03/12/2021 - 11:18
A família de Vanessa Gonzaga Noronha viveu horas de angústia naquela manhã de janeiro de 2013 para ter notícias de seu irmão, Odomar Gonzaga Noronha. Ela, sua irmã e seu pai pegaram o ônibus até os hospitais de Santa Maria para ver se o encontravam, já que na noite anterior ele era uma das centenas de pessoas que estavam na boate Kiss quando houve o incêndio que marcou a história do País.
Por volta das 15h daquela tarde, depois de passar pelos hospitais sem encontrar o nome de Odomar nas longas listas de feridos, seguiram rumo ao último local para obter informações sobre as vítimas, o Centro Desportivo Municipal (CDM) da cidade. “Todo mundo que não tinha mais esperança de encontrar seus parentes, descia aquela rua. Eram muitas pessoas em silêncio descendo em direção ao CDM. Era uma descida silenciosa”, relembra Vanessa.
Odomar, então com 27 anos, foi uma das 242 pessoas que morreram na tragédia. Outras 636 ficaram feridas. Desde a última quarta-feira, 1, familiares e sobreviventes acompanham o momento aguardado desde então – o julgamento dos quatro réus que respondem pelo incêndio. “Queremos um pouco de paz, foram oito anos de luta e de perda”, desabafa a irmã.
Para Vanessa, foram anos de impotência à espera de uma resposta. “Precisamos disso para acalentar nossos corações, para não deixar que isso torne a acontecer. Podemos ter esperado todo esse tempo, foi doloroso, mas chegamos até aqui”, diz.
Para o psiquiatra Vitor Crestani Calegaro, coordenador do ambulatório de Psiquiatria do Centro Integrado de Atendimento às Vítimas de Acidentes, em Santa Maria, o julgamento tem um simbolismo muito importante. “Nesse momento as pessoas estão lidando com a expectativa. Quando tivermos o dado concreto, possibilita que a pessoa lide com o fato. Aí podemos entender isso, do ponto de vista individual e coletivo, e entender como serão as próximas páginas deste livro”, resume.
Segundo o psiquiatra, que atende aos sobreviventes do incêndio há oito anos, o julgamento tem, também, um aspecto de encerramento de um ciclo. “Essa história da Kiss está sendo escrita no livro autobiográfico de cada pessoa envolvida. Vai ficar na memória individual tanto quanto na memória coletiva. É um acontecimento que vai ficar na história do País”, pontua.
Uma cidade em luto
Vanessa havia acabado de ser aprovada para cursar Jornalismo na universidade, mas depois daquele 27 de janeiro preferiu tirar um tempo das notícias: durante nove meses, não assistia TV, não ouvia rádio e nem visitava o centro da cidade, onde ficava a boate. A cidade, em si, também se transformou, segundo Vanessa. “É bem difícil conversar com alguém em Santa Maria que não saiba de uma pessoa que tenha falecido lá”, conta. “Tudo mudou. A forma como a gente vê os nossos modos de lazer, a universidade, nada ficou como era antes”.
O cotidiano de Santa Maria, que era alegre e repleto de jovens universitários, deu espaço a um clima de luto coletivo. “Depois poucas pessoas saíam à noite, poucas iam se divertir, as pessoas tinham um aspecto triste. Não era só a gente, parecia que toda a população de Santa Maria tinha perdido um familiar”, relembra a jornalista.