O acordo fechado entre o Ministério Público de São Paulo (MPSP) e a Procuradoria-Geral da Município, para recuperar US$ 44 milhões de dólares (cerca de R$ 226 milhões) que teriam sido desviados na gestão do ex-prefeito Paulo Maluf (1993-1996), hoje com 91 anos, é a etapa mais recente de uma longa busca por ressarcimento aos cofres públicos da capital.

O prejuízo estimado pelas investigações, que mobilizou promotores do Brasil, Europa e Estados Unidos, no entanto, é muito mais elevado. De acordo com os promotores de Justiça Silvio Marques e José Carlos Blat, que atuam há mais de duas décadas nos processos sobre o ex-prefeito, os valores superam US$ 300 milhões (R$ 1,5 bilhão). O dinheiro teria sido desviado, em conluio com empreiteiras, nos contratos das obras da Avenida Jornalista Roberto Marinho (antiga Água Espraiada) e do Túnel Ayrton Senna.

Com o acordo assinado nesta terça, 24, que ainda depende de homologação judicial, a Eucatex, fabricante de tintas, pisos e laminados da família Maluf, será excluída da ação civil pública movida desde 2009 pelo Ministério Público de São Paulo para tentar recuperar o dinheiro.

A empresa esteve no centro da briga judicial e está com bens bloqueados há dez anos. Na prática, a Eucatex vai pagar US$ 7,2 milhões (R$ 37 milhões) para se livrar do processo e derrubar o bloqueio. Em nota, a empresa afirmou que o instrumento põe fim a uma ‘duradoura controvérsia jurídica em múltiplas jurisdições’. Procurada pela reportagem, a assessoria ex-prefeito informou que não vai comentar o caso.

O acordo também gerou uma reviravolta na composição acionária da companhia dos Maluf: o Banco BTG Pactual comprou 33% de suas ações, que eram controladas por offshores em liquidação. Essas companhias constituídas no exterior teriam sido usadas pela própria família do ex-prefeito para injetar dinheiro desviado da prefeitura na Eucatex, em um possível esquema de lavagem de dinheiro. O valor obtido com a venda das ações ao BTG, US$ 53 milhões (R$ 272 milhões), completa o montante do acordo. Parte desse dinheiro (US$ 23 milhões) será usado para cobrir custas em processos internacionais envolvendo as offshores.

O município receberá ainda valores depositados em duas ações judiciais em São Paulo, com o total de R$ 35 milhões, que pertenciam a uma das empresas offshore.

Acordos com bancos e repatriação

O esforço para repatriação do dinheiro desviado e o ressarcimento do município também passou por acordos com bancos internacionais, firmados entre 2013 e 2017. As instituições financeiras teriam sido usadas pelo ex-prefeito para abrigar e movimentar valores desviados. O dinheiro estava na conta das offshores que, segundo a investigação, eram controladas pela família Maluf.

Os bancos concordaram em pagar indenizações por danos morais coletivos para não correram o risco de enfrentar ações na Justiça. Os acordos foram fechados com o Safra National Bank, de Nova Iorque, que pagou US$ 10 milhões; Deutsche Bank, da Alemanha, que pagou US$ 20 milhões; e UBS, de Zurique, e Citibank, de Genebra, que custearam US$ 25 milhões.

Além disso, a Corte da Ilha de Jersey, considerada um ‘paraíso fiscal’, autorizou, em 2013, uma primeira repatriação de 1,45 milhão de libras das empresas offshores. O ex-prefeito foi condenado em Jersey por fraude em larga escala.

O Ministério Público ainda vai buscar a reparação de cerca de US$ 250 milhões (R$ 1,2 bilhão) no caso Maluf. Esse valor ainda pode triplicar se houver multas por improbidade.

Com a liquidação das offshores e o acordo com a Eucatex, os promotores miram agora o patrimônio da família, que está bloqueado por ordem judicial. Os réus remanescentes na ação civil pública são apenas pessoas físicas: o ex-prefeito, sua mulher, Sylvia, e os filhos Flávio, Otávio, Lina e Lígia.

“O resto do valor vai ser cobrado da própria família Maluf, que tem recursos para pagar tudo, inclusive ações da própria Eucatex, que continuam bloqueadas”, explica promotor Silvio Marques, da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital. “As ações continuam para que o município seja ressarcido de todo o prejuízo, com mais facilidade agora, porque essas empresas (offshores) davam muito trabalho para citar e localizar.”

Para onde vai o dinheiro recuperado?

O montante obtido com o acordo assinado ontem ainda não está ‘carimbado’ e vai entrar nos cofres do Tesouro municipal livre para investimentos. Já os valores repatriados em etapas anteriores do processo vêm sendo usados para construção e reformas de creches. A prefeitura pretendia usar parte do dinheiro para comprar a área onde foi criado o Parque Augusta, mas os terrenos acabaram sendo trocados por potencial construtivo.