O Relatório de Conflitos de Mineração 2024 divulgado anualmente pela Universidade Federal Fluminense (UFF) cita que no ano passado mais de um milhão de pessoas foram afetados por conflitos de mineração e por água no país. Os dados revelam a média de 2,4 conflitos registrados por dia no ano passado. O documento lançado este mês identificou 975 ocorrências de conflito em 736 localidades do país, ficando de fora apenas o Distrito Federal.

Segundo o professor de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Luiz Jardim Wanderley, que coordenou a pesquisa, apesar de alto, o número de atingidos foi quase duas vezes menor, na comparação com o relatório de 2023. Mas, em contrapartida, houve ampliação espacial dos conflitos, com 329 novas localidades registradas”.

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“Nós tivemos mais de 300 conflitos em localidades que não tinham apresentado conflitos ainda. O que a gente entende, é que primeiro nós temos dificuldade de enxergar todos os conflitos existentes e dependendo da visibilidade, a gente consegue ou não enxergá-los”, avaliou.

Dos 26 estados com registros de conflito, os que mais concentraram ocorrências foram Minas Gerais (35,2%), Pará (17,8%), Bahia e Alagoas (6,9%). Minas também liderou o número de pessoas atingidas (77%), seguida por Pará (8%) e Alagoas (6,5%).

Reação

Ao longo de 2024, ainda segundo o estudo da UFF, foram mapeadas 168 reações diretas às violações, com destaque para Minas Gerais 73 casos, Pará (16) e Alagoas (14). Maceió registrou 23 casos e Belo Horizonte, 12.

Entre os casos de violência extrema, com embates, houve 32 mortes de trabalhadores e 19 ameaças de morte. Além disso, o relatório aponta para 101 invasões de terra, 58 intimidações de trabalhadores, 14 expulsões, 13 casos de assédio, 9 de violência armada, além de registros em número menor de agressão, violência física, sequestro e tentativa de assassinato.

Mineradoras

Segundo o levantamento, entre as empresas mapeadas que mais violam os conflitos da mineração estão a Vale S.A. e a sua subsidiária Samarco-Vale-BHP, com 96 casos cada, seguidas pela Braskem 43 ocorrências, Hydro 36 casos, Belo Sun Mining com (20), Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (17), Anglo Merican e Companhia Siderúrgica Nacional cada uma com (16) Mineração Vale Verde e SIGMA, com 12 casos cada uma.

Posicionamento

A Vale informou, por meio de nota, que “tem o compromisso de gerir riscos e impactos de suas operações e tem avançado continuamente em processos que visam à segurança das pessoas e contribuem para o relacionamento respeitoso e construtivo com as comunidades onde a empresa atua. Para isso, mantém canais de diálogo abertos e incentiva o engajamento ativo das populações locais nos processos de tomada de decisão, articulando diferentes áreas internas para gerenciar riscos, apoiar o desenvolvimento local e fortalecer relações baseadas na transparência e na confiança”.

O texto da mineradora diz ainda que “o relacionamento com as comunidades possui um processo estruturado e é realizado com a presença constante de equipes de relacionamento nos territórios”.

A Vale explicou que “adicionalmente são disponibilizados canais de comunicação, como telefone, WhatsApp e site, garantindo que as reclamações, demandas e denúncias de comunidades e trabalhadores sejam recebidas, tratadas e respondidas, contribuindo permanentemente para o aperfeiçoamento da atuação da empresa”.

Brumadinho

No âmbito da reparação de Brumadinho, a Vale esclarece que “já executou mais de 81% dos R$ 37,7 bilhões previstos no Acordo de Reparação Integral firmado em 2021. Desde 2019, cerca de 17,5 mil pessoas fecharam acordos de indenização individual, totalizando R$ 4 bilhões. Além das indenizações, a empresa prioriza a escuta ativa das comunidades atingidas: entre janeiro de 2023 e agosto de 2024, foram realizadas 681 reuniões em 214 comunidades da Bacia do Paraopeba e Brumadinho, envolvendo aproximadamente 6.700 mil participantes”.   A empresa reitera o respeito a todas as comunidades e trabalhadores presentes nos territórios onde atua e mantêm-se permanentemente aberta ao diálogo.

A Samarco informou, em nota, que “assumiu, em novembro de 2024, a responsabilidade direta pela reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão e vem se dedicando de forma firme e transparente à prestação de respostas à sociedade e às comunidades atingidas. Esse compromisso se traduz tanto na adoção de uma operação mais segura, sem barragens de rejeitos e com monitoramento contínuo, quanto em avanços concretos e verificáveis no processo de reparação”.

Concentração 3. Usina de Concentração da mineradora Samarco. –  Foto-arquivo: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A mineradora diz ainda que tem mantido “diálogo aberto e constante com as comunidades, promovendo escuta ativa e implementando ações efetivas, reafirmando nosso empenho em garantir justiça, segurança e efetividade na reparação dos danos”.

Ela informa que, desde 2015, “foram destinados R$ 70,6 bilhões para as ações de reparação e compensação, incluindo R$ 33,8 bilhões pagos em 777,4 mil acordos de indenização individual, a conclusão das obras dos novos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu, iniciadas antes do Novo Acordo do Rio Doce, e a continuidade de uma série de ações de preservação, restauração e compensação ambientais. Além disso, a empresa adota o Padrão Global da Indústria sobre Gestão de Rejeitos (GISTM), e todas as nossas estruturas geotécnicas estão estáveis, conforme auditorias e certificações legais”.

Na avaliação de Luiz Jardim, coordenador da pesquisa, “realmente é surpreendente como essas empresas dizem que são socialmente e ambientalmente preocupadas, mas são elas [Vale e Samarco] que têm o maior número de conflitos. Isso mostra primeiro, uma contradição das empresas. Apesar de dizerem que cumprem políticas sociais e ambientais rigorosas, produzem uma enormidade de conflitos e impacto nas comunidades”.

Jardim disse também que “essas duas mineradoras são causadoras dos maiores desastres ambientais da história desse país. A gente tem a violação dos direitos e conflitos ligados a Samarco ao longo do Rio Doce inteiro, com mais de dez anos de conflitos, em diferentes localidades em diferentes municípios e comunidades”, acrescentou. O coordenador da pesquisa disse que a Vale, além dos conflitos provocados na região de Minas Gerais, no Rio Paraopeba, tem também inúmeras plantas no Pará, na ferrovia Carajás, nas áreas de porto. “Isso se mostra muito presente porque elas têm uma capilaridade muito grande no território”, concluiu.

CSN

A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) Mineração também se manifestou por meio de nota, afirmando que a companhia não teve acesso prévio ao relatório nem foi contatada pelos pesquisadores, não podendo, assim, se manifestar.

“Contudo, cabe observar que a Companhia Siderúrgica Nacional não atua apenas no segmento de mineração, mas sim nos setores de siderurgia, mineração, logística, cimentos e energia. Portanto, compilar informações de diferentes segmentos em um único estudo supostamente direcionado ao setor de mineração, pode, indubitavelmente, resultar em interpretações imprecisas e distorcer os seus resultados”.

O texto diz ainda que “nesse contexto, torna-se ainda mais relevante reafirmar que a CSN conduz suas operações em estrita observância à legislação ambiental, trabalhista e minerária aplicável, adotando práticas responsáveis de gestão, transparência e governança socioambiental”.

A companhia mantém canais institucionais formais de diálogo com comunidades e autoridades públicas, promove investimentos contínuos em aprimoramentos operacionais e ambientais e atua de forma responsável e colaborativa na construção de soluções técnicas e juridicamente seguras para os desafios inerentes às suas atividades industriais e minerais.

A Agência Brasil tentou, mas não conseguiu contato com os demais citados na reportagem, mas está aberta a divulgar as manifestações dessas empresas nesse espaço.