Após uma manhã e início de tarde marcados por instabilidade e trocas de sinal, o dólar se firmou em baixa no mercado doméstico nas últimas horas da sessão desta quinta-feira, 22, em meio à arrancada do Ibovespa, na contramão de Nova York, ao fortalecimento de divisas emergentes e à redução da alta da moeda americana em relação a pares fortes. Com renovação sucessiva de mínimas na reta final do pregão, quando rompeu o patamar de R$ 5,11 e desceu até R$ 5,1072, o dólar à vista encerrou o dia em baixa de 1,13%, a R$ 5,1143. Com isso, a moeda passa a acumular perdas de 2,76% na semana.

Segundo analistas, o real e os demais ativos brasileiros se portaram muito bem no “day after” à decisão e ao tom duro do Federal Reserve (Fed, o BC norte-americano).

O desempenho da moeda brasileira, em particular, é atribuído em parte à diminuição da percepção de risco fiscal, sobretudo após o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles dar seu apoio formal ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder nas pesquisas. Outros pontos são o fato de o BC brasileiro ter saído na frente no ajuste da política monetária, encerrado na quarta-feira com manutenção da Selic em 13,75%, e o avanço surpreendente do PIB neste ano.

“Mais uma vez a moeda brasileira se destaca. É natural que haja volatilidade diante do ambiente global. O dólar pode beliscar bandas de R$ 5,25 no curto prazo, porém estou convencido pelos fundamentos locais e potencial fluxo de taxa mais perto de R$ 5,10”, afirma o diretor de produtos da Venice Investimentos, André Rolha.

O especialista em mercados internacionais da C6 Bank, Gabriel Cunha, viu como exagerada a reação do mercado de câmbio ao apoio formal de Meirelles ao ex-presidente Lula, uma vez que tanto o petista quanto o presidente Jair Bolsonaro já acenaram que não tem compromisso com a manutenção do teto de gastos, pelo menos não no formato atual.

“Mas é fato que, desde a aparição de Meirelles ao lado de Lula, o real tem tido uma performance melhor que outras moedas. Mesmo em dia em que o dólar subiu lá fora, o real se descolava. Continuamos vendo uma performance melhor agora”, diz Cunha, que aponta o juro real elevado como um dos determinantes da trajetória da moeda no curto prazo. “Como prevemos aumento da dívida líquida no ano que vem, temos projeção para o dólar superior a do mercado. Nossa projeção é de R$ 5,50 para o fim deste ano e de R$ 5,80 no próximo.”

Como esperado, o BC norte-americano elevou a taxa básica americana em 75 pontos-base, para a faixa 3% a 3,25%. As projeções econômicas de integrantes do Fed desenharam, contudo, um quadro desafiador para a economia dos EUA: desaceleração da atividade, juros em níveis restritivos e inflação ainda resistente a caminhar rumo à meta. Com perspectiva de taxa básica americana acima de 4% e juros reais ao longo de toda a curva, segundo palavras do presidente do Fed, Jerome Powell, os retornos dos Treasuries escalaram e o dólar experimentou uma roda de fortalecimento na comparação com seus pares, à exceção do iene, que se fortaleceu após intervenção do governo.

“O Fed estava atrás da curva e agora não está mais. Ele sinalizou que os juros vão ser restritivos até 2025”, afirma Cunha, que prevê um dólar globalmente forte e tempos difíceis para as bolsas lá fora. “Enquanto o mundo não estiver crescendo, um ciclo de dólar fraco é muito difícil. China e Europa estão desacelerando.”