,5 bilhão e a previsão é chegar a R$ 1,7 bilhão neste ano.


“Acredito que hoje as oportunidades são para todos no agronegócio” Alvaro Gallo, da Trench, Rossi e Watanabe

Já o negócio com a In Vitro Brasil, criada por um grupo de pecuaristas, em 2002, e transformada em sociedade anônima em 2010, foi fechado em fevereiro deste ano pela britânica Genus, especializada em genética animal, que pagou R$ 20 milhões por 51% do seu capital. Na ocasião, a In Vitro Brasil, a principal produtora de embriões bovinos no País, através da técnica de fertilização in vitro (FIV), já contava com laboratórios em vários países, entre eles os Estados Unidos, a Colômbia, a Venezuela, a Rússia e a África do Sul. De acordo com o advogado Álvaro Gallo, do escritório Trench, Rossi e Watanabe, de São Paulo, que participou da transação, o grau de profissionalização da empresa brasileira foi o ponto chave para consolidar o negócio. “Não há como fugir dessa receita”, diz.

LEQUE DE OPÇÕES  Para os especialistas ouvidos pela DINHEIRO RURAL, o agronegócio tem potencial para novas aquisições e fusões, por ser um setor ainda altamente pulverizado da economia. Mas, para Ana, da PwC, apesar de não faltarem investidores estrangeiros interessados, para que elas se consolidem um fator fundamental é o aprimoramento da gestão das empresas do agronegócio. “A ausência de governança ainda é um impeditivo”, diz ela. “Um movimento interno de preparação dessas empresas traria mais agilidade aos processos.”


“A entrada de um sócio é uma forma de desenvolver a governança corporativa”Filipe Pontoglio, da FG Agro

Para os especialistas, entre as amarras a serem desfeitas está o desconhecimento do produtor rural sobre as vantagens dessas transações. A fusão, por exemplo, é uma opção interessante para médios e grandes empreendimentos, geralmente de mesmo porte, que unem seus patrimônios para formar uma nova empresa, o que gera ganhos de mercado e sinergia operacional. No caso da aquisição, o leque de opções é mais amplo: o investimento pode vir de uma multinacional ou de um fundo, por exemplo, e o produtor não precisa se desfazer da sua empresa.  “O empresário pode vender uma participação inferior a 49%, por exemplo, para alavancar o crescimento do negócio, além de permanecer no comando”, afirma Pontoglio.

Segundo o consultor, entre as tarefas de quem busca por investidores estão a regularização do  fluxo de caixa, a estruturação das operações e a preparação de plano de negócios atraente.  “A entrada de um sócio é uma forma de reforçar o patrimônio, incrementar a estrutura de capital e desenvolver a governança corporativa”, diz Pontoglio.  Para Gallo, o empresário interessado em oportunidades deve ter regras claras na condução do seu negócio e transparência nos números. “Quem toca um empreendimento à moda caseira causa desconfiança no investidor”, afirma.  Antes de fechar uma transação, o investidor passa um pente fino na companhia, geralmente através de auditorias. É por isso que esse tipo de operação demanda um certo tempo para ser costurada, o que exige muito cuidado contratual no estabelecimento das regras e dos mecanismos de remuneração, de acordo com as expectativas dos sócios.


Parceria: por R$ 20 milhões, a Genus levou 51% da In Vitro Brasil. Na foto acima, o laboratório da empresa, em Mogi Mirim (SP)

Outro ponto que exige um cuidado especial é a situação tributária da companhia envolvida. Os investidores estrangeiros costumam  ficar atentos a esse quesito, já que o Brasil possui uma malha fiscal complexa. Segundo Gallo, os investidores fogem como o diabo da cruz de empresas com passivos trabalhistas. “O estrangeiro busca por empresas que não representem risco”, diz Gallo. “A produção precisa estar totalmente regularizada, respeitando a legislação.”  Para ele, no entanto, as aquisições e fusões não devem atrair apenas o capital internacional. “Acredito que hoje as oportunidades são para todos no agronegócio”, diz. “Os empreendedores do próprio setor, ou de outros setores, também devem aproveitar esse momento de economia fragilizada para consolidar mercado, comprando empresas menores.”