A bancada do PSOL entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a recém-promulgada lei que libera a emissão de até 75 decibéis no entorno de shows e grandes eventos na cidade de São Paulo. A nova lei tem sido criticada por parte da sociedade civil e associações de bairro, tanto por permitir o aumento do barulho quanto por ter sido inserida em um projeto sobre outro tema, o das “dark kitchens”.

Na segunda e definitiva votação na Câmara Municipal, na terça-feira, 29, o vereador Celso Giannazi (PSOL) já havia sinalizado que iria judicializar a mudança, caso fosse aprovada e promulgada pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). “É um jabuti sim, porque trata de questões diferentes”, afirmou à época, referindo-se ao termo popularmente utilizado para artigos inseridos em projetos sobre outros temas. “Um volume desse tamanho pode trazer diversos problemas à saúde”, destacou em rede social neste sábado, 3.

A Prefeitura nega que seja um “jabuti”. Em nota destacou: “Tendo em vista que o projeto de lei das dark kitchens trata do regramento para uma atividade nova na cidade e de seus parâmetros de incomodidade, entendeu-se possível a inclusão no texto de definição de parâmetros de incomodidade de ruído nas situações não previstas anteriormente na legislação.”

Na semana passada, uma decisão do TJ-SP considerou “inconstitucional” o fim da gratuidade para idosos de 60 a 64 anos nos ônibus da capital paulista, por ter sido inserido em um projeto sobre outro tema.

A nova lei – de número 17.853/22 – entrou em vigor na quarta-feira, 30, após ser publicada no Diário Oficial. De autoria do Executivo , o texto passou por modificações por vereadores ligados à Prefeitura. A mais criticada foi a inclusão do artigo 13, relativo ao novo limite de decibéis para o entorno de shows e eventos de grande porte.

A mudança foi criticada por movimentos da sociedade civil e parte dos vereadores, por envolver um tema não diretamente ligado ao do projeto. Abaixo-assinados apresentados na Câmara reuniram mais de 20,8 mil assinaturas contrárias ao novo limite de decibéis.

O limite se refere a eventos e shows de grande porte previamente autorizados pelo poder público, “assim definidos em decreto regulamentar, que por sua natureza não ocorrem de forma continuada”.

Outra mudança na versão aprovada é a inclusão de um parágrafo que destaca que as disposições constantes no artigo “não eximem os responsáveis do cumprimento de medidas mitigadoras relacionadas com o ruído a serem implementadas no estabelecimento ou entorno, conforme o caso”.

Ao jornal O Estado de S. Paulo antes da votação, o promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, Jorge Mamede Masseran, disse que também entraria com representação para o procurador-geral do Tribunal de Justiça, pedindo a declaração da inconstitucionalidade da lei, caso fosse aprovada.

A mudança tem motivado críticas de associações de bairro e moradores por possibilitar o aumento do ruído em áreas hoje com emissão limitada a níveis inferiores, como 55 decibéis, a depender do zoneamento da vizinhança. A lei deve atingir especialmente as vizinhanças de arenas.

Para especialistas, a exposição prolongada a barulho alto pode causar danos ao corpo, como distúrbios de sono, doenças cardiovasculares e problemas à saúde mental. Parte dos vereadores de oposição, tem associado a proposta às três notificações que o Allianz Parque recebeu por violações ao Programa Silêncio Urbano (Psiu) no primeiro semestre, o que poderia implicar no fechamento administrativo. Em abril, por exemplo, um show no local chegou à medição de 74 decibéis.

Em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, Abraham Gurvitch, diretor de Relacionamento com o Mercado da Associação Brasileira das Empresas de Eventos em São Paulo (Abeoc), disse considerar os níveis de ruído previstos na nova lei razoáveis. “No dia do jogo do Brasil, eu estava sozinho na minha sala, com a TV ligada, os picos do decibelímetro foram de 80 decibéis. Está havendo um exagero. Os níveis da nova legislação são razoáveis. A sociedade evolui mais rápido que a regulamentação das atividades.”

Regras para ‘dark kitchens’ também receberam críticas; entenda

As chamadas “dark kitchens” são cozinhas industriais voltadas exclusivamente à produção de refeições para entrega, geralmente por aplicativos, sem o atendimento de clientes no local. Moradores de vizinhanças com “dark kitchens” reclamam dos riscos de poluição sonora e atmosférica causada pelos exaustores e outros equipamentos.

Também têm criticado a falta de clareza sobre como seria a fiscalização do setor. Outro ponto questionado foi a ausência de estudo de impacto ambiental desse tipo de atividade.

Parte das empresas dos setor alimentício também tem criticado a lei, por restringir o tamanho de “dark kitchens” a até 500 metros quadrados quando localizadas em áreas residenciais.

Em nota emitida antes da aprovação do então PL, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) disse que a mudança inviabilizaria economicamente a “manutenção das operações existentes” e poderia impedir a abertura de novas unidades.

Já vizinhos de “dark kitchens” declararam em audiências públicas nas últimas semanas que a nova lei é insuficiente. Um dos pontos mais criticados é a falta de restrição ao horário de funcionamento. Moradores do entorno desses espaços relatam um cotidiano de poluição atmosférica e sonora.

O texto aprovado enquadra esses espaços em duas subcategorias, a Ind-1b-1 e a Ind-2-1, classificações existentes para outros tipos de estabelecimentos, na Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (a Lei de Zoneamento), de 2016.

A nova lei inclui as “dark kitchens” de três a dez cozinhas e com até 500 m² como Ind-1b-1. Na lei de zoneamento, essa classificação é voltada a estabelecimentos de fabricação de produtos de padaria, confeitaria, pastelaria e afins com “potencial poluidor”, em especial de odores, “passível de controle tecnológico”. É considerada “compatível com a vizinhança residencial no que diz respeito às características de ocupação dos lotes, de acesso, de localização, de tráfego, de serviços urbanos e aos níveis de ruído, de vibração e de poluição ambiental”.

Já a Ind-2-1 se refere aos locais com mais de dez cozinhas ou 500 m². Na Lei de Zoneamento, essa classificação é voltada a espaços de “preparação de alimentos, conservas, produtos de cereais, bebidas, dentre outros”. Nesse caso, trata-se de “atividade industrial geradora de impactos urbanísticos e ambientais, que implica a fixação de padrões específicos referentes às características de ocupação dos lotes, de acesso, de localização, de tráfego, de serviços urbanos e aos níveis de ruído, de vibração e de poluição ambiental”.

A lei determina que cada cozinha não pode ser menor que 12 m². Uma mudança no texto original delimitou um distanciamento mínimo entre cada dark kitchen, limitadas a um estabelecimento dentro de cada raio de 300 metros.

Para a instalação de novos estabelecimentos, deverá ser apresentado previamente, à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, um memorial de caracterização do empreendimento. Os espaços deverão oferecer infraestrutura mínima para entregadores, como banheiros e água gratuita. A lei também determina que os estabelecimentos já em funcionamento tenham 90 dias para se regularizar.

Ainda segundo a nova lei, a descarga de gases de exaustão deverá ser feita a uma altura de 5 metros em relação ao topo de todas as construções. Outro ponto é que os estabelecimentos não poderão reservar vagas na via pública como estacionamento para a retirada e entrega de mercadorias.

Também será exigido que a entrada dos estabelecimentos tenha uma placa com informações das empresas que utilizam o espaço. Além disso, os locais com mais de 100 m² terão de ter um bombeiro civil para garantir a segurança.

“O cumprimento das disposições específicas de natureza urbanística e edilícia constantes desta Lei não exime os responsáveis pela atividade principal e pela operação das cozinhas do atendimento à normatização aplicável às atividades industriais não residenciais, tanto de natureza municipal, como estadual e federal”, destaca trecho da lei.

Em relação a ruídos, os estabelecimentos poderão ser responsabilizados tanto pelo barulho dos equipamentos quanto o gerado pela circulação de motocicletas e demais atividades, se for considerado em desacordo com a legislação em vigor.

“Os responsáveis pelos estabelecimentos serão responsáveis pela incomodidade que seus prestadores de serviço, nesta qualidade, bem como seus funcionários, venham a causar a terceiros, ainda que em área externa às suas dependências, como passeio e vias públicas”, aponta outro trecho.