07/09/2017 - 8:00
Ver o que ocorre na pecuária leiteira americana serve a dois propósitos: saber como os pecuaristas produzem a partir de animais de alto desempenho e como eles lidam com um mercado mundial em competitividade acelerada. Hoje, cada vaca leiteira nos Estados Unidos produz a média de 10,1 mil litros de leite por ano, quantidade 23% acima do ano 2000. Para comparação, a média brasileira de é 1,5 mil litros por vaca. A produção do país, que naquela época era de 76 milhões de toneladas de leite, hoje é de 93,5 milhões de toneladas. Os produtores deram esse grande salto na produtivade aumentando o rebanho de 9,2 milhões de vacas ordenhadas, para apenas 9,3 milhões. Mais uma comparação: o Brasil produz 35 milhões de toneladas de leite, com 23 milhões de vacas. Somente as exportações de lácteos, como leite em pó e queijos, injetam na economia americana US$ 15 bilhões por ano. A par dessa realidade, Wijnand Pon, 73 anos, um senhor de comportamento curioso mas discreto, chapéu panamá nas mãos, caminhava com passos firmes em uma manhã do início do verão americano, que vai de junho a setembro. No final de junho, por volta de 10 horas, os termômetros já marcavam 16 graus, temperatura alta para quem costuma conviver com marcas negativas no inverno. Nessa ocasião, Pon estava animado em conhecer os detalhes de como funciona a leiteria Steenblik Dairy, uma fazenda localizada em Pewamo, aldeia do Estado do Michigan, na qual vivem cerca de 500 moradores. Mas, ao contrário do lugarejo, a fazenda é grande. A Steenblik Dairy é uma das maiores da região, com 3,4 mil vacas leiteiras que produzem diariamente 141,7 mil litros de leite, o que dá uma produção anual de 51,8 milhões de litros. A família Steenblik começou a criar a raça holandesa em 1994, ordenhando 60 vacas. Pon estava interessado em conhecer o plano genético da fazenda, saber quais touros são utilizados, como é feita a gestão do negócio e qual o futuro da atividade na propriedade. “Nos próximos 20 anos, grandes mudanças vão ocorrer, principalmente na área de genômica animal”, afirmou ele. “Precisamos ir ligeiros nas pesquisas e nos processos implantados nas fazendas, para produzir mais leite por vaca e de modo sustentável. E ter como meta que esse desenvolvimento jamais pode parar, cada vaca é uma fábrica de leite.”
Na manhã da primavera americana, a DINHEIRO RURAL acompanhou Pon e um grupo de 360 produtores e técnicos de 26 países – asiáticos, europeus, americanos e africanos –, convidados por ele, dispostos a rodar pelo Michigan visitando algumas de suas melhores fazendas. Em quatro dias, foram vistas nove propriedades e 19 mil vacas em produção. Pon, que nasceu na Holanda, tem propriedade em Feerwerd, uma aldeia na qual moram cerca de 300 pessoas, localizada a cerca de 200
quilômetros de Amsterdã. Ele é, de fato, um homem do campo. Além da fazenda próxima de onde reside, Pon possui criação de gado leiteiro na Alemanha, na Escócia e na Polônia. No total são 3,2 mil vacas em lactação. Mas Pon não é um produtor qualquer. Ele é um dos cinco homens mais ricos de seu país, com uma fortuna avaliada em US$ 2,2 bilhões. De acordo com a revista americana Forbes, fortuna amealhada como o maior importador de carros das marcas Porsche e Volkswagen na Holanda, além de dono da Accell Group, uma das gigantes do mercado de bicicletas em toda a Europa. Mas ele aprecia, mesmo, ser visto como o controlador da Koepon Holding, onde está o coração de seus negócios no campo. Isso porque a sua atuação no agronegócio não se resume a ordenhar vacas em Feerwerd. A Koepon Holding é dona de um grupo de seis empresas que vão de agricultura de precisão ao desenvolvimento genético de bovinos. Entre elas está a Alta Genetics, de origem canadense, que se tornou a maior empresa privada de inseminação artificial do mundo, com a maior parte dos negócios nos Estados Unidos. Em 2000, época em que detinha 12% das ações da empresa (até então abertas na bolsa de Toronto), Pon investiu US$ 260 milhões para comprar o controle total da companhia que atua em 90 países. E aí começa a sua ligação com o Brasil, que ele conhece desde a década de 1980. A sede da Alta Genetics está em Uberaba (MG). Juntamente com os Estados Unidos, o centro brasileiro é um dos maiores em produção de sêmen do grupo, que possui 14 unidades em seis países. “O Brasil é um país que vai crescer mais rapidamente que o mundo”, afirma ele. “E tem mostrado organização para essa tarefa.” Além do Brasil e Estados Unidos, os centros de genética estão localizados no Canadá, na Argentina, na Holanda e na China.
Pon entende de vacas e de negócios. Em suas mãos, a Alta Genetics que vendia pouco mais de quatro milhões de doses de sêmen no ano 2000, comercializou no ano passado cerca de 15,3 milhões de doses coletadas de 1,1 mil touros. A receita foi de E 150 milhões. No mundo, a Alta disputa espaço com outras gigantes do setor de genética animal, como a ABS Global, a Semex, a CRI, a Select Sires, todas com atuação no Brasil. Para ele, e também para o grupo de produtores, além de saber sobre o país, esmiuçar a pecuária leiteira americana é entender como os pecuaristas vêm tratando o seus rebanhos e como as fazendas se organizam, sejam elas gigantes ou médias propriedades. São 42 mil pecuaristas na atividade leiteira, em 23 Estados. Entre os maiores produtores estão os Estados da Califórnia em primeiro lugar, mais Michigan, Idaho, Nova York, Texas e Novo México.
Lida na fazenda: da criação das bezerras em baias individuais, à ordenha em sistemas como o carrossel (à dir.), os produtores americanos de gado leiteiro têm trabalhado melhorar a gestão familiar das propriedades
O produtor Albert Els Steenblik, que possui 2,4 mil vacas em lactação, de um rebanho de 3,5 mil animais, investiu na última década cerca de US$ 20 milhões no negócio. O dinheiro foi gasto em estábulos, em uma sala de ordenha do tipo carrossel para 86 animais, além da compra de genética. A receita anual é de US$ 24 milhões. Steenblik trabalha para elevar a produtividade em 10%, com vacas produzindo 45 litros de leite por dia. “É preciso rentabilizar a produção e isso se faz investindo no conjunto”, afirma o produtor. “Saber para onde vai a criação é essencial.” Na Double Eagle Dairy, localizada em Middleton, a cerca de 30 quilômetros de Pewamo, o produtor John Weller afirma que o grande desafio da atividade leiteira é rentabilizar a propriedade e planejar. A família Weller, com 3,4 mil vacas em lactação, produz leite desde a década de 1950. A atual média por vaca é de 40 litros por dia, volume equivalente a 50,3 milhões de litros por ano. Ele afirma que nos últimos cinco anos, a margem de lucro por litro produzido variou de US$ 0,02 a US$ 0,24, o que significou cerca de US$ 12 milhões no bolso.
“Produzir leite é um bom negócio, mas é importante que nos momentos de alta o produtor não se esqueça de que a atividade se move em ciclos”, diz Weller. “Hoje, embora outros Estados estejam trabalhando em alta, no Michigan nós esperamos para os próximos dois anos um aperto nos negócios”.
INDÚSTRIA Gigantes no processamento de lácteos têm os olhos voltados para esse mercado, mas nem todas estão presentes nos maiores Estados produtores. A suíça Nestlé, por exemplo, que faturou no mundo US$ 24 bilhões, dos quais angariou US$ 11,6 bilhões nos Estados Unidos, não tem unidades de captação de leite no Michigan. Para os produtores é esse o desafio: faltam laticínios. O domínio local é de três empresas que estão no grupo das 100 maiores desse setor americano: a holandesa Meijer, que faturou US$ 474 milhões em 2016; a Michigan Milk Producers Association, com US$ 427,9 milhões; e a Continental Dairy Facilities Coopersville, com US$ 259,3 milhões. As estratégias para driblar esse mercado restrito na entrega de leite passam por alternativas como do produtor John Vander Dussen, da Prairie View Dairy, localizada em Delton. A família de Dussen produz leite na Califórnia desde os anos 1940. Seu projeto no Michigan começou em 2007 e deslanchou. Das 600 vacas iniciais, hoje são 2,4 mil holandesas, com produção anual de 30,6 milhões de litros. Todo o leite é processado e vendido como produto fluído, manteiga, iogurte e até sorvete. Vai para o consumo com marca própria, Prairie Farms, com uma advertência que tem dado resultado. Na caixa de leite está escrito: marca de produtor. Além da própria produção, a marca processa leite de outros produtores, em geral pequenos criadores. No Michigan há 1,8 mil fazendas leiteiras, a maior parte de pequeno porte com média de 217 vacas em lactação.
O produtor Kevin Lettinga, da fazenda Walnutdale Farms, que fica no distrito de Wayland, também achou um caminho: a criação de uma cooperativa para o comércio de leite. Lettinga e sua filha Aubrey, administram um rebanho de 1,6 mil holandesas e 500 jerseys em lactação, respectivamente com produção de 24,4 milhões de litros anuais e 5,9 milhões de litros. O faturamento com o leite é de US$ 10 milhões por ano, mas já foi abaixo dessa marca. A cooperativa Great Lakes, criada pelo pecuarista, nasceu há cinco anos para rentabilizar o negócio. Hoje, cinco fazendas da região conseguem US$ 0,05 a mais por litro vendido. “Faz a diferença ter um ponto de venda conjunta”, afirma Lettinga. “A cooperativa ajuda a organizar a produção.” A filha Aubrey, 31 anos, e que está sendo treinada para assumir o negócio criado pelo seu avô Half Lettinga nos anos 1970, afirma que além da parte comercial, organizar a produção significa por foco na capacidade produtiva das vacas. “Saber que tipo de vaca está na ordenha, no dia a dia, é fundamental”, afirma Aubrey. “Nos últimos três anos, nós melhoramos a sanidade do rebanho e continuamos a aumentar a produção.” Molly Sloan, formada em ciência leiteira pela Universidade do Wisconsin, em Madison, e gerente global dos programas de treinamento da Alta Genetics, diz que planejar a genética do rebanho é o que dá um norte para a criação. “O produtor precisa saber qual peso ele vai dar para a produção de leite, para a sanidade do rebanho e para a conformação animal, em uma escala de um a 100”, afirma Sloan. “É com o desenho do tipo de animal mais adequado à sua realidade que o produtor pode ir em busca da melhor genética, não importa o tamanho do rebanho.”
GENÉTICA A Tubergen Dairy, localizada no distrito de Ionia, mantém 850 holandesas em lactação, com produção média de 43 litros diários. Administrada pelo pai Dennis Tubergen e pelos filhos Todd e Kurt, que ajudam no manejo, e Amber na administração, a fazenda tem ganhado produtividade. Na agenda do planejamento genético, a escolha dos touros para cobrir as vacas recai em 70% para a produção de leite, 15% para a sanidade e apenas 10% para a conformação animal. Amber tem as contas na ponta do lápis: até seis meses, uma bezerra custa US$ 800 e até o nascimento do primeiro parto, US$ 2,2 mil. Desde 2005, todo o gado é inseminado. “Queremos aumentar a produção, medindo o desempenho”, diz Todd. “A genética custa se ela for mal usada”, afirma Dennis Tubergen.
Nos Estados Unidos, ao contrário do Brasil, em que o produtor compra da central de inseminação a dose de sêmen, o pecuarista leva a prenhez, ou seja, a empresa entrega a vaca com um bezerro a caminho. Hoje, uma prenhez varia entre US$ 60 e US$ 80. “Mas pode até ser mais, depende do que buscamos”, afirma o produtor John Schaendorf, 56 anos, dono da Granja Schaendorf, localizada em Allegan, onde cria 2,5 mil vacas leiteiras. Há cinco anos, o planejamento genético está montado para utilizar touros com aptidão em 70% para a produção e 30% para sanidade. “Uma vaca precisa ser boa no estábulo”, diz o produtor. Sua média diária atual é de 39 litros por animal. “A tecnologia, aliada à mão de obra eficiente, faz da atividade leiteira uma boa experiência”, afirma ele. Desde o ano de 2009, quando surgiram as provas genômicas para avaliar e buscar pelos melhores touros para cobrir a vacada, a cena leiteira americana tem mudado. De acordo com Sloan, a partir desse momento, o trabalho ficou mais cirúrgico. “Os touros avaliados dão confiabilidade de 75% de acerto na escolha da genética, como produzir mais leite, ou um gado mais resistente às doenças, por exemplo”, diz ela. “É como sair da direção de um carro familiar e passar a dirigir uma Ferrari ou um Mercedes.”
MEXICANOS Os produtores americanos investem em produtividade e qualidade do leite porque planejam no longo prazo. E não são apenas os grandes produtores. A Granja Simon, de Westpahlia, administrada por Larry Simon e seu filho Brent, possui apenas 800 vacas, com média de 41 litros por dia. Na última década eles investiram cerca de US$ 4 milhões para melhorar a qualidade do leite. Não por acaso, no ano passado a granja foi classificada entre as seis melhores nesse quesito pela Associação Nacional de Controle de Mastite, com sede no Texas. “A receita é cuidar do gado e da mão de obra”, diz Simon. “É isso que mantém o rumo da produção.”
Desde 2003, a produção doméstica americana tem aumentado acima do consumo, de olho em novas fronteiras. Hoje, o país exporta 15% do leite que processa, cerca de 14 milhões de toneladas em produtos. Mas, segundo o US Dairy Export Council (Conselho de Exportação de Lacticínios, na tradução do inglês), o país pode chegar a 20% do que produz. Isso porque, para os americanos, a conta é simples no mercado consumidor mundial: nos próximos 15 anos, somente a classe média asiática vai passar de 2,7 bilhões de pessoas para 3,2 bilhões. A diferença de 525 milhões de consumidores é quase duas vezes a população americana. Mas, para a empreitada, eles necessitam da mão de obra e nas fazendas americanas ela é sinônimo de mexicanos.
Na Granja Schaendorf, que possui 35 empregados, 70% são do México e 30% são da Guatemala. Ganham, em média, US$ 10,50 por hora, em jornadas de até dez horas diárias. O mexicano Frank Lopez, trabalha há 17 anos na fazenda. Hoje, ele gerencia o estábulo das vacas. “Há trabalho nas fazendas e elas dependem do país vizinho.” Mas Kevin Lettinga diz que na maior parte das fazendas o que falta é mão de obra qualificada. “Treinar funcionários é um gargalo na gestão da fazenda, por causa da rotatividade”, diz ele. Na Granja Simon, Brent diz que a receita é se cercar dos melhores. “Meu pai sempre teve essa medida para gerir a propriedade”, diz ele. Evan Platte, gestor de trabalho na Steenblik Dairy, afirma que o maior desafio é dar oportunidade de crescimento profissional para essa mão de obra. “Nós fazemos reuniões semanais com os ordenhadores, para planificar o trabalho, aparar arestas”, afirma Platte. “Por isso, preferimos pagar melhor a ter uma política de bônus por produção.” De acordo com o gestor, que está há dois anos no atual cargo, um gerente geral pode ganhar até US$ 60 por hora. Tomando por base essa possibilidade, fazer carreira no agronegócio americano não é um mau negócio. Isso, se o governo do presidente eleito Donald Trump não cortar de vez as relações com o país vizinho. Trump já propôs leis para barrar a imigração e construir um muro de cerca de mil quilômetros na fronteira com o México, que pode custar US$ 8 milhões. Nos Estados Unidos vivem cerca de 11 milhões de pessoas ilegais de várias partes do mundo, mas a maioria é mexicana. “Sem eles, a pecuária não funciona”, diz Platte. “Essa é a nossa realidade.” Pon, da Alta Genetics, se esquiva desse tema delicado. “No mundo, os presidentes vêm e vão. Não sou um homem político, o que me interessa são os negócios”, afirma ele. “O leite nos Estados Unidos, e em outros países do mundo, inclusive no Brasil, tem um futuro garantido porque a demanda vai crescer, as fazendas vão se desenvolver e é esse o foco.” Ao falar do Brasil, o executivo pensa um pouco antes de retomar o discurso. “Da primeira vez que estive no Brasil para hoje, a realidade também é outra”, afirma. “É um País que acredito, principalmente no poder de organização das pessoas e dos times de trabalho. Será grande também no gado de leite.” Aliás, o executivo que raramente concede uma entrevista, na Holanda é tido como um personagem raro na mídia local. Por isso, nas poucas vezes em que fala, é bom não desviar de seu assunto preferido: leite, pasto, touros e genética, como ele gosta.