29/06/2025 - 7:00
A tilápia se tornou o principal peixe da piscicultura nacional e hoje já representa mais de 70% de toda a produção do país. Em 2024, das 968,7 mil toneladas de peixes produzidos, 887 mil toneladas foram de tilápia, segundo a Associação Brasileira de Piscicultura (PeixesBR).
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O crescimento na produção, também é sinal de um aumento no consumo. No mercado, é possível encontrar tilápia sendo vendida das mais diversas formas em vários produtos. Ela é frequentemente comercializada com o nome Saint Peter, o que levanta questionamentos entre os consumidores sobre a identidade e a origem do produto.
A IstoÉ Dinheiro Rural conversou com especialistas para entender a diferença entre ambos e por que o peixe recebeu esse nome, confira:
Saint Peter e tilápia são a mesma coisa?
Felipe Chagas, gerente de piscicultura da GT Foods, explicou que sim, ambos são o mesmo peixe, entretanto têm pequenas modificações genéticas. O que configura o Saint Peter como uma variação da tilápia comum, com leves diferenças, dentre elas, a coloração da pele, que no Saint Peter costuma ser avermelhada, sem o pigmento cinza na pele, característico da tilápia.
Valter Palmieiri Junior, professor de economia do alimento da Strong Business School que estudou a “gourmetização” dos produtos alimentícios em sua tese de doutorado, explicou que ambos são o mesmo produto apresentado ao consumidor de formas diferentes.
“Saint Peter é, na prática, uma tilápia. Mais especificamente, é a tilápia-do-nilo, bastante comum na piscicultura brasileira. Não estamos falando de duas espécies diferentes, mas de duas maneiras de apresentar o mesmo peixe. A diferença não está na carne, mas principalmente na linguagem, que é uma estratégia muito comum. Às vezes, pode ter apenas uma pequena variação de corte e tamanho, quase imperceptível”, aponta.
Por que Saint Peter?
A adoção do nome Saint Peter se deu devido a uma estratégia de marketing do setor buscando atribuir valor e um “enobrecimento” ao produto.
O gerente de piscicultura da GT Foods explicou que a origem do nome é sobretudo baseada em uma teoria cristã de que a tilápia teria sido o peixe usado por Jesus Cristo na multiplicação dos pães e dos peixes. “Como essa espécie é comum no Oriente Médio, essa associação fez sentido”, explica.
A prática de atribuir nomes sofisticados a produtos não é incomum no mercado. Segundo Palmieri, ela transforma o produto, agregando um valor simbólico.
“Em vez de tilápia, que soa simples e cotidiana, Saint Peter sugere sofisticação, elegância. Esse é o processo pelo qual alimentos comuns ganham roupagem nobre, muitas vezes apenas por meio de nomes estrangeiros, embalagens mais limpas ou apresentações mais minimalistas. Nesse movimento, a tilápia é retirada do campo da simplicidade e recolocada como uma escolha de prestígio, sendo, portanto, mais caro”, explica Palmieri.
O professor aponta que o custo de produção não é diferente, entretanto o valor da venda sim. Um restaurante que escreve “Saint Peter grelhado” no cardápio consegue cobrar mais do que se oferecesse simplesmente “filé de tilápia”.
O que muda para os consumidores?
Na prática, sabor, textura e até modo de preparo podem ser idênticos. Mas a experiência pelo nome sofisticado é outra.
“Comer Saint Peter, mesmo que seja tilápia, é uma forma de estar inserido num universo de escolhas valorizadas. E é justamente aí que mora o truque: o nome muda tudo, mesmo que o alimento continue o mesmo”, diz o professor de economia do alimento da Strong Business School.
Já Felipe Chagas também aponta que diversos estudos já mostraram não haver qualquer diferença em termos de sabor, textura e qualidade da carne, entre a tilápia convencional e o Saint Peter.