27/03/2013 - 18:22
Enquanto os agricultores brasileiros estão colhendo uma safra recorde da ordem de 185 milhões de toneladas de grãos, faltam motoristas para os caminhões parados nas transportadoras, que deveriam estar no campo retirando essa colheita. Estima-se que, atualmente, haja 60 mil vagas para caminhoneiros no País. Não há estatísticas oficiais sobre a parcela dessa escassez que cabe ao agronegócio, mas não é difícil imaginar o tamanho do buraco. Tudo o que é produzido no campo necessita de transporte sobre quatro rodas, mesmo que depois se tome um barco ou um trem para chegar ao seu destino final. Para as transportadoras ligadas ao setor, preencher o quadro de profissionais do volante não tem sido uma tarefa fácil. Gelson Pavoni, diretor da transportadora Rodobelo, de Campo Grande (MS), empresa que atende a gigantes como Cargill e Cutrale, diz que atualmente há pelo menos 15 vagas abertas e não encontra profissionais no mercado. Além da falta de mão de obra, Pavoni diz que há despreparo para a atividade no setor e a maioria dos candidatos aos postos de trabalho não está apta a exercer a profissão. “Só a habilitação não basta”, diz Pavoni. “É preciso ter experiência, pois não posso colocar um caminhão carregado com 50 toneladas de grãos na mão de qualquer um.”
Segundo Eduardo Rebuzzi, presidente da Federação do Transporte de Cargas do Estado do Rio de Janeiro (Fetranscarga), os novos caminhões possuem sistemas de câmbio e freio de última geração e computador de bordo, entre outras novidades, uma modernização que exige caminhoneiros cada vez mais especializados. “Os veículos evoluíram rapidamente, mas eles não acompanharam essa mudança”, diz. “Precisamos de motoristas com um maior nível educacional e atrair jovens para essa atividade.” Na Rodobelo, entre salário fixo e adicionais de produtividade a média salarial varia de R$ 2,5 mil a R$ 3,5 mil. “É uma remuneração compatível com outras profissões”, afirma Pavoni. A empresa, fundada em 1989, tem em seus quadros mais de 100 motoristas, dos quais cerca de 60% deles estão na empresa há mais de seis anos. A idade média está em torno dos 45 anos e o percurso médio percorrido por mês é de nove mil quilômetros. Os demais 40% não chegam a completar um ano na empresa. “Outro grande problema é a alta rotatividade”, diz Pavoni. Para ele, muitos fatores contribuem para esse resultado, principalmente a má qualidade das rodovias e a insegurança. “Tivemos motoristas assaltados que desistiram da profissão”, diz.
A falta de caminhoneiros também é resultado de uma mudança cultural que vem ocorrendo nos últimos 20 anos, segundo Nélio Botelho, presidente do Movimento União Brasil Caminhoneiro. Antigamente, ser caminhoneiro era ter uma atividade aventureira, tema de séries de televisão, como Carga pesada, exibida pela Rede Globo. Hoje, no entanto, a imagem desse profissional está desgastada e desvalorizada. “Era uma profissão passada de pai para filho”, diz Botelho. “Mas o jovem de hoje quer cursar uma faculdade para ter uma qualidade de vida melhor, e ele tem razão.” Botelho ainda alerta para a realidade dos caminhoneiros autônomos. “Falta remuneração compatível.” Muitos sobrevivem com um rendimento bruto em torno de R$ 12 mil por mês, valor insuficiente para a manutenção adequada do caminhão e o salário do profissional.
Não por acaso, lembra Marcos Jank, especialista em negócios internacionais e ex-presidente da Unica, os produtores dos Estados Unidos colocam em suas análises e previsões de mercado, a logística deficitária do Brasil. “Os americanos não estão preocupados com o tamanho da safra brasileira, mas sim com a capacidade de colocá-la nos portos até setembro e outubro, período da colheita nos Estados Unidos”, diz Jank. Na sua opinião, a dobradinha safra abundante/logística deficitária é perigosa para o agronegócio brasileiro e preocupa os produtores há anos. Neste ano, às vésperas do pico de colheita da soja, entre março e maio, há um agravante: está efetivamente em vigor, desde janeiro, a Lei 12.619, que impõe aos motoristas de caminhão uma jornada de trabalho de oito horas – com repouso de 11 horas por dia –, e ainda um descanso de, pelo menos, 30 minutos a cada quatro horas de trabalho. Na opinião dos especialistas, a despeito de suas boas intenções, num primeiro momento, a chamada “lei do motorista” reduz a produção desse profissional e contribui para uma alta de preços do frete.
Segundo Thiago Péra, pesquisador da Esalq-Log, grupo de pesquisa em logística agroindustrial, da Universidade de São Paulo, deve ser computado, ainda, o reajuste de 5,4% do diesel, que impacta o valor do frete agrícola em torno de 2%. “Com essa combinação de fatores, estimamos um aumento de frete entre 20% e 50% no pico da colheita”, diz o pesquisador. Fabio Trigueirinho, secretário-geral da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), diz que a entidade não é contra a nova lei, mas é preciso tempo para adaptação. “É impossível resolver os problemas de logística da noite para o dia e fazer as adaptações necessárias para se adequar à lei dos caminhoneiros.” Um estudo da Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística (NTC & Logística) mostra que, com a lei do motorista, o percentual médio do aumento sobre os custos das operações de Carga Lotação ou Grandes Massas foi de 29%, além de uma queda de produtividade da ordem de 37%. Mesmo assim, para Flávio Benatti, presidente da NTC & Logística, a médio prazo o cenário é positivo. “Estamos num momento de virada, de reorganização do setor”, diz. “A lei do motorista pode valorizar o caminhoneiro e gerar mais interesse por essa profissão.”