15/02/2019 - 11:00
Mal completou nove meses na presidência da Frente Parlamentar da Agropecuária, a deputada federal Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias (DEM-MS) aceitou, no início de novembro, um desafio ainda maior: comandar o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), na gestão do presidente eleito Jair Bolsonaro. Aos 64 anos, a agrônoma campo-grandense tem larga experiência no setor. Entre 2007 e 2014, foi a secretária de Estado de Agricultura de Mato Grosso do Sul. No Mapa, ela terá uma missão monumental: reunir sob sua guarda tarefas que não mais pertenciam à pasta.
O Mapa volta a ter como atribuições as políticas para a agricultura familiar, a extensão rural, a pesca e a reforma agrária — neste último caso, um assunto que esteve, por 46 anos, sob a batuta do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). “A busca é aprimorar o que já está bom e melhorar o que ainda é deficitário”, afirma Tereza. “A ideia é fazer com que o agricultor perca menos tempo do lado de fora da porteira e ganhe mais tempo dentro dela, produzindo com mais tecnologia e obtendo produtividade cada vez maior.” Na entrevista exclusiva à DINHEIRO RURAL, a futura ministra fala sobre os seus planos para o próximo governo.
DINHEIRO RURAL – Que projetos continuam inalterados no próximo governo e quais deles devem ser reestruturados?
TEREZA CRISTINA – O Ministério da Agricultura é uma casa antiga e bem organizada. Temos alguns trabalhos que daremos continuidade e outras políticas que devem ser reestruturadas. O Blairo Maggi fez uma boa gestão, especialmente com a abertura e a busca de novos mercados para a agropecuária. Vamos dar continuidade a isso, sem dúvida alguma. Entretanto, há algumas coisas que eu gostaria de mudar um pouco. Quero trabalhar bastante com a reorganização da Secretaria de Defesa Agropecuária. Hoje, ela é um ponto nevrálgico. Foi pela falta de atenção a essa secretaria que aconteceram episódios como as operações Carne Fraca e Trapaça.
A estratégia será mostrar que o nosso serviço de inspeção sanitária animal e vegetal e o próprio empresariado brasileiro estão recuperados desses episódios e corrigindo as suas práticas.
RURAL – O presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou em sua campanha que daria mais celeridade ao agronegócio. Como pretende fazer isso?
TEREZA – O ministério da Agricultura começou um projeto muito interessante: o Agro Mais. Ele busca diminuir a burocracia e facilitar o ambiente de negócio de vários empreendimentos do setor. Tudo isso, sem tirar a segurança dos processos. É um assunto que a gente tem de seguir, pois não é uma tarefa para apenas um governo.
RURAL – O que representa a volta da agricultura familiar sob o cuidado do Mapa?
TEREZA – Representa o desejo do governo. Porque, seja o produtor pequeno, médio ou grande, no final das contas a agricultura é uma só. E por isso precisamos tratá-la como uma só entidade. É claro que cada classe de produtor tem os seus problemas e especificidades. Quero acompanhar pessoalmente a temática da agricultura familiar, participando das discussões e da criação de programas de governo.
RURAL – Quais são as prioridades na reforma agrária?
TEREZA – A prioridade é dar a garantia de titulação de terras a quem realmente tem esse direito. Isso garante que esse produtor tenha efetivamente sua liberdade para pegar crédito e trabalhar a terra, estabelecendo seus processos produtivos e a sua independência no campo. Para isso acontecer, será necessário o apoio da assistência técnica. Não adianta somente dar o título da terra. É preciso dar a oportunidade de uma assistência de qualidade.
RURAL – Para o campo, qual o reflexo imediato dessas novas medidas?
TEREZA – Isso vai refletir num produtor que entende a sua atividade de maneira mais econômica. A agricultura familiar não é uma atividade de subsistência. É preciso deixar de lado esse conceito. Precisamos fazer com que seja desenvolvida para vender seus produtos, fomentando uma agricultura comercial e que atenda ao mercado.
RURAL – Como fazer o Mapa trabalhar nesse sentido?
TEREZA – Cada vez mais, nós do ministério teremos de exercitar a inteligência e a estratégia na agricultura. Isso vai ser importante para esse produtor, como também será para toda a agropecuária. Mas não é somente isso. É muito importante estarmos atentos ao cenário mundial. Isso pode direcionar algumas políticas. A cultura do milho, por exemplo. Quanto o País tem de produzir desse cereal em determinado ano? Temos de ficar sempre alavancados nessa produção? Para responder a essas questões, pessoas dentro do ministério devem conhecer o mercado nacional e internacional, para definirmos as propostas de políticas agrícolas. Isso servirá como uma base sólida para a tomada de decisão dos produtores.
RURAL – Quais mercados são mais importantes para o sucesso desse tipo de política?
TEREZA – Estaremos focados em todos os mercados. Nos que ainda não estamos presentes, vamos prospectar.
A agropecuária é muito grande e pujante. Por isso, temos de garantir o crescente fluxo das exportações do setor.
RURAL – Mas a senhora tem dado declarações de que seria preciso rever o Mercosul.
TEREZA – Sim. Isso quer dizer que é necessário um rearranjo das negociações entre todos os países que fazem parte desse bloco. Porque o Mercosul, para o agronegócio, tem criado uma série de problemas. No setor de lácteos, por exemplo, há uma entrada ilimitada de produtos, especialmente de leite em pó. Isso derruba os preços dos produtos nacionais. O mesmo acontece com o arroz. Praticamente acabamos com a produção do grão no Rio Grande do Sul, porque recebemos altos volumes vindos de países do Mercosul. Isso cria um mercado interno altamente instável, para o qual não conseguimos definir políticas de proteção de preços aos pequenos produtores. Não queremos que isso continue.
RURAL – O novo Governo já tem uma proposta para o crédito rural??
TEREZA – Sim. A proposta é trabalhar não somente pensando no Governo como fonte exclusiva para o crédito ao produtor. É preciso encontrar alternativas com a ajuda da iniciativa privada, para que a agropecuária tenha mais linhas de crédito para investimento e custeio.
DINHEIRO RURAL – Como criar um maior envolvimento da iniciativa privada nesse novo projeto do Governo que vai assumir?
TEREZA – Já temos algumas ferramentas consagradas, como é o caso das Letras de Crédito do Agronegócio e dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio. Mas gostaria de propor um cardápio com mais linhas de crédito para fortalecer o campo, ajudar o agricultor. A agropecuária brasileira cresceu muito e precisa de recursos para mais investimentos, custeio e cobertura de riscos. Se conseguirmos definir, por exemplo, uma política de seguro rural que seja mais abrangente, efetiva e que comporte um número maior de produtores rurais, os bancos privados passam a ingressar com mais volumes de recursos. Teríamos instituições financeiras, como, por exemplo, Bradesco, o Santander e o Itaú, colocando bem mais dinheiro na agropecuária. O grande problema é que o nosso seguro ainda é muito caro.
RURAL – Qual sua estratégia para baratear o seguro rural?
TEREZA – Ainda não temos essa estratégia. Isso porque é uma política a ser discutida entre o Governo e as empresas de seguro e resseguro. Não será uma tarefa fácil. Todos os gestores que passaram pelo Mapa não conseguiram resolver esse problema. Quero por foco nisso. O plano é nos debruçarmos sobre esse assunto e resolvê-lo o mais rapidamente possível. Os produtores dos Estados Unidos têm seguro. Os europeus, também. Precisamos ter o nosso. Resolver o seguro rural é um marco que quero deixar no próximo Governo e uma das minhas metas.
RURAL – Para o produtor, um dos maiores entraves é a logística, que não tem andado nos últimos anos.
TEREZA – A logística também está dentro do pacote dos principais desafios. Temos a ferrovia Ferrogrão, na região Norte, além de rodovias fundamentais para o escoamento da produção no Norte e no Sul do País que precisam ser resolvidas. Mas acredito que, com o novo Governo, haverá mais Parcerias Público-Privadas (PPPs) para injetar capital, sanando a logística que continua sendo um dos grandes gargalos para o aumento de produção e para a expansão das novas fronteiras da agropecuária.
RURAL – O que é necessário para que essas PPPs se concretizem?
TEREZA – Será necessário o Brasil consolidar sua credibilidade frente aos investidores internacionais. Se o País passar para o mundo que vai cumprir contratos e dispor de leis que assegurem o capital investido, estou certa de que vem capital de fora para dinamizar projetos em hidrovias e rodovias.
RURAL – E como resolver o tabelamento do frete, um desafio que passa de um governo para o outro sem que um consenso seja formado?
TEREZA – Desde o princípio, eu havia me posicionado contra o tabelamento do frete. Sempre achei que era um tiro no pé. E é realmente o que isso está se mostrando. Mas vejo uma movimentação para que o atual governo resolva essa questão antes mesmo de terminar este ano.