07/05/2018 - 10:00
Gigantes do agronegócio e redes de varejo, como Bunge, Cargill, Louis Dreyfuss, Nestlé, Carrefour, Pão de Açúcar e Walmart, estão entre os principais usuários dos serviços de certificação e de rastreabilidade, embora nem tudo chegue ao consumidor. Mas saber a origem do alimento que vai para a mesa é uma demanda sem volta no mercado. Ela tem ganhado força nos últimos anos, como conceito de segurança alimentar. No entanto, as bases técnicas de regulamentação de produtos agrícolas são amplas e complexas. Gerenciar processos, seguir protocolos, documentar e fazer com que as informações circulem nas cadeias produtivas do agronegócio exige um esforço coletivo, do produtor ao varejo, passando pelo governo. “O pior dos mundos é uma matéria-prima na porta da fábrica, mas em desacordo com as suas características”, afirma o executivo Rodrigo Rodrigues Alves, 50 anos, CEO do Genesis Group, com sede em Londrina (PR). Criado em 2001, ele é hoje uma das maiores empresas de certificação, auditagem e rastreabilidade do País, com um braço no Paraguai e indo para outros mercados, como Argentina, Chile, Colômbia e Uruguai. No ano passado, o grupo monitorou 56 milhões de toneladas de grãos. Em fevereiro deste ano, expandiu sua atuação com a fusão da PariPassu, empresa catarinense, também especializada em certificações e rastreabilidade, mas da cadeia de frutas, legumes e verduras (FLV). Confira a entrevista:
DINHEIRO RURAL – A quem cabe a tarefa de certificar e rastrear um alimento que vai para a gôndola do supermercado?
Rodrigo Rodrigues Alves – A tarefa é uma responsabilidade do varejo. É ele que põe na gôndola um alimento para o público comprar. E a tendência mundial é clara: o varejo tem de trazer a rastreabilidade no produto que ele coloca na gôndola, com QR Code, checagem feita através de uma máquina. Informações desde a origem dos alimentos são um caminho sem volta. O consumidor é o demandador e o pagador de tudo e já se movimenta. Hoje, já existe uma série de produtos com QR Code.
RURAL – Mas a impressão que se tem é que o consumidor não acessa essas informações.
ALVES – Há uma falta de hábito em checar. A categoria de frutas, legumes e verduras (FLV), por exemplo, gera muita imagem. Mas o que acontece, de modo geral, é que o consumidor tem o hábito da feira. Ele bate o olho e, se gostar, leva porque o produto está bonito. O consumidor ainda não olha o produto e se pergunta de onde ele vem. Mas a rastreabilidade já é um nicho que está começando a ser explorado, principalmente nas linhas gourmet. Não foi por acaso a compra da Whole Foods, nos Estados Unidos, pela Amazon.
RURAL – Que movimento há nesse sentido?
ALVES – Eu acho que a cadeia varejista está se movimentando. Em 2016, o Walmart fez um anúncio em nível global para o seu segmento de FLV. Todo fornecedor terá que entregar produto rastreado, inclusive no Brasil. Existem prazos para que os fornecedores se adéquem e coloquem programas de rastreabilidade em suas propriedades.
RURAL – E nas certificações, um passo importante no processo de rastreabilidade?
ALVES – Existem, nas certificações, equações de raiz quadrada que permitem um percentual de aferições em toda a cadeia. Quando uma indústria compra um produto, ela conta com a matéria-prima porque já tem um caminhão na porta da fábrica esperando para levar a carga para o varejo. O pior dos mundos é uma matéria-prima na porta da fábrica, mas em desacordo com as suas características. A saída para mitigar isso é atestar o produto na origem.
RURAL – Para as commodities também há uma tendência de sofisticação de processos?
ALVES – Sim, porque elas estão entrando em uma linha de diversidade de produtos. É a tecnologia que está levando a esse movimento. Na soja, por exemplo, existe a convencional e a transgênica e é preciso identificá-las. Mas está vindo aí um grão transgênico mais produtor de óleo, com maior teor de Ômega 3. Então, será preciso testar e segregar esses grãos para nichos de mercado. Isso é uma tendência global. Hoje, o mundo das commodities funciona por saca: 50 sacas de soja para isso, 50 para aquilo. No momento em que as mudanças começarem a ocorrer em escala, elas demandarão um ajuste fino no negócio.
RURAL – Essa segregação vai exigir que tipo de participação do produtor?
ALVES – Participação total. O produtor vai ter de fazer uma opção na hora da compra da semente. Ou plantar várias sementes, olhando para quais mercados ele quer produzir. Como já ocorre hoje com a soja convencional, que tem um valor até 20% superior à transgênica. Como já ocorreu em FLV, no varejo da rede Pão de Açúcar, para monitorar resíduos de agroquímicos. O grupo, quando começou a estabelecer a rastreabilidade para os seus produtos, viu que era necessário olhar para trás na cadeia. E percebeu, ao longo do tempo, que um dos pontos-chave era o produtor. Assim, foi feita uma cartilha que se chama Caderno de Campo, em que o produtor acompanha todos os dados de sua propriedade, como plantio, tipo de defensivo que usa, entre outros itens. Ele fica conectado ao varejo, consegue identificar a produtividade e o nível de aceitação de seu produto. A informação ajuda a educar. E a cadeia de FLV é um mercado muito mais fragmentado do que o das commodities. É um mundo de produtores onde R$ 0,10 faz uma diferença absurda em suas vidas. Quando os benefícios começam a aparecer, eles enxergam rapidamente o valor do controle. Em um supermercado muito bem tocado, por exemplo, 6% de sua venda líquida são em perdas. Em FLV essa perda pode chegar a mais de 10%. Isso pode ser evitado já nas propriedades.
RURAL – Mas o senso comum é de que as certificações encarecem processos.
ALVES – Eu creio que a tecnologia é desbravadora para fazer os processos que estão caros ficarem factíveis. Cada vez mais, as tecnologias da informação vão ficar viáveis para que toda a cadeia produtiva use um sistema.
RURAL – Hoje, no custo de uma tonelada de soja o que significa ser ou não certificada?
ALVES – Significa muito pouco, em se tratando de commodity exportada. Por exemplo, uma tonelada de soja em Sorriso (MT), o maior município produtor do País, ou sobe para os novos portos do Arco Norte ou desce para Santos (SP) ou Paranaguá (PR). O preço do frete, entre Sorriso e Santos tem uma variação, dependendo da oferta da logística, no caso caminhões ou vagões. Hoje está R$ 300 a tonelada e daqui a três dias pode ser R$ 320. Não mudou nada em quilômetro ou na tonelagem, mas há uma oscilação de R$ 20. A certificação custa 10% dessa oscilação. E toda trading usa, porque os compradores não aceitam soja não certificada.
RURAL – Como o sr. avalia o uso de certificações visando à rastreabilidade?
ALVES – No caso da indústria da soja, por exemplo, se ela atende um nicho de mercado, os controles têm continuidade. Quando a indústria vai para um produto commodity, esse controle para. Hoje, a indústria usa a certificação mais como uma defesa e menos como um fator de ataque. Por exemplo, para mostrar que em uma determinada carga de alimento não contém salmonelas.
RURAL – Uma certificação eficiente evitaria a Operação Trapaça, como ocorreu no mês passado?
ALVES – Deveria. Porque a certificação leva a um processo muito ágil de detecção de uma carga fora de padrão. É possível rapidamente chegar ao fornecedor e fazer o embargo de um processo.
RURAL – Como deveria ser o setor de fiscalização e controles sanitários no País?
ALVES – Eu penso que o governo não pode perder o controle. Cabe a ele essa tarefa. Porém, o governo deve ser o auditor do sistema sanitário e não absorver todo o trabalho na cadeia do alimento. Controladoras privadas dariam conta do serviço, ficando para o governo o papel de auditor, de fiscalizador. O sistema ganharia agilidade com menos agentes do Estado.
RURAL – Mas há defensores do atual modelo, em oposição à participação da iniciativa privada.
ALVES – Mas a iniciativa privada é bem vista pelo importador. Quando sai um navio do País, o comprador nomina uma controladora privada, mesmo tendo um agente da fiscalização brasileira e uma controladora por parte do vendedor. São controladoras acreditadas por organismos internacionais. Há dois importantes, o The Grain and Feed Trade Association (Gafta) e a Federation of Oils, Seeds and Fats Associations (Fosfa). São protocolos internacionais, como no Brasil há os do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). O Inmetro audita produtos que ele precisa controlar.
RURAL – O mundo pode intensificar as barreiras sanitárias ao agronegócio?
ALVES – Nas cadeias de alimentos acho que não. Porque há duas potências em crescimento, no caso Índia e China, com quase três bilhões de habitantes. Para esses países, segurança alimentar é garantir o alimento. Então, elas precisam desenvolver países produtores. O Brasil é um deles. Talvez, o que tenha mais tecnologia e condições de produção a preços para disputar o mercado mundial. Com todas as dificuldades, com a infraestrutura logística mais cara do mundo, o País está ganhando espaço. Não vejo barreira não tarifária, eu vejo ajuda. Mas o Brasil precisa ser transparente. O agronegócio não pode aparecer a cada dia nos noticiários tendo sua imagem denegrida, no caso atual, a da indústria. Nas commodities, as tradings fizeram um bom trabalho. Há quantos anos não se escuta que um navio de soja ou de milho brasileiro teve problema no destino? Eu não me lembro da última vez. A indústria precisa passar por isso também, ser transparente.
RURAL – Transparente em processos?
ALVES – Sim, cada vez mais transparente em processos. A indústria tem de olhar para os processos e falar abertamente para o varejo e para o consumidor o seguinte: “quem está dizendo que os meus filhos são lindos não sou eu, é uma terceira parte”. Não sou eu que falo que o meu produto é o melhor. Rastreabilidade e certificação não são para inglês ver, são para se provar.