A Vanguarda Agro registrou um prejuízo de R$ 75 milhões em 2014 e deve ficar no zero a zero neste ano. Entenda porque isso é uma excelente notícia, e conheça as lições da empresa para dar a volta por cima

No dia 2 de janeiro de 2014, quando assumiu a presidência da Vanguarda Agro, o administrador de empresas gaúcho Arlindo Moura tomou duas decisões. A primeira delas foi autorizar, com urgência, a compra de várias toneladas de fertilizantes. A segunda foi verificar a lista de propriedades da empresa, que tinha registrado um prejuízo de R$ 128 milhões, no ano anterior, o sétimo exercício consecutivo em que fechava no vermelho. Na lista de propriedades, Moura encontrou um jatinho. Pode parecer algo injustificável em uma companhia pequena, mas atualmente, a frota da Vanguarda multiplicou-se para quatro aeronaves. “Seriam cinco, mas um caiu, e ficaram só quatro”, diz Moura. Com uma diferença importante, porém. Em vez dos antigos aviões executivos que ficavam à disposição da presidência, agora a Vanguarda possui aparelhos usados apenas na aspersão de defensivos. “A empresa estava no prejuízo, não era possível justificar manter avião para os executivos”, diz ele (leia a reportagem Fazendas a Jato, na página 48).

As duas primeiras medidas tomadas por Moura logo ao chegar resumem bem a virada promovida na Vanguarda Agro, nos últimos dois anos. O executivo, ex-CEO da concorrente SLC Agrícola, de Horizontina, no Rio Grande do Sul, com passagens por empresas fornecedoras do agronegócio, como a fabricante de silos Kepler Weber e a montadora de tratores e colhedeiras John Deere, desembarcou com uma missão quase impossível, na empresa. Era necessário estancar os prejuízos, ganhar eficiência e colocar a Vanguarda na rota da lucratividade, um caminho que não havia sido jamais percorrido – desde sua abertura de capital, em 2008, a Vanguarda nunca registrou um número positivo na última linha de seu balanço.


Produtividade: Cristiano Soares, diretor financeiro afirma que renegociar dívidas e cortar custos permitiu modernizar a frota (acima)

Sanear as contas seria uma tarefa por si só bastante complicada. No entanto, as condições do mercado impunham uma dificuldade adicional. Após vários anos de preços estratosféricos, que garantiram um período de prosperidade inédita ao Brasil, as cotações internacionais dos principais produtos da Vanguarda – soja, milho e algodão –, iniciavam o que parece ser um prolongado período de baixa. Como se não bastasse, a alta do dólar e a correção dos preços do petróleo e derivados, realizada pelo governo federal, elevaram os preços dos insumos em média em 20%, movimento que deve permanecer pressionando os custos na safra 2015/2016. Moura avalia os números como desanimadores. “O dólar ajudou a faturar mais, subindo 30% em relação ao real, o que aumenta nosso faturamento, mas os preços das commodities caíram quase 30%, o que compensou negativamente o movimento do câmbio”, diz ele. “A soja estava de US$ 12 a US$ 13 por bushel, mas agora se fala em US$ 9 ou US$ 10 por bushel, o que anula a alta da moeda americana.” Para completar, a mão de obra também está mais cara. “O dissídio deste ano corrigiu os salários em 8,15%”, diz ele.

Com tanta notícia encrencada como explicar o sorriso de Moura na foto que abre esta reportagem? Segundo o executivo, 2015 será um ano de virada para a Vanguarda Agro. Ao longo dos dois últimos anos, a companhia fez uma dolorida lição de casa, enxugou pesadamente custos, reduziu drasticamente os gastos com pessoal e reformulou sua estratégia de utilização de terras. Por ser uma empresa listada em bolsa, os executivos da Vanguarda não podem divulgar projeções. Mesmo assim, os prognósticos são de chegada ao azul em breve. Para isso, ao longo dos últimos 18 meses, Moura realizou uma reviravolta na companhia. Quando assumiu a principal cadeira da empresa, a folha de pessoal tinha 2,5 mil nomes. Agora são pouco menos de 1,6 mil, chegando a 1,8 mil nos períodos de colheita. O número de gerentes foi reduzido de 33 para 20, mas, desses, dez são recém-chegados. “Realizamos os cortes aos poucos, porque a meta era não só reduzir o número de pessoas, mas mudar o perfil de quem trabalha conosco”, diz ele. Moura não critica as administrações anteriores. Segundo ele, a estratégia de seus antecessores dava muita ênfase ao lado financeiro da operação. Isso era necessário, pois o pesado endividamento da Vanguarda colocava-a em uma situação extremamente delicada. Para complicar, o aperto financeiro fazia com que a gestão do dia a dia fosse posta de lado. “Agronegócio parece uma coisa fácil, mas há muitas variáveis que você não controla”, diz ele. “Você não define o preço de venda da commodity, não define o custo de compra do insumo e, pior de tudo, não consegue controlar o clima, que é essencial para a produtividade.”

A saída, portanto, foi procurar eficiência na utilização dos recursos disponíveis. Moura mudou o perfil dos gerentes. “Buscamos pessoas oriundas do agronegócio, com senso de dono, de liderança e de urgência”, diz ele. “Pessoas que sabem que, se deixarem de fazer uma aplicação de defensivo para exterminar a lagarta medideira, hoje, porque o expediente acaba em uma hora, amanhã terão de aplicar uma dose dupla do produto.” Outra medida tomada por Moura foi deslocar o foco do financeiro para a execução. A compra do fertilizante, logo ao chegar, foi um bom exemplo. “Deveria ter sido comprado em agosto e aplicado antes do fim do ano, para permitir logo o plantio da soja”, diz ele. “Só assim conseguiríamos plantar e colher a soja a tempo de aproveitar a terra para plantar uma segunda safra de milho ou de algodão”, acrescenta Márcio Ferreira, diretor de operações. A soja plantada em setembro é colhida em janeiro, permitindo a semeadura imediata da segunda safra de algodão. A soja plantada em outubro e colhida em fevereiro abre espaço para o milho safrinha, e assim por diante. “Com isso, conseguimos colher duas safras em 70% da nossa área, o que dilui o risco.”

Esse novo foco no operacional significou investimentos pesados em equipamentos. A empresa tem atualmente cerca de mil máquinas e implementos. “Compramos 60 tratores e 30 colhedeiras, 20 pulverizadores e 32 plantadeiras, além dos quatro aviões”, diz Moura. Com isso, a empresa conseguiu reduzir os custos e, principalmente, responder com maior agilidade às alterações de humor do mercado. “Agora, a definição do planejamento já começa quando está se colhendo a soja da safra anterior”, diz Ferreira. Outro ponto é a redução da área plantada. Para a safra 2015/ 2016 a empresa deverá devolver entre 10 mil e 20 mil hectares de terras arrendadas, especialmente aquelas de menor produtividade. “Elas trazem margem negativa para a companhia, e não faz sentido continuar explorando essas terras”, diz Ferreira.


Seleção de terras: na safra 2015/2016, a Vanguarda deverá devolver até 20 mil hectares em terras arrendadas 

A nova ênfase no operacional não significou deixar as finanças em segundo plano. Ao contrário. Em abril passado, foi concluída uma reestruturação das dívidas. A Vanguarda Agro atual surgiu com a união da Vanguarda original – que se dedicava à compra e venda de terras, mas não à produção agrícola – a dois outros nomes do agronegócio, a Brasil Ecodiesel, dedicada à produção de biocombustíveis, que havia aberto capital em 2006, e o grupo Maeda, tradicional produtor de milho, soja e algodão, de São Paulo. Todas as empresas carregavam dívidas pesadas à época da fusão. “Juntar três problemas grandes não cria uma solução, mas um problema bem maior”, diz Cristiano Soares, diretor administrativo e financeiro da Vanguarda Agro. O passivo total da companhia é de R$ 800 milhões, dos quais R$ 150 milhões tinham vencimentos concentrados no segundo semestre de 2015. “Nos reunimos com os bancos credores e reestruturamos esses vencimentos, que agora se espalham por cinco anos”, diz Soares, responsável pela renegociação. Com isso, a taxa média dos empréstimos denominados em reais caiu de 15% ao ano para 7,7%, e os juros cobrados nos empréstimos em dólares recuaram de 9,8% ao ano para 5,6%. O aparente milagre tem uma explicação bem prática: para obter a redução dos juros e o alongamento dos prazos, os acionistas concordaram em injetar outros R$ 150 milhões na companhia. A Vanguarda é controlada por um grupo de investidores, entre eles o paulista Sílvio Tini, antigo controlador da mineradora Paranapanema e um dos nomes mais tradicionais e controvertidos da Bolsa.


Investimentos: a nova direção comprou 60 tratores, 30 colheitadeiras e 32 plantadeiras (à dir.)

E para o futuro? No curto prazo, a Vanguarda pretende alterar a relação entre terras próprias e arrendadas. Atualmente, a empresa explora 250 mil hectares, dos quais 170 mil são arrendados. No médio prazo, diz Moura, a intenção é elevar a fatia das terras próprias para 50% do total. Além de aproveitar-se de uma valorização histórica de 10% ao ano, essa estratégia garante o acesso a áreas de boa qualidade e produtividade. Segundo Moura, uma análise mais apurada mostra que a produtividade média do agronegócio cresce 1% ao ano. “Não adianta esperar milagres, é preciso escolher bem os melhores lotes, com as melhores condições climáticas, e plantar e colher na hora certa”, diz ele. Os analistas concordam. A empresa paulista de análise independente Empiricus considera os papéis da Vanguarda uma das suas oito “ações para ficar milionário”, grupo de empresas que podem gerar grandes resultados para os acionistas no longo prazo. Um relatório do analista Gabriel Casonato avalia que as decisões da empresa de reduzir a área plantada e melhorar o aproveitamento das terras permitem prever uma colheita farta de lucros no futuro. “As mudanças colocadas em prática pela nova gestão nos mantêm confiantes em uma valorização expressiva nos próximos anos”, escreveu ele. Torcedor do Internacional de Porto Alegre, Moura explica sua filosofia de trabalho com uma metáfora futebolística. “Em anos difíceis como este, o melhor é entrar em campo buscando o zero a zero, e esperar anos melhores para ganhar de goleada.”


Na ponta do lápis: Márcio Ferreira, diretor de operações diz que o plantio da safra começa a ser planejado antes de colher a safra anterior