Caatinga

O primeiro ano do Projeto Biomas foi de negociações. Apresentado pela primeira vez em 24 de fevereiro de 2010, ganhou projeção durante a Conferência das Partes sobre o Clima (COP-16), em Cancun, México, quando foi exposto pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Orçado em R$ 20 milhões, o projeto, que pretende mudar o jeito de o brasileiro se relacionar com a produção rural, garantiu apenas uma das três parcerias que vão sustentar as pesquisas conduzidas pela Embrapa até 2019. Além da multinacional Monsanto e do Sebrae, que já se engajaram no projeto, a CNA trabalha para fechar parcerias com outras duas grandes empresas. A entidade mantém os nomes sob sigilo, mas garante que as discussões estão avançadas e serão fechadas neste ano, quando todos os apoiadores passam a compor um grupo de acompanhamento do projeto. A demora nas negociações não impediu, contudo, que a Embrapa iniciasse os trabalhos no bioma Mata Atlântica, o primeiro dos seis a serem estudados.

Instalados em uma fazenda do Espírito Santo, os pesquisadores começaram a levantar dados sobre os dez tipos de solo identificados no local e planejam para outubro o início dos plantios experimentais. Os cientistas também se preparam para iniciar as pesquisas no bioma Cerrado, ainda neste semestre – o plano é adicionar dois biomas por ano ao projeto. As pesquisas do Cerrado devem ocorrer no Parque Ecológico Águas Emendadas, no Distrito Federal.

Além de assegurar o dinheiro para as pesquisas, a CNA precisa buscar parcerias para custear o treinamento dos 350 multiplicadores que serão encarregados de disseminar as informações produzidas pelo Projeto Biomas pelas propriedades rurais do País. A confederacão ainda não calculou a necessidade orçamentária para essa fase do projeto, mas está em campo atrás de parceiros. “O projeto vai democratizar a pesquisa dentro da propriedade. Aqueles produtores sem recursos para pagar um pesquisador que desenvolva uma tecnologia para aumentar a produção sem desmatar novas áreas vão ter a ajuda dos parceiros do projeto”, disse à DINHEIRO RURAL a presidente da CNA, Kátia Abreu, explicando a importância dos multiplicadores. “Nossa ideia é estabelecer modelos adaptados para cada bioma, que possam servir de guia para que os fazendeiros que não têm dinheiro para contratar seus próprios consultores adaptem suas propriedades, principalmente as médias e pequenas.”

 

Bom negócio: cientistas estão interessados nas plantas epifíticas, como a bromélia e orquídeas, que podem servir de fonte de renda

O trabalho realizado no bioma Mata Atlântica dá uma boa ideia do que deve ser feito nas outras vitrines, que vão englobar, além do Cerrado, a Amazônia, o Pantanal, a Caatinga e o Pampa. Os pesquisadores já fizeram o mapeamento planialtimétrico da região, denominação dada ao detalhamento minucioso das características do relevo. O mapa foi feito em escala de 1 para 4.000, que permite identificar até os fluxos de água da área estudada. Os pesquisadores estão interessados nos detalhes sobre a disponibilidade de água e nutrientes para as plantas, o que permitirá à Embrapa trabalhar em cima da real situação do solo. “Durante as coletas, nos surpreendemos com a ocorrência de espécies mais próximas ou mais distantes de rios”, diz Gustavo Ribas Curcio, coordenador do Projeto Biomas e pesquisador da Embrapa Florestas. “É muito importante que o produtor saiba disso, pois não basta saber as condições do solo para definir o melhor local para plantar.” Segundo ele, as informações têm de ser coletadas com o máximo de rigor, porque, se seguir as instruções e não obtiver sucesso, o produtor vai perder dinheiro e o projeto cairá em descrédito.

Kátia Abreu: “A preocupação da CNA é mostrar ao mundo que o Brasil apresenta uma produção rural embasada em técnicas científicas e sustentáveis”

As pesquisas sobre a Mata Atlântica estão sendo conduzidas na fazenda de Zaudino Ceolin, no município de Sooretama (ES). É lá, numa área de 40 hectares, que será instalada a vitrine onde ficarão expostos os resultados. Até 2019, cada bioma terá a sua vitrine. A área escolhida no Espírito Santo fica ao lado de uma reserva da mineradora Vale, que produz as mudas que serão plantadas na fazenda. Os 35 pesquisadores envolvidos com o bioma Mata Atlântica já elaboraram uma série de 15 projetos para este ano – serão 40 no total –, entre eles o plantio de eucalipto para diferentes fins, como a produção de celulose e carvão. Mas os cientistas estão particularmente interessados nas plantas epifíticas – samambaias, bromélias e orquídeas – que podem servir de fonte de renda para os produtores. “O pau-brasil é outra opção. Os maiores violoncelos do mundo são feitos com ele”, diz Curcio. São cultivos como esses que vão convencer os produtores rurais de que preservar o meio ambiente é um bom negócio e pode colaborar para aumentar a produção. “Vamos mostrar ao mundo que o Brasil não é apenas um grande produtor de alimentos, mas que apresenta também uma produção rural embasada em técnicas científicas e sustentáveis”, diz Kátia.

O levantamento de dados também vai permitir aos pesquisadores da Embrapa medir com maior precisão o impacto de algumas culturas para o País. “Estamos apurando quantas reservas de carbono existem na floresta e no solo”, diz. “Ao comparar com a quantidade das reservas em fazendas próximas, podemos medir o impacto de 20 ou 30 anos de pecuária naquela região”, diz Curcio, que celebra a adesão de diversos institutos de pesquisa e universidades ao projeto, entre elas a Universidade Federal do Espírito Santo. Ele calcula a participação de até 120 pesquisadores em cada bioma, quando os projetos estiverem a pleno vapor. Nos cálculos da CNA, no primeiro ano, o Projeto Biomas teve investimento de R$ 1,5 milhão.