24/04/2021 - 11:30
Um dos pilares mais relevantes da única denúncia apresentada no caso das “rachadinhas” (desvio de salários) no Legislativo do Rio, a quebra de sigilo bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e outras 94 pessoas físicas e jurídicas faz dois anos neste sábado, 24, em meio a disputas judiciais e incertezas.
Suspensa pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a decisão de Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal fluminense, foi central para a obtenção de indícios que guiaram a investigação e geraram o indiciamento de 17 acusados. Atualmente, porém, essas evidências, por questões formais e processuais, não são consideradas válidas. Seu destino depende de recursos, que ainda serão julgados.
O senador e ex-deputado estadual foi denunciado na investigação por peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita. Foram incluídos na mesma denúncia o suposto operador do esquema, Fabrício Queiroz, e outras 15 pessoas. O suposto esquema teria operado no gabinete do parlamentar na Assembleia Legislativa.
A peça, contudo, está parada no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio. Ficou enfraquecida depois do entendimento do da 5ª Turma do STJ. O colegiado considerou a decisão do juiz Itabaiana, de apenas cinco páginas, pouco fundamentada. O magistrado teria se limitado a acolher a manifestação do Ministério Público, sem explicar detalhadamente o motivo.
Promotoria tenta revalidar decisão do juiz
O MP do Rio busca revalidar a busca. Entrou com recurso no STJ pedindo permissão para o Supremo Tribunal Federal (STF) analisar a questão. Sem a decisão de dois anos atrás, o MP não teria descoberto muitas supostas evidências do suposto desvio de recursos do Legislativo do Rio por meio de funcionários “fantasmas”. A quebra revelou saques em espécie e transferências diretas para Queiroz, por exemplo. O dinheiro era sacado por funcionários nomeados para cargos de confiança no gabinete de Flávio.
O então deputado Flávio Bolsonaro com seu assessor Fabrício Queiroz
O então deputado Flávio Bolsonaro com seu assessor Fabrício Queiroz Foto: Reprodução
O MP do Rio sustenta que o dinheiro foi usado para pagar despesas do parlamentar e lavado em uma franquia da Kopenhagen e em transações com imóveis. Uma nova denúncia deverá abordar esse núcleo da investigação.
Depois daquela decisão de abril de 2019, houve ainda duas etapas de medidas cautelares antes da peça acusatória. A primeira, em dezembro do mesmo ano, já indicava um nível de apuração próximo de uma denúncia, como notaram na época pessoas ligadas ao caso.
Ao pedir a Itabaiana novas quebras de sigilo e mandados de busca e apreensão, o MP dividiu a investigação em seis núcleos. Este incluía, entre outros, um que seria formado por Queiroz e o pelo miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, cuja mãe e ex-mulher foram nomeadas para cargos no gabinete de Flávio. “Capitão” Adriano, como era conhecido, foi morto pela Polícia Militar da Bahia em fevereiro de 2020.
Outro ali citado foi o norte-americano Glenn Dillard. Ele efetuou transações imobiliárias com Flávio e teria recebido valores em espécie “por fora”. Essa foi mais uma ação cuja detecção só foi identificada com a quebra de sigilo.
Na segunda cautelar, o juiz Itabaiana elaborou uma decisão bem maior do que a anterior. Em lugar das cinco páginas de abril – duas apenas para listar os 95 afetados pela medida – o despacho de dezembro tinha 29. Nelas, o magistrado se aprofundou na análise dos argumentos da Promotoria.
A medida de dezembro viabilizou, em junho de 2020, a terceira cautelar, a prisão preventiva de Queiroz e sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar. O argumento foi que atrapalhavam as investigações. Nesse documento, o MP inseriu novos elementos, antecipando parte do que seria usado na futura denúncia. Mostrou, por exemplo, o mapeamento via GPS dos movimentos de uma ex-assessora, Luiza Paes, que não frequentava a Assembleia Legislativa. Meses depois, em depoimento, ela assumiu ser “fantasma”: não ia ao trabalho.
O ponto de partida da investigação foi um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), produzido na Operação Furna da Onça, sobre corrupção no Legislativo fluminense. O trabalho identificou movimentação atípica na conta de Queiroz e fez o MP investigar as suspeitas. A quebra de sigilo de dois anos atrás, no entanto, foi a primeira decisão judicial do caso. Gerou também desdobramentos – um deles, a denúncia formal pelos crimes elencados.
Flávio alega inocência, e sua defesa acumula vitórias
No momento, a defesa do senador acumula a vitória da invalidação da quebra de sigilo pelo STJ com outra: a do foro especial. Depois de ter sido tocado inicialmente pelo juiz Itabaiana, o caso foi para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça. A mudança ocorreu após decisão da 3ª Câmara Criminal do Rio. O colegiado seguiu o entendimento de que, por ser deputado estadual na época dos supostos crimes, o hoje senador deveria ser julgado na instância onde os atuais parlamentares estaduais são processados.
Flávio alega, desde o início das investigações, que é inocente. Afirma ser alvo de perseguição política, cujo objetivo seria atingir o governo do presidente Bolsonaro. Queiroz também nega ter cometido crimes e já apresentou mais de uma versão para explicar o fato de sua conta ter movimentado muito mais dinheiro do que sua renda permitiria. Em uma delas, afirmou ganhar dinheiro com a compra e venda de carros. Em outra, disse que recolhia os salários dos funcionários do gabinete para redistribuir o dinheiro por uma rede mais ampla de colaboradores. O então deputado Flávio Bolsonaro não saberia de nada.
Ainda com relação ao foro em que o caso será julgado, há recursos pendentes em Brasília. Um é do MP, outro, da Rede Sustentabilidade. O relator de ambas é o ministro Gilmar Mendes. Enquanto foro e quebra de sigilo não forem decididos, dificilmente a denúncia andará, já que avanços dela poderiam gerar novos questionamentos da defesa.