O projeto de lei que aumenta o limite de barulho em shows e eventos de grande porte em São Paulo, aprovado em primeira votação pela Câmara nesta semana, beneficia, principalmente, as empresas que administram grandes arenas, como o Allianz Parque, na zona oeste, e o Complexo do Anhembi, na zona norte. A medida eleva o nível máximo de ruído de 55 decibéis para 85 decibéis, o que o Ministério Público vê como “retrocesso ambiental”. Essa mudança foi incluída de última hora em um projeto sobre outro assunto, as cozinhas industriais, e não passou por debate em sessões e audiências públicas.

A alteração foi proposta nesta semana pelo líder do governo na Câmara, Fábio Riva (PSDB), sob o argumento de benefício à economia da cidade. Grande parte dos vereadores, associações de bairro e técnicos não ficou sabendo da inclusão desse “jabuti” (termo usado para descrever itens não diretamente relacionados ao tema principal do projeto). O adendo foi distribuído em versão impressa e também pelo WhatsApp dos líderes partidários. Quando souberam da mudança, foram as entidades de bairro que se apressaram a compartilhar o risco nas redes sociais. Para especialistas, a exposição prolongada a barulho alto pode causar danos ao corpo, como distúrbios de sono, doenças cardiovasculares e problemas à saúde mental.

O PL vai para a 2ª votação, o que significa que ainda pode passar por mudanças. Ao Estadão, Riva afirmou que uma nova audiência pública deve ocorrer na próxima semana.

NOVA TENTATIVA

A gestão Ricardo Nunes (MDB) já prevê ajustar o texto, mas avalia manter uma permissão maior para o barulho. Pela redação atual do PL, o aumento do limite valeria para toda a cidade. A ideia é fazer agora com que esse teto de 85 decibéis valha apenas para as chamadas Zonas de Operação Especial (Zoes), áreas específicas da cidade conforme prevê o Plano Diretor.

As ZOEs são áreas especiais, que exigem regras específicas, como aeroportos, centros de convenção, universidades, além de grandes áreas de lazer, recreação e esportes, a exemplo do Allianz e o do Anhembi. Também estão nas Zoes outros equipamentos de grande porte, como o Campo de Marte, na zona norte, o Autódromo de Interlagos, o Estádio do Morumbi e o Ginásio do Ibirapuera, na zona sul.

Não é a primeira vez que a Câmara tenta acelerar essa mudança. Em abril, Riva apresentou essa mesma proposta de elevar o teto de ruído das ZOEs, em caráter de urgência. A alteração foi encaminhada como substitutivo a um PL, sobre outro tema, já aprovado em 1.ª votação. Ou seja, se houvesse nova aprovação, o texto iria direto para a sanção.

Após reação negativa, o projeto empacou, mas houve audiências públicas. A WTorre, gestora do Allianz, foi uma das principais defensoras da mudança nas audiências e também nos bastidores, segundo apurou o Estadão. Em caso de notificações reiteradas pelo Psiu, havia risco de haver fechamento administrativo.

Claudio Macedo, CEO da Real Arenas, empresa que administra o Allianz Parque, disse em audiência de 26 de maio que a maioria das queixas sobre barulho na cidade não se refere ao estádio. “Não é o ativo (o Allianz) que causa esse transtorno que está sendo trazido”, diz.

No último dia 31, a gestora do Allianz firmou um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o MP e a Prefeitura. O acordo prevê mudanças para se adequar à lei vigente, diminuindo os níveis de barulho na vizinhança. Com o risco de mudança nas regras, os moradores estão apreensivos quanto ao acordo na prática. O Estadão apurou também que, mais recentemente, a gestora do Anhembi, concedido à iniciativa privada em 2021 por um período de 30 anos, também é outra interessada.

ECONOMIA

A interpretação da Prefeitura é de que o limite de 85 decibéis não é prejudicial, uma vez que norma do Ministério do Trabalho não considera insalubre a exposição a esse nível de ruído por até oito horas diárias. Já o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) vê barulho prejudicial.

Em nota, a Prefeitura negou que o artigo seja um “jabuti” Disse ainda defender que a cidade “tenha regramentos claros, parâmetros legais, fundamentais para que todos tenham segurança jurídica, especialmente em um setor que é importante para a economia da cidade, geração de empregos e também fomenta a cultura e o esporte”.

Macedo, da WTorre, foi na mesma linha na audiência pública realizada em 28 de abril. “O que a gente quer é que os mesmos shows que acontecem há décadas em São Paulo, continuem acontecendo nos mesmos moldes, porque hoje em dia cada grande evento é como se estivesse infringindo a lei”, disse.

O MP pediu à Câmara os pareceres técnicos que embasaram a proposta. Se aprovado o PL, a tendência da promotoria é pedir a abertura de ação de inconstitucionalidade, sob alegações de falta de participação popular e desrespeito à Constituição do Estado. Procuradas ontem, a GL Events, gestora do Distrito Anhembi, e a Real Arenas não falaram.

Em abril, 1ª tentativa de mudança ocorreu após estádio ser multado

A proposta de elevar o limite sonoro nas ZOEs é debatida pela Câmara há sete meses. Não por acaso, foi levada a plenário em 5 de abril, mesma data em que a banda Maroon 5 se apresentou no Allianz Parque, multado em seguida pela 3ª vez por abrigar evento que extrapolou o teto de barulho – a medição foi de 74 decibéis, acima dos 55 permitidos. Naquele horário, o líder do governo na Casa, Fabio Riva (PSDB), não tinha conhecimento da infração, é claro, mas a arena já era reincidente e corria risco de ter futuros eventos cancelados se notificada outra vez.

Antes do início do show, o tucano foi à tribuna explicar a intenção da Prefeitura sobre limite sonoro em ZOEs. E, como o na última terça, propôs um ‘jabuti’. Naquela ocasião, o PL que receberia o texto substitutivo tratava de regularização de templos religiosos – outro tema, como nas cozinhas industriais.

Riva falou que a ideia é para não espantar grandes eventos. Até vereadores governistas estranharam e pediram mais informações.

E assim se passaram sete meses e uma eleição. O projeto ganhou importância e novos defensores. Além disso, ação no Ministério Público exige medidas mitigadoras como condição para shows no Allianz. Entre eles, o fechamento do estádio ou a instalação temporária de bloqueadores de som – medidas caras. Mas, como uma lei vale mais do que um termo de ajustamento de conduta (TAC), a mudança pode fazer com que os donos do estádio economizem. Os vereadores deixaram a surpresa de lado e votaram em peso pela mudança: 40 votos a favor e só 9 contrários.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.