21/11/2022 - 5:00
Passadas mais de duas semanas do resultado da eleição, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro seguem concentrados nas proximidades de instalações das Forças Armadas em atos contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. O movimento espalhado pelo País ganhou caráter de vigília na frente de quartéis e tiros de guerra, com a aglomeração de centenas de manifestantes. Não há líderes nacionais definidos.
O Estadão percorreu sedes militares em São Paulo, interior paulista, Brasília, Rio, Florianópolis e Recife, na quinta, 17, e nesta sexta-feira, 18. Atos são realizados em todas as regiões do Brasil. Secretarias de Segurança Pública, Ministério da Defesa e Exército foram procurados, mas não informaram o número de manifestantes nem quantos protestos estão ativos no País. Nos pontos de concentração visitados pela reportagem, haviam entre dezenas e centenas de pessoas.
Em comum, os manifestantes acampam para pedir “socorro”. Apesar do direito constitucional à manifestação, há defesa de intervenção militar, mensagens antidemocráticas e registros de confrontos, além do inconformismo com o resultado das urnas. Também a partir desta sexta, de acordo com balanços da Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram retomados bloqueios em estradas.
Relatórios enviados pelas Polícias Militar, Civil e Federal e por Ministérios Públicos nos Estados e no Distrito Federal ao Supremo Tribunal Federal (STF) indicam o perfil de supostos líderes. Segundo os documentos aos quais o Estadão teve acesso, políticos, policiais, sindicalistas e ruralistas incentivam os protestos e os financiam. Entre os participantes, porém, há sobretudo idosas e idosos, com a presença reduzida de jovens e famílias.
“Vamos ficar aqui até que as Forças Armadas impeçam o verdadeiro golpe, que é a posse do Lula”, afirmou um senhor na Praça Duque de Caxias, na Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio. Diante do Comando Militar do Leste, responsável pela tropa terrestre no Rio, em Minas e no Espírito Santo, ele se apresentou apenas como Luiz, de 67 anos e “da reserva”.
Parte da área está ocupada por barracas e lonas de circo, cenário que se repete pelo Brasil. Há palavras de ordem como “Forças Armadas, salvem o Brasil” e “se for preciso a gente acampa, porque o ladrão não sobe a rampa”, em referência ao Palácio do Planalto.
Na capital fluminense, os apoiadores de Bolsonaro, que perdeu para Lula por uma diferença de pouco mais de 2 milhões de votos (50,9% ante 49,1%), se aglomeram em torno do Panteão Duque de Caxias, que guarda os restos mortais de Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias (1803-1880), patrono do Exército. São cerca de 200 pessoas que, de tempos em tempos, entoam os Hinos Nacional e da Independência.
“Atenção, pessoal: em cinco minutos a gente vai cantar o Hino Nacional, e depois dele vamos distribuir lanche, mas só para quem cantar bem alto, hein?”, anunciou o locutor pelas caixas de som. Os manifestantes – a grande maioria com camisa da seleção brasileira ou uma similar amarela – se postaram de frente para o comando, colocaram a mão direita no peito e cantaram o Hino. A música foi encerrada e começou a distribuição de sanduíches.
Já o acampamento na frente do Quartel-general do Exército em Brasília quer servir de inspiração. Uma militante que se identifica como Kátia Stillus usa redes sociais para dar orientações a financiadores e prestar contas, embora os manifestantes digam que o protesto é “auto-organizado”, com a colaboração dos próprios participantes. Nesta sexta, um grupo anunciou a arrecadação de R$ 10,9 mil. Há ainda doações privadas e acesso liberado para veículos com mantimentos. A reportagem presenciou a chegada de um caminhão com verduras e legumes ao local.
Em discurso na quarta, Kátia pediu para que os participantes não desistam e afirmou que a insistência deles influencia acampamentos nos Estados. “Brasília está alimentando os movimentos (pelo País) cada vez que eles veem a gente debaixo de chuva, cada vez que uma imagem de um povo orando de joelhos chega”, disse. “Temos o povo do nosso lado, que se dane o resto. Amém.”
A concentração na capital federal foi marcada por alta adesão no feriado da Proclamação da República, na terça. Desde então, o nível de participação caiu. Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro, compareceu ao local na quarta. Na porta do Palácio da Alvorada, o candidato a vice de Bolsonaro, general Braga Netto, disse nesta semana a apoiadores que o presidente está bem e eles não devem perder a fé. No Twitter, Eduardo Bolsonaro recomendou “não parar, não precipitar, não retroceder”.
A manifestação com pedido de golpe em Brasília tem infraestrutura, com palco e alto-falante pelo qual são repassadas a programação e a pauta. Há banheiros químicos nas imediações da Praça dos Cristais, na frente da sede do Exército. Apesar da organização, não é possível, segundo o comando da PM, “atribuir, categoricamente, o status de liderança a nenhum cidadão, por não haver entidades estruturadas na mobilização”.
As autoridades não estimam o total de militantes. Em ofício ao STF, foram listadas as placas de 234 caminhões que dão suporte aos atos, com os respectivos donos, pessoas físicas e jurídicas. Conforme informou a PM ao Supremo, não se constataram “quaisquer irregularidades ou condutas ilícitas praticadas por seus proprietários”.
No Recife, a aglomeração se dá no Comando Militar do Nordeste. Nesta sexta, havia 90 pessoas no local. As reivindicações vão desde intervenção e manutenção de Bolsonaro na Presidência à realização de nova eleição. Uma fonte do Exército, ouvida sob reserva pelo Estadão, garantiu que “o direito de ir e vir está preservado”.
Um dos alvos na frente do 63.º Batalhão de Infantaria, em Florianópolis, é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Cerca de 300 pessoas se organizam de modo informal e colaborativo e se comunicam com frequência em grupos de WhatsApp para promover a estrutura do QG, onde são distribuídos água, mantimentos, adereços e bandeiras do Brasil. Trabalhadores escolhem o contraturno do expediente para protestar. “Queremos eleições limpas”, dizem em cartazes e gritos de ordem, mas não há quaisquer indicativos de fraude no pleito.
O argumento também reverbera em Sorocaba (SP). “Você acompanhou antes do dia 30 (de outubro) as manifestações a favor de um candidato e de outro? Você quer dizer que o candidato que foi eleito é o que estava na frente? Nós desconfiamos, sim (de fraude)”, disse o empresário Roberto Henrique França, que esteve na frente da Base de Apoio Regional do Exército, no bairro Santa Rosália, com cerca de mais 60 pessoas. No interior paulista, há ainda protestos ao menos em Ribeirão Preto, Taubaté, Lorena, São José do Rio Preto, São Carlos, Bauru, Piracicaba, Campinas e Jundiaí.
Na cidade de São Paulo, a vigília ocorre no Comando Militar do Sudeste, na região do Parque do Ibirapuera. O grupo reúne cerca de cem manifestantes e quer a anulação da eleição, também sob a alegação de fraude nas urnas eletrônicas. Pede ainda a perda de poderes dos ministros do STF. São cerca de 50 barracas ao longo da Avenida Mário Kozel Filho.
Cartazes trazem frases como “Brazil was stolen” (o Brasil foi roubado) e “SOS Forças Armadas”. Os dias de “resistência civil” são contados em uma placa e, até anteontem, chegava a 18. Além dos grupos fixos, foi possível observar manifestantes itinerantes, indo e voltando, sem necessariamente passar o dia no local. Segundo vendedores ambulantes, a movimentação ocorre por causa do fim do horário de expediente. A reportagem abordou dezenas de manifestantes, mas todos se recusaram a conceder entrevista ao Estadão.
Em rodas de conversa, apoiadores de Bolsonaro se mostravam impacientes com a inércia das Forças Armadas e com a ausência de declarações contundentes do presidente. “Está cheio de gente e ninguém faz nada”, disse uma manifestante. “Se Bolsonaro não falar, nós estamos roubados”, disse um homem, ao argumentar que o governo do PT planeja confiscar bens da população. “Se Deus quiser, acaba antes da Copa”, afirmou outro. O Mundial do Catar começa neste domingo, 20.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.