22/08/2022 - 7:53
Relatório produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) aponta que a operação policial que deixou 17 mortos no Complexo do Alemão, em julho passado, não foi episódio isolado no Rio. Entre 2007 e 2021, as polícias fluminenses fizeram, na região metropolitana do Estado, 17.929 ações em comunidades, com 2.393 mortos – entre eles, 19 policiais.
Os óbitos de civis concentraram-se em 593 chacinas, termo que é usado pelos pesquisadores para classificar episódios com três ou mais óbitos. As forças policiais, no entanto, não usam a nomenclatura para classificar as próprias operações. Os especialistas consideraram eficientes, nesse período, apenas 275 (1,53%) das ações policiais.
Para chegar a essa conclusão, o Geni/UFF desenvolveu um Indicador de Eficiência para avaliar a situação e contribuir na redução da letalidade das operações policiais. Com base no indicador, o grupo classificou como razoavelmente eficientes 2.769 (15,44%) operações policiais. Outras 8.035 (44,82%) ações da polícia foram consideradas pouco eficientes.
Já o carimbo de ineficientes foi atribuído a 5.122 iniciativas (28,67%). E 1.728 (9,64%) mobilizações das forças de segurança na região metropolitana do Rio de 2007 a 2021 foram definidas como desastrosas.
De acordo com Daniel Hirata, coordenador do estudo, são considerados três parâmetros no momento de atribuir uma pontuação à ação policial. Um é o impacto para os envolvidos na operação, como o número de mortos, feridos e presos. Outro é a quantidade de armas, drogas, cargas e veículos apreendidos. Leva-se em conta, ainda, as motivações das ações. O indicador soma as notas para cada um desses itens.
Para serem eficientes, as operações policiais devem ter nota geral 14 ou 15. Já a classificação razoavelmente eficiente vai de 11 a 13,5. Ações com indicador de 7 a 10,5 são consideradas pouco eficientes. As ineficientes vão de 1 a 6,5. As desastrosas vão de -12 a 0,5.
“A questão central é a preservação da vida, ou seja, o fato de uma operação policial não ter mortos é algo que faz essa operação ter uma pontuação maior do indicador”, diz Hirata. “Em seguida, nos parecem importantes os efeitos observados, ou seja, o número de prisões e apreensões nessas ações. O último item tem a ver com as motivações.”
Hirata diz que o indicador considera se as ações têm respaldo e autorização judicial – se são operações como as que ocorrem para o cumprimento de mandado de busca ou de apreensão, por exemplo. “Essas também tendem a ser mais bem avaliadas do que as motivadas por vingança.”
Locais
O relatório mostra que a zona norte da capital fluminense, onde fica o Complexo do Alemão, concentrou 58% dos casos classificados pelos pesquisadores como chacinas policiais. Em seguida, veio a zona oeste, que apresenta 26,4% desses episódios no período estudado. Já a região central apareceu com 10,2% dos casos. Em último, ficou a zona sul, com 5,5% dos registros.
Ocorreu na zona norte, também, a ação policial considerada mais letal da história do Rio. A operação do Jacarezinho, em 2021, deixou 28 mortos. Pelos critérios da pesquisa, foi “desastrosa”. O bairro concentra o maior número de mortes em operações – 112 vítimas entre 2007 e 2021 – e o tráfico de drogas é uma das explicações para o elevado número, segundo o estudo do Geni/UFF.
Os dez bairros com maior ocorrência de “chacinas policiais” na capital no período examinado foram: Costa Barros (25), Maré? (21), Penha (20), Jacarezinho (19), Santa Cruz (19), Vicente de Carvalho (18), Senador Câmara? (18), Bangu (16), Complexo do Alemão (13) e Cidade de Deus (11).
Para Daniel Hirata, é preciso que os órgãos de segurança do Estado cumpram e aprimorem os protocolos das operações especiais. “Em primeiro lugar, é preciso melhorar os protocolos que dizem respeito às operações policiais”, diz o pesquisador. “Em segundo, é necessário instaurar um efetivo controle interno e externo da atividade policial, ou seja, corregedorias e Ministério Público com vista a se fazer cumprir esses protocolos.”
Operações deveriam ser excepcionais, diz especialista
Antropóloga e cientista política, Jacqueline Muniz diz que as instituições policiais também são vítimas das gestões governamentais. Segundo ela, as operações policiais são usadas como instrumentos para fins eleitorais. “Os governantes que banalizam as operações pouco se importam com a instituição e com a vida policial”, diz. “Isso sabota a polícia por dentro.”
Na visão da antropóloga, o número elevado de operações especiais em comunidades banaliza o recurso que deveria ser utilizado em situações emergenciais e críticas.
“As operações especiais foram criadas para reverter cenários difíceis. São excepcionais, mobilizam elevada escala de recursos e atuam em eventos críticos”, afirma. “O governante não deveria usar um recurso caro e nobre dessa maneira, porque vulgariza e não produz resultado. A aplicação da continuidade das operações policiais também gasta o próprio recurso repressivo da polícia.”
Perfil
Paulo Storani, especialista em segurança pública, antropólogo e ex-capitão da Polícia Militar do Rio, criticou alguns pontos do indicador criado pelo Geni/UFF. Para ele, fatores como o perfil e as particularidades de cada facção criminosa devem ser observados ao medir a eficiência das operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro.
“O número de mortos é um resultado que depende muito mais de quem a polícia enfrenta do que da própria polícia. Os traficantes são divididos em três facções criminosas, duas delas evitam ao máximo o enfrentamento com a polícia”, afirmou.
Procurada para falar sobre o estudo Geni/UFF e sobre a operação no Alemão, a PM respondeu, em nota, que “foram apreendidos um fuzil utilizado para tentar derrubar as aeronaves durante as ações, quatro fuzis, duas pistolas e 56 artefatos explosivos que seriam empregados contra as equipes”.
Também foram apreendidas, segundo a corporação, 43 motocicletas que seriam “utilizadas para causar distúrbios nas vias daquela região”, com objetivo de “desmobilizar as ações policiais e propiciar a fuga de criminosos”.
Conforme o texto, a “Polícia Civil analisa todos os casos e a Polícia Militar colabora integralmente com as investigações”.
A Polícia Rodoviária Federal, que também atuou no local, declarou por e-mail que “não participou do planejamento da operação nem das atividades no terreno”. “Apenas enviamos algumas viaturas blindadas para retirar os policiais que estavam encurralados no interior da comunidade.” A Polícia Civil não se manifestou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.