20/04/2014 - 23:22
A declaração nostálgica do ator pode até levar à conclusão de que, para ele, ser fazendeiro é uma mera distração. Nada mais equivocado. Benício se tornou um fazendeiro de respeito porque decidiu não entrar sozinho no negócio. Na Agropecuária Copacabana (AgroCopa), ele tem como sócios os pecuaristas André Monteiro, Anderson Blanco e Felipe Picciani, produtor de gado leiteiro e de nelore que já foi presidente da associação de criadores dessa raça, a ACNB. Na AgroCopa, os quatro selecionam gir leiteiro, considerada a raça zebuína mais eficiente para a produção de leite. “A pecuária é para mim uma família gigantesca, porque encontrei o apoio certo para aprender como lidar com o gado ao fazer uma sociedade”, diz Benício. Mas não é somente o ator que considera a influência de outro criador fundamental para tocar o negócio. O cantor sertanejo Leo, da dupla Victor e Leo, empresários como Marcelo Baptista, dono da Protege, especializada em serviços de segurança, e profissionais como Cléber Gonçalves Costa, gerente industrial da Petrobras, não dispensaram a ajuda de gente experiente para realizar um bom projeto pecuário. Ter um padrinho, nessa hora, pode fazer a diferença. O trunfo é contar com o olhar de gente experiente sobre as decisões a serem tomadas porque, para eles, a pecuária também é um grande negócio no qual investem muito dinheiro e que, por isso, precisa dar resultado.
No caso de Benício, seu padrinho e sócio é o experiente Picciani, do Grupo Monte Verde, de Uberaba (MG), que completa 30 anos de atividade neste ano. “Conheci o Picciani no leilão Gir das Américas, no hotel Copacabana Palace, há cinco anos”, diz Benício. Nessa época ele já estava procurando uma atividade ligada ao agronegócio e que cobrisse pelo menos os custos para manter uma chácara destinada ao lazer da família, em Secretário, um distrito de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. As conversas com Picciani mudaram o rumo das coisas. “Fiquei muito empolgado com a possibilidade de apostar em um negócio maior, e um dia ter uma segunda profissão”, diz Benício. “Já estava com isso na cabeça e ali mesmo, na noite do leilão, nasceu a AgroCopa.” Dos seis animais de cabeceira que marcaram o início dos investimentos na Agropecuária Copacabana, batizada em homenagem ao leilão, hoje o plantel está em 600 animais. E, claro, além de sócios, Benício e Picciani ficaram amigos.
Atualmente, os parceiros têm duas fazendas, a outra fica em Tombos, também em Minas Gerais, nas quais há 300 fêmeas em reprodução, 80 vacas girolando meio-sangue, 150 receptoras e 70 bezerros. Para este ano, a previsão é de que nasçam 200 gir leiteiro e 100 girolando. Desde que a parceria foi fechada, os sócios investiram R$ 10 milhões, de acordo com André Monteiro. “A primeira doadora que adquirimos foi a Sema da Cal”, diz ele. A sigla Cal identifica os animais nascidos no rebanho do mineiro Gabriel Donato de Andrade, um dos maiores criadores de gir leiteiro do País e um dos controladores do grupo Andrade Gutierrez. “Foi a partir dessa vaca que começamos a multiplicar o rebanho.” O tiro inicial da AgroCopa, com a compra de Sema, foi tão certeiro que, segundo o padrinho Picciani, até com a sua vasta experiência como criador fica difícil explicar. “Sabia que a vaca era boa, mas quem escolheu a Sema foi o Murilo”, diz Picciani. “Pode não parecer, mas, além do lado artístico, ele tem um tino empresarial muito grande.” Essa característica, no momento de comprar um animal, tem levado Benício a escolher animais com precisão semelhante à de pecuaristas experimentados, com conhecimento técnico e muito tempo de estrada. “Foi assim com vários animais do rebanho”, afirma Picciani. “Na hora ele diz: a minha sensibilidade está mandando escolher essa vaca para a gente comprar. E, bingo.”
Evidentemente isso não faz um criador, mas é um grande passo para aprender, mesmo que seja errando. “O conhecimento técnico virá, com certeza, com a experiência no campo”, diz Picciani. “O Benício tem muita facilidade de gravar o que ouve e a tudo que se relaciona à pecuária ele está atento.”
Atualmente, a AgroCopa mantém touros na central de inseminação artificial Lagoa da Serra, em Teófilo Otoni (MG), e seus animais participam do teste de progê nie da Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro (ABCGil), com a Embrapa, que seleciona e comprova bovinos reprodutores, para posterior venda de sêmen. O próximo passo dos parceiros é investir no nelore, para vender touros e matrizes. “Não queremos vender vaca de milhão de reais, e sim genética que melhore cada vez mais o desempenho das fazendas que acreditam no que estamos fazendo”, diz Monteiro.
O cantor sertanejo Leonardo Sbranna Pimenta, o Leo, da dupla Victor e Leo, criado em Abre Campo, no interior de Minas Gerais, ao contrário do ator Murilo Benício, sempre quis ser dono de fazenda. Com a fama e o dinheiro de shows e CDs, ao conhecer o criador Ricardo Pereira Carneiro, dono de um dos maiores projetos de criação da raça senepol no País, ele encontrou a oportunidade de iniciar um projeto em larga escala. Em 2009, os dois fecharam uma parceria chamada projeto Tamá, para fazer melhoramento genético em Santana do Araguaia, um polo importante de criação de bezerros, no sul do Pará. Na época, Carneiro procurava um sócio para acelerar o melhoramento genético na fazenda, a partir de um rebanho de 1,2 mil vacas comerciais. “Com a parceria, veio a intensificação do uso da genética senepol para lapidar o rebanho”, diz Carneiro. “Apartamos os melhores para formar um plantel de animais superiores no Pará porque queremos vender tourinhos.” O projeto, hoje, está avaliado em R$ 10 milhões. “Virei fazendeiro mesmo, porque até em show tem gente que vem me perguntar sobre o senepol”, diz Leo. Carneiro, que cria um rebanho de 1,7 mil animais puros em Uberlândia (MG), na fazenda Soledade, diz que o próximo passo do cantor é investir na alta seleção genética sozinho, com a compra de uma fazenda próxima à sua, em Minas. “No Pará, continuamos juntos, mas é bom que ele faça um rebanho só dele.”
ABRE-ALAS Segundo Carlos Alberto Silva, dono do grupo Publique, uma agência de publicidade e marketing especializada em pecuária, a ligação entre um pecuarista que inicia seu rebanho pela mão de outro pode ser dividida em dois momentos peculiares. Primeiro, a ajuda de um criador experiente funciona com um abre-alas no mercado. “Bem orientado, o início de um empreendimento rural pode dar fruto rapidamente.” De acordo com Silva, quem tem um mentor tem um caminho aplainado de como fazer o melhoramento do gado e como comercializar esse rebanho. “Depois, ele pode até seguir caminho sozinho, buscar seu espaço e suas convicções do que é melhor para o seu negócio.” O segundo momento, para o publicitário, se repete todas as vezes que um criador faz referência ao início de sua criação. “O padrinho fica como uma marca da fazenda”, diz Silva. Nos catálogos dos lotes a serem vendidos em leilões, por exemplo, há sempre uma referência da origem do rebanho. “A primeira pergunta de um comprador de gado é: de onde ele vem?”
Foi o que fez o empresário Marcelo Baptista, dono do grupo Protege, de São Paulo, a maior empresa brasileira especializada em segurança patrimonial. Em 2000, Baptista criou o grupo AgroMaripá e comprou a fazenda Gairova, em Juara, no norte de Mato Grosso, para criar gado nelore. A partir de 2004, ano em que começou a pensar na implantação de um programa de melhoramento genético em sua fazenda, ele passou a estudar como os grandes criadores lidavam com o gado. “Com o Cláudio Sabino Carvalho (que faleceu em 2012) foi amor à primeira vista”, diz Baptista, referindo-se ao dono da Chácara Naviraí, com duas sedes, uma em Naviraí (MS) e outra em Uberaba (MG). Baptista conta que foi até a Naviraí para comprar um touro, mas, quando Carvalho soube o que ele queria fazer no Pará, tudo mudou. “O Cláudio me disse que não venderia nada para mim, porque não me queria como cliente, mas como sócio.”
E assim aconteceu: por dois anos, Carvalho acompanhou o trabalho da fazenda Gairova, assessorou Baptista na hora de apartar as melhores fêmeas e orientou-o a manejar o rebanho. “Esse criador me deu luz e em cinco anos pude entender o que é genética bovina”, diz. Baptista e Carvalho ficaram tão próximos que chegaram a viajar juntos para a Índia, atrás de novas linhagens de nelore. Hoje, Baptista tem um rebanho de 18 mil animais no Pará, 300 fêmeas de alta seleção em Jaguariúna (SP), em uma pequena fazenda para produzir 300 embriões por ano, e 20 touros produtores de sêmen, dos quais cinco em centrais de inseminação. Em 2010, ele criou um teste de progênie exclusivo para avaliar os touros da fazenda, antes de colocá-los à venda. A Gairova, com o apoio da Associação Nacional de Criadores e Pesquisadores (ANCP), é a única propriedade do País a realizar o teste por conta própria.
Na Naviraí, atualmente o projeto é dirigido pelo herdeiro Cláudio Carvalho Filho e por seu cunhado, o veterinário Alan Ventura Pfeffer. “Meu pai sempre dizia uma frase que levamos muito a sério: ‘para fazer um bom gado você precisa olhar para dentro da sua fazenda’”, afirma Cláudio Filho. “Também gostava de dizer que os programas de melhoramento são essenciais numa fazenda, mas eles não são suficientes”, diz Pfeffer. “E é isso que continuamos a fazer: olhamos para a fazenda e para o gado da fazenda.” Entre os pecuaristas mais antigos, é comum encontrar a expressão “olho da Naviraí”, numa referência ao trabalho do selecionador. Ele dizia que gado para viver no pasto tinha que ter boca grande e ossatura forte. Os números da fazenda mostram que ele estava no caminho certo: são 28,5 mil registros genealógicos na Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), mais três raças criadas além do nelore (brahman, guzerá e gir), 1,7 mil fêmeas de alta seleção genética, 40 touros com sêmen em centrais de inseminação e 1,7 milhão de doses vendidas, das quais um milhão nos últimos cinco anos. No ranking da ACNB, que lista os 25 melhores touros nelore, sete são da Naviraí.
O economista Carlos Viacava, criador de nelore mocho que já presidiu em duas oportunidades a ACNB, acredita que para influenciar alguém a tomar uma decisão é preciso, de fato, acreditar na genética que se faz denro da fazenda. “Eu mesmo comecei a criar há quase três décadas, por influência de um grande criador”, diz Viacava, que já integrou o alto escalão do Ministério da Fazenda no final da década de 1960 e pos- teriormente tornou-se executivo do grupo Cutrale, o maior produtor de suco de laranjas nacional. Ele se refere a Ovídio Carlos de Brito, do grupo OMB, de Pontes e Lacerda (MT), o maior vendedor de touros do País, com 2,5 mil animais vendidos, por safra. Viacava, que possui três fazendas em São Paulo, nas quais estão 2,2 mil fêmeas em reprodução, vendeu 980 touros em 2013. “Se há um trabalho bem-feito, tem sempre alguém querendo aprender”, diz Viacava. Numa espécie de retribuição ao apoio recebido no passado, Viacava também vem colaborando com os pecuaristas de primeira viagem, na formação de seus plantéis. O empresário André Gonçalves Ferreira, do ramo siderúrgico, proprietário da fazenda Cambira, de Pratinha do Araxá (MG), conheceu Viacava em 1986. “Seguir as lições de quem sabe é um aprendizado constante”, diz Gonçalves, dono de um rebanho de 250 fêmeas e 70 touros para serem vendidos, por safra. Segundo ele, até chegar a um lote de alta seleção foram necessários 12 anos de trabalho. Seu aprendizado levou-o a dirigir a Associação de Criadores de Nelore de Minas Gerais, entidade que ajudou a criar. “Paciência é uma virtude na criação de gado e é isso que digo a quem está começando”, afirma Viacava.
A exemplo de Ferreira, entre os novos criadores apadrinhados por Viacava figuram o gerente industrial da Petrobras Cléber Gonçalves Costa, de Paulínia (SP), e sua mulher, Marina. Em 2009, o casal comprou uma fazenda em Presidente Olegário (MG) e pediu apoio a Viacava para começar a montar um rebanho. No ano passado, eles adquiriram as primeiras 30 fêmeas, um lote de touros para cobrir a vacada e 1,5 mil doses de sêmen. “Em 2014 queremos comprar mais 300 fêmeas”, diz Costa. O projeto do casal partilha da ideia do ator Murilo Benício: ter na pecuária uma segunda atividade. “Já sou pecuarista e estou trabalhando para ter um negócio rentável”, diz Costa, que planeja comprar outra fazenda. Sem perder de vista, é claro, o velho ditado gaúcho que diz: “quem tem padrinho não morre pagão”. Adivinhem quem Costa e Marina vão procurar para trocar umas ideias?