Uma das maiores, mais tradicionais e modernas fazendas do Rio Grande do Sul começa a reproduzir na pecuária a mesma trajetória de excelência que construiu em mais de 90 anos de história pelos campos agrícolas. Pertencente ao grupo Josapar, que tem como carro chefe o arroz Tio João, marca líder de mercado, a Granjas Quatro Irmãos, de 24,9 mil hectares, no município de Rio Grande, extremo sul do Estado, aposta suas fichas na criação de gado angus para aumentar a rentabilidade de suas terras. “Nos últimos anos, muitos agricultores souberam aproveitar o boom das commodities agrícolas e diversificaram seus negócios, escolhendo atividades como a pecuária”, diz Augusto Oliveira Júnior, neto do fundador da empresa, Joaquim de Oliveira,  e vice-presidente do grupo. Com o tino para os negócios, Oliveira Júnior não titubeou em colocar a boiada no pasto, característica herdada do avô, um imigrante português que desembarcou nos Pampas, na primeira metade do século passado, para ser dono de armazém, logo transformado na rede de supermercados Real, hoje incorporada ao Walmart. “Por causa dos inúmeros avanços em produtividade, o retorno sobre o investimento dessa atividade tem se tornado muito mais atraente”, afirma Oliveira Júnior.


Mais qualidade na gôndola O que a Granjas Quatro Irmãos e a CMA têm em comum

De acordo com o empresário, a pecuária de corte nunca deixou de ser uma atividade complementar à agricultura, desde 1950, quando a família começou a investir na lavoura. Hoje, numa área plantada de 6,5 mil hectares são colhidas 1,3 milhão de sacas de arroz, por safra. Na pecuária, com um rebanho de 3,6 mil animais são comercializados 2 mil, por ano. “Muitas vezes, é necessário fazer o rodízio de terras a serem cultivadas com grãos, e o gado exerce um papel fundamental nesse processo”, diz OIiveira Júnior. “Além disso, é uma atividade de menor risco para os agricultores”. Mas foi na última década, para tornar a pecuária mais rentável, que a fazenda saiu em busca de ferramentas para agregar valor à carne produzida. O movimento foi semelhante ao que o grupo fez na metade da década passada com a cultura do arroz, quando enveredou de vez para o segmento de grãos premium (100% nobres), de olho nos consumidores mais exigentes. No caso da criação de gado, a opção foi criar animais angus de genética superior. Do total do rebanho, atualmente, cerca de mil novilhos abastece, anualmente o confinamento do grupo JBS, em Castilho, no interior de São Paulo. O gado é a matéria prima para a linha de carnes especiais Swift Black, vendida em butiques e nas lojas próprias da marca Swift. O produto também está presente no cardápio de restaurantes de primeira linha, como a rede Rubaiayt, do criador Belarmino Iglesias.


Mudança: Perrone do Reis, diretor da Agropecuária Monte Alegre, apostou na melhoria da qualidade da carne para alavancar  os negócios da família

Pelos animais, que embarcam rumo a São Paulo, com um ano e meio de idade e pesando cerca de 300 quilos, Oliveira Júnior recebe um bônus de 10% a 15% sobre a cotação vigente na região. Atualmente o valor adicional é de R$ 5 por quilo vivo, em média, o que equivale a cerca de R$ 1,5 milhão a mais por safra de novilhos. O restante da boiada é entregue ao grupo Marfrig, em unidades no próprio Estado, no final do ciclo de engorda, próximo dos 480 quilos. A parceria com o frigorífico, que abate inclusive as vacas de descarte, também prevê bonificação sobre o valor da arroba, em torno de 10%.

De acordo com Leandro Saraiva Flores, diretor administrativo da Granjas Quatro Irmãos, para produzir animais de qualidade superior, a fazenda investe pesado em genética. “Buscamos uma progênie que tenha bom desempenho no ganho de peso”, diz Flores. “Mas é importante também que seja fiel às características da raça, como a facilidade de acabamento da carcaça e o excelente marmoreio na carne.” A vacada, cerca de três mil matrizes da raça angus, passa por duas baterias de Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF). As fêmeas que não emprenham ganham nova chance no repasse com touros. “Tanto na compra do sêmen quanto na escolha dos reprodutores, o foco está na balança e na qualidade da carne”, afirma Flores. 

CONFINAMENTO 

Para o pecuarista e veterinárioAndré Luiz Perrone dos Reis, diretor da Companhia Agropecuária Monte Alegre (CMA), de Barretos(SP), também foi a busca para agregar qualidade à carne produzida na fazenda comprada pelo avô Osvaldo Perrone, na década de 1940, que transformou a propriedade. A família, que já produziu laranja e cana-de-açúcar, se voltou totalmente para a pecuária, na década de 1990. A decisão mudaria os rumos do negócio, definitivamente. O gosto de Perrone do Reis pelo gado transformou o que era um confinamento com capacidade para apenas 300 cabeças em uma mega operação que pretende fechar 2015 com a marca de 23 mil bovinos engordados no cocho, entre animais próprios e de pecuaristas parceiros. “Nosso trabalho em equipe, e a vontade de inovar, são alguns dos valores que nos trouxeram até aqui”, afirma Perrone dos Reis. Atualmente, 53 pecuaristas engordam seus animais no confinamento da CMA.

Para agregar valor à produção, a fazenda batalhou pela habilitação na “Lista Trace”, o lhe confere status de apta a exportar carne para a União Europeia. Atualmente, o prêmio no mercado pelo chamado “Boi Europa” está entre R$ 2 e R$ 3, por arroba. A presença no grupo de propriedades que fornecem carne ao mercado europeu também credencia a CMA a abocanhar uma fatia da Cota Hilton. Essa carne, também exportada para a Europa, exige cortes de elevado padrão de qualidade e remunera por isso.

A relação com a indústria frigorífica é outro fator relevante na busca por melhores resultados financeiros. Desde 2013,
o confinamento da CMA não mantém contrato exclusivo com um único frigorífico. “Nossos parceiros pecuaristas nos questionavam a esse respeito, porque queriam ter mais liberdade para negociar com os frigoríficos”. Atualmente, o confinamento faz parte do Marfrig Club, programa do grupo Marfrig que bonifica por qualidade até 30% do valor da arroba, por animal, dependendo dos requisitos exigidos na carcaça. Segundo Perrone dos Reis, a JBS já propôs à CMA que entrasse no Programa “No ponto”, que igualmente premia a carne de qualidade. Com a Minerva Foods, antiga parceira, também estão sendo estudadas novas possibilidades de comercialização. “Na pecuária, o importante é a produção alinhada à indústria e ao consumidor”, diz Perrone dos Reis. “Mas, com benefícios econômicos para todos.”


“Não existe carne de segunda em bois criados da forma correta” Pedro Merola, da fazenda Santa Fé, em Santa Helena de Goiás (GO), é confinador e proprietário do açougue Feed, especializado em carne bovina premium

O consumidor tem percepção do que é carne de qualidade?
Existe uma herança de costumes na população, por causa das carnes duras e sem padronização que ainda são consumidas no Brasil. Então, é quase um consenso que a picanha é a melhor carne para churrasco e o filet mignon, para o dia a dia. É um grande erro, porque não existe carne de segunda em bois criados da forma correta.

Como mudar essa percepção?
Mostrar isso aos consumidores é o mais difícil. Você precisa mudar hábitos de consumo que são muito fortes e antigos. Isso se torna um problema para quem produz carne de qualidade

Onde está o problema?
Se o cliente só comprar a picanha e o filet mignon, o custo a mais para se produzir a carne de qualidade vai ter de ser repassado somente nesses dois cortes, o que tornaria a carne cara e inviável para todos.