O cearense Camilo Santana, de 54 anos, é um político em ascensão no PT e que pode fazer do Ministério da Educação (MEC) um degrau importante dessa escalada. Seu reconhecimento nacional estará atrelado ao sucesso em traçar um plano para recuperar a aprendizagem das crianças, que regrediram para o que sabiam em Matemática em 2013 e mal conseguem entender um texto de duas linhas aos 7 anos no pós-pandemia. E ainda em reestruturar uma pasta crucial para o desenvolvimento da sociedade e do País, mas que deixou de olhar a educação durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) para se resumir a lutas ideológicas, cortes de verba e pastores corruptos.

Apesar de não ter o nome associado à educação, Camilo era até este ano governador reeleito do Ceará, o Estado que é imbatível no critério de reconhecimento de escola pública de sucesso. Continuou com êxito uma política começada pelo PDT no Estado há 20 anos, que levou os cearenses ao topo do ranking das avaliações nacionais. Não sem ressalvas de uma parte dos educadores, que alegam se tratar de um currículo voltado para performance em avaliações e não para a formação crítica do estudante. No xadrez político, no entanto, não há no PT ou fora dele quem tivesse força para contestar seu nome.

Camilo entende a força política da educação como poucos. Quando se candidatou pela primeira vez ao governo em 2014, já levou com ele a então secretária de Educação de Cid Gomes (PDT), Izolda Cela, para vice. Responsável pela revolução no ensino de Sobral, a maior referência cearense, Izolda já era o nome forte na área no Estado e entrou na chapa pela aliança histórica dos dois partidos, que ruiu este ano com a ajuda do então candidato à Presidência Ciro Gomes.

Era ela que aparecia desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva como favorita para, pela primeira vez, o Brasil ter um Ministério da Educação comandado por uma mulher. No País, são 80% de professoras na carreira docente. Elogiada por ter criado um sistema coerente, que junta formação de professores, avaliação de alunos e incentivos financeiros para melhorar principalmente a alfabetização das crianças, Izolda era o sonho de ministra de muitos especialistas. Mas, na briga pelo cargo, uma ala do PT a acusou de representar interesses de fundações privadas. O partido indicou o deputado Reginaldo Lopes (PT) para a vaga e conclamou sindicatos para uma “defesa da escola pública”.

No meio do fogo amigo, Camilo entrou no jogo. O petista tem histórico de bom negociador e elegeu este ano seu sucessor ao governo do Ceará, Elmano de Freitas (PT), no primeiro turno, derrotando o candidato de Bolsonaro. Seu desempenho ajudou Lula a vencer com muita folga no Estado e ainda lhe deu uma cadeira ao Senado.

O presidente eleito queria Camilo no ministério e, na matemática da Esplanada, não cabia dois do Ceará. Entre uma ministra sem partido e o ministro petista que acumula vitórias, ele ganhou de novo.

Conhecida pela humildade e gentileza, agora Izolda segue com Camilo para ocupar a Secretaria Executiva ou a da Educação Básica no MEC. Vai fazer o que sabe. Ser a mentora das políticas educacionais para as crianças das escolas públicas e recuperar a tão necessária articulação com Estados e municípios, que desapareceu nos últimos anos. Enquanto o ministro precisará negociar com Congresso, receber prefeitos e donos de faculdades que enchem o gabinete.

Trajetória

Nascido no Crato, no interior do Ceará, Camilo é pai de três crianças, formado em Engenharia Agrônoma e já foi professor de faculdade técnica. Entrou na política como secretário de Desenvolvimento Agrário no governo de Cid Gomes em 2006, apesar de já ser do PT. Em 2010 foi o deputado estadual mais votado do Ceará, continuou no governo como secretário das Cidades até 2014, quando se candidatou a governador.

Eleito como o menos petista dos petistas, como se dizia no Ceará, se saiu bem ao enfrentar seca, crise política e econômica durante o governo Dilma Rousseff (PT). E ainda facções criminosas que tomaram o Estado, com escalada de violência e motim de policiais militares. A greve culminou em 2019 com o episódio dramático de Cid Gomes baleado em Sobral, justo lá, na cidade referência em educação, ao tentar furar um bloqueio.

Antes de deixar o governo para se candidatar ao Senado este ano, Camilo ainda anunciou que todas as escolas de ensino médio do Ceará funcionariam em tempo integral até 2026. O modelo é visto como uma das políticas de sucesso no mundo todo, que leva à melhora na aprendizagem, maiores salários para os formados, redução da desigualdade e até queda no número de homicídios de jovens.

Foi uma das políticas abandonas pelo MEC de Bolsonaro. Os Estados que puderam, como o Ceará, pagaram sozinhos pela ampliação do ensino integral. Boa parte das crianças do País fica cerca de quatro horas apenas na escola, muito menos que nos países desenvolvidos.

Em seus discursos, Camilo gostava de dizer que “a educação é o melhor caminho para termos um Estado mais justo, humano e desenvolvido”. Agora, é preciso correr a passos largos nesse trajeto. Não dá tempo de acomodar amigos do antigo governo e esperá-los aprender.

Na transição, a brincadeira corrente era a de que um ministro que demorasse três meses para descobrir onde fica banheiro do MEC estaria em maus lençóis. O ministério que cuida de bebês a universitários precisa de gente experiente em navegar pelos seus prédios e anexos – e preparada para as surpresas desagradáveis que sairão das gavetas e computadores da turma que está indo embora.

Há contratos de livros didáticos para serem finalizados; os materiais têm que estar nas salas de aula no começo do ano, programas da creche ao ensino médio paralisados, a penúria das universidades, e é preciso pré-testar itens do Enem (mais ainda, saber de antemão o que significa pré-testar itens do Enem). É um exame de metodologia complexa, que precisa de ajustes e define a vida de milhões de jovens. Os homens de Bolsonaro não entenderam isso em quatro anos. Ao menos, a PEC da transição garantiu R$ 11 bilhões a mais para um orçamento maltratado.

Repercussão

“O Brasil tem que aprender muito com o próprio Brasil, com as boas práticas educacionais que já existem”, diz a diretora do centro de políticas educacionais da Fundação Getulio Vargas, Claudia Costin, ao comentar a escolha de Camilo. E se diz “aliviada” por acreditar que o País vai sair de um “longo período sem ter um formulador e implementador de politicas educacionais”. Destaca ainda a política de colaboração entre os municípios do Ceará, em que os melhores em educação passaram a ajudar os piores.

A presidente executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz, exalta a “dobradinha” Camilo e Izolda. “Coloca substância e consequência à fala recente do presidente eleito de que educação básica será sua obsessão ao lado do combate à fome.” Par ela, a dupla é um casamento de “decisão política e capacidade técnica” que pode resultar numa nova educação para o País.

Entidades ligadas ao ensino privado também elogiaram a escolha de Camilo, com “experiência no executivo” e que “reunirá os melhores técnicos”. “O ensino privado está ao lado do ensino público no compromisso de oferecer uma educação de qualidade às crianças e aos jovens”, disse o presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP), Bruno Eizerik.

Alguns membros da academia não mostraram o mesmo entusiasmo. “Vai haver uma grande ampliação da política educacional voltada para resultados e o PT não vai ser contra isso”, afirma o professor aposentado da Universidade Federal do Ceará e integrante do Comitê Ceará da Campanha pelo Direito à Educação, Idevaldo Bodião. “Qual a política no Ceará? É ir bem no Ideb. O que se faz é treinar o aluno, não se educa no sentido amplo de acesso à cultura e à participação na vida cidadã.”

Ele se refere ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado justamente pelo ex-ministro Fernando Haddad durante o governo Lula, que passou a balizar a avaliação de qualidade de ensino no País. O Ceará está sempre entre as primeira colocações nos últimos anos.

Com foco excessivo ou não em avaliações, é indiscutível que o modelo de educação de Izolda, da família Gomes e de Camilo fez o Ceará, seus professores e estudantes sentirem orgulho da escola pública, perante os ricos do Sudeste. Deu às famílias pobres e nordestinas o sentimento de que valorizar a educação é a melhor escolha. De que é possível, sim, aprender a ler e a escrever. E isso é muito para um País que ainda vota em candidato que diz que polícia militar na escola é a solução. Claro que é preciso ir além. Mas é dever do novo ministro começar a tirar a educação brasileira do lugar da desesperança, como o Ceará já bem ensinou.