01/04/2010 - 0:00
Que o crédito oficial é barato, isso todos sabem. Afinal, juros de 8,5% ao ano estão em padrões relativamente civilizados. Mas, além de insuficiente, o dinheiro do governo demora a chegar. Do momento da contratação até a liberação podem se passar sete longos meses.
As linhas disponíveis no sistema financeiro, em sua maioria, são muito caras e pouco atrativas. Por isso, muitos agricultores e pecuaristas ficam sem saída na hora de financiar o seu próprio negócio. Uma das soluções para quem precisa de dinheiro rápido a um custo menor pode estar na utilização dos títulos do agronegócio. São ferramentas do mercado de capitais que começam a ganhar força no meio rural.
“No ano passado, foram mais de R$ 109 bilhões em operações dessa natureza, o que é um volume 10% superior ao crédito oficial do governo federal”, explica o analista Ademiro Vian, da diretoria técnica da Febraban. Segundo ele, é muito grande o potencial de crescimento nesse tipo de operação.
R$ 150 milhões É o valor da primeiro cra, emitido este ano por uma securitizadora
Para o especialista, quando bem estruturadas, o risco não fica apenas sobre os produtores, que podem receber antecipadamente parte da produção. “Ele paga um pequeno juro por isso, que vai variar de acordo com a empresa com a qual ele negocia e que será a responsável pelo pagamento dos contratos no vencimento. Quanto mais idônea for a trading, menores os juros”, explica.
Nos últimos anos, alguns títulos foram criados para dar mais liquidez ao sistema financeiro do setor rural. A CDCA (leia quadro), por exemplo, é uma das ferramentas mais utilizadas por empresas do agronegócio e sua missão é transformar recebíveis em operações financeiras que levarão dinheiro a custo baixo direto ao bolso do produtor.
O grande problema é que esse tipo de operação está vedado às pessoas jurídicas, ou seja: produtores que utilizam apenas seu CPF para financiamentos não podem emitir essa modalidade de títulos. “Nesse caso, o produtor pode emitir uma CPR, mas não há transação financeira”, diz. “Ele emite a CPR, paga em produto e recebe em insumos.”
Mais liquidez: Ademiro Vian, da Febraban, diz que os títulos rurais podem ser uma opção de crédito para o setor
Segundo Maurício Teixeira, securitizador que estruturou a primeira operação de CDCA, uma nova estrela está chegando ao mercado e tem por nome Certificado de Recebíveis do Agronegócio. O título é inspirado no setor imobiliário que faz seu financiamento por meio de recebíveis que se transformam em títulos. Ou seja, contratos com empresas que tenham algo a pagar para os produtores podem se transformar em um CRA.
“Estamos emitindo um CRA de R$ 150 milhões com o governo de Goiás”, diz Teixeira. Ele comenta que o setor é carente de gestão financeira e que em 95% dos casos os produtores não fazem hedge de preço, câmbio ou clima. “Mas isso é ao mesmo tempo uma janela de oportunidade incrível”, comenta. “Esse setor vai continuar crescendo e isso pode fazer com que o mercado de títulos rurais ajude na questão do crédito e também traga resultado para os investidores”, analisa Teixeira.
Bruno Barbosa, da Müssnich & Aragão Advogados, também estrutura operações de securitização. No ano passado, ele estruturou a emissão do CRA envolvendo 12 usinas que tinham recebíveis com a Petrobras. “No fim das contas, essa operação não saiu, mas já deu as bases do que pode ser a utilização do CRA”, afirma. Segundo ele, o CRA pode dar ao mercado não só o fôlego financeiro necessário, mas a flexibilidade que o produtor necessita. “A estrutura desse título é mais simples e tem a vantagem de ser consagrada no mercado imobiliário. Logo, é só uma questão de as operações começarem a acontecer”, pondera o especialista.
Um dos entraves, conforme Vian, da Febraban, está no registro dos títulos na Câmara de Custódia e Liquidação (Cetip). A empresa atua como entidade de balcão organizado e como câmara de custódia e liquidação de títulos e valores mobiliários, por autorização da Comissão de Valores Mobiliários. Todos os títulos emitidos devem ser registrados na Cetip.
A empresa também realiza a liquidação financeira das operações, transferindo a titularidade dos títulos negociados do vendedor para o comprador e creditando e debitando o valor correspondente em suas respectivas contas. Títulos mal estruturados, no entanto, não recebem o registro e, de acordo com Vian, as operações rurais não estão entre as mais executadas. “Mas isso pode mudar, o que depende muito do setor. Se acontecer, todos ganham”, avalia.